O Labirinto de Sealock Pike

Sealock Pike é uma daquelas cidadezinhas que ficam localizadas em um lugar que ultrapassa um pouco o fim do mundo. Ao redor dela, uma cadeia de montanhas que parece não ter fim. O único lado da cidade que não fica guardado pelas montanhas é banhado pelo mar, ou por algum oceano, ninguém sabe, pois jamais alguém saiu dali.

Alguns dos moradores contavam histórias de um entregador que havia se perdido muito tempo atrás e acabou indo parar na cidade. Algumas versões diziam que o homem havia percorrido cerca de 3.000 Quilômetros da última cidade que ele havia passado até chegar a Sealock Pike. Outras versões falavam em distâncias até maiores. Mas em todos os relatos um ponto se repetia: o entregador havia chegado a Sealock Pike de carro, e um dia depois de entrar em contato com os moradores, sumiu sem deixar rastros.

De tempos em tempos algum garoto tentava sair da cidade em uma aventura buscando a cidade mais próxima. Nunca ninguém retornava. Esses jovens eram dados como perdidos e a vida seguia. Era quase um ritual do lugar que, ao menos uma vez por ano, um jovem desaparecia na tentativa de sair da cidade.

Como o desaparecimento de jovens ocorria desde sempre em Sealock, a cidade organizava uma cerimônia de despedida toda vez que alguém decidia tentar a viagem. Esse ano, quem tentaria a viagem seria o filho mais jovem do líder da cidade. O velho tinha uma barba enorme que vivia alisando. Ele era uma figura icônica do lugar, e seu gesto de alisar a barba era uma marca registrada. Devido à importância da família para o sustento da cidade, já que metade de todas as terras de plantio dali eram deles, a cerimonia foi a mais elaborada até hoje. O velho queria se despedir de seu filho, claro, mas não queria perder a oportunidade de mostrar para todos quem é que mandava ali.

Ao final da cerimonia, um cortejo foi formado e conduziu o jovem rapaz até os limites da cidade. A maior parte daqueles covardes jamais havia visto sequer um passo além da linha de limite da cidade, mas o jovem estava com uma expressão firme, decidida. Mesmo que jamais voltasse, pelo menos veria o que havia fora da porcaria de Sealock Pike.

O garoto começou a sua viagem por entre as montanhas que cercavam a cidade, curioso, aproveitando cada segundo do novo mundo que conhecia. As montanhas pareciam nunca ter fim. Mesmo em uma parte da trilha onde ele atingia um ponto mais alto por entre as montanhas, era impossível ver um final. Até onde a visão dele alcançava era possível ver os cumes das montanhas.

Ele andou por cerca de dois dias em linha reta, mas o cenário continuava o mesmo: montanhas e mais montanhas. O tempo naquela região parecia instável, e o que parecia ser uma tempestade se armava logo a sua frente. Além do azar de não ter nada que pudesse utilizar para se proteger da chuva, não existia nenhum lugar ali onde ele pudesse se abrigar. Nem uma caverna, buraco, nada.

O garoto andou mais um pouco, mas decidiu mudar de direção. Dobrou a direita entre duas montanhas de formato cônico e seguiu com passo rápido na esperança de encontrar algum abrigo para fugir da tempestade que logo atingiria o lugar. Ele andou por um longo tempo, mas o cenário era o mesmo. Nenhum abrigo surgia.

Quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair, o garoto apressou o passo e começou a correr para qualquer lado. Alguma coisa para usar de abrigo teria que existir naquele espaço infindável. Ele não viu quando entrou no labirinto, e só foi perceber onde estava quando bateu de frente em uma parede de pedras.

Ele voltou alguns metros para trás, mas encontrou mais paredes. A direção pela qual ele jurava ter vindo estava fechada por todos os lados com paredões de pedra. Eles eram tão altos que mesmo que 4 pessoas subissem uma nos ombros das outras, ainda sobraria metade da altura da parede para cobrir. Como era possível não ter visto aquilo enquanto corria?

Virou e começou a andar pelo labirinto, baseando-se pelos cumes das montanhas que conseguia ver por cima das paredes. Algumas ele reconhecia, pois tinham vegetação mais farta. Tentou usar elas de guia para voltar ao ponto onde achava que tinha encontrado o labirinto. O problema é que quanto mais ele se aproximava daquelas montanhas, mais embrenhado no labirinto ficava.

Outro fato estranho que ele só percebeu depois de um tempo era que ali dentro não estava chovendo. Parecia haver uma película protetora por cima das paredes, como uma telha transparente. Havia sido burro de conseguir se perder em um labirinto ali, no meio do nada, mas pelo menos não seria um burro molhado.

Ele começou a marcar as paredes com montinhos de pedra. Amontoava um punhado de pedrinhas perto do final de um corredor pelo qual já havia passado, assim, depois de um tempo, ele conseguiu parar de andar em círculos e voltar ao mesmo ponto. Pelas suas contas, fazia 3 dias que estava perdido ali.

Foi no que ele achava que era o quarto dia que encontrou o primeiro cadáver. Pelo estado de decomposição, parecia estar ali tempo o suficiente para ser o azarado que tentou a viagem no ano anterior. Seu sangue gelou. O pobre coitado estava sem olhos. Ao que parecia, eles haviam sido arrancados.

Depois do primeiro, o encontro com os outros cadáveres foi cada vez pior, pois estavam mais dilacerados. Um dos mistérios estava resolvido pelo menos: os jovens não estavam perdidos, estavam mortos. Melhor, foram mortos. O medo começou a atingir o garoto pela primeira vez desde o início da viagem.

No sétimo dia, ele chegou a um lugar diferente dentro do labirinto. Essa área tinha realmente um teto, todo feito da mesma pedra com que eram feitas as paredes gigantes. Era escura, mas havia nela 2 portas que podiam ser vistas com clareza. Uma das portas tinha o desenho de uma flecha apontando para baixo, e a outra tinha um círculo com uma seta acima dele apontando para baixo.

Como já estava perdido mesmo, ele decidiu entrar na porta com a seta apontando para o círculo. Ao abrir ela, viu somente escuridão, mas entrou mesmo assim. Quando fechou a porta, viu que estava novamente no labirinto, mas dessa vez ele parecia terminar logo a sua frente. A parede de pedras o conduziu até uma rua estranha, que parecia não ser de pedra e nem de terra, ele nunca havia visto aquele tipo de construção.

Algumas máquinas com rodas passavam em uma velocidade alucinante por ele. O primeiro pensamento que veio a sua cabeça foi uma palavra: carro. A máquina em que o entregador das histórias de Sealock Pike chegava a cidade era real. Possivelmente, o entregador era real, e tinha vindo daquele lugar. Como ele havia feito isso o garoto não soube explicar.

Ele decidiu voltar e entrar na outra porta, a que tinha somente uma flecha apontando para baixo. Saiu da porta anterior, fechou-a, e abriu à próxima. Quando abriu essa, sentiu uma onda de frio atingir seu corpo. Passou por ela e fechou. Assim que o som da fechadura cessou, ele começou a ouvir sons de correntes tilintando por todas as direções. Deu mais alguns passos e então uma luz azulada tomou conta de todo o lugar. Era um salão enorme, cheio de correntes, e as paredes eram feitas de um material que ele não soube identificar, mas parecia se mover, como se respirassem.

Quando se aproximou das correntes, viu que em suas pontas havia pequenos ganchos. Deu um salto para trás quando percebeu que estavam manchados de sangue, que já estava seco. Correu em direção à porta por onde havia entrado, mas quando estava chegando perto, uma das correntes agarrou o seu pé direito e o puxou para trás com uma força esmagadora.

Ele tentou se agarrar em alguma coisa qualquer pelo caminho, mas não conseguia segurar em nada. Ele gritou por todo o tempo que foi arrastado, até chegar a um lugar que parecia um pequeno coliseu romano. A corrente soltou seu pé e voltou rastejando para seu lugar. Uma grade baixou atrás dele, bloqueando a única passagem visível para sair da sala.

Sentou-se no chão e ficou olhando para o salão onde estava. Haviam várias aberturas nas paredes, que pareciam levar a algumas outras salas. De repente, sentiu algo pousar a mão em seu ombro pelas costas. O toque ficou mais pesado e a mão se fechou ao redor do seu ombro, penetrando a carne. Com um puxão firme, o atacante puxou para fora a clavícula do garoto. Ele se atirou ao chão, explodindo em dor.

Das outras aberturas vieram mais criaturas. Uma cravou suas garras na panturrilha direita dele e puxou. Ele ouviu o som dos músculos rompendo e ouviu quando a coisa começou a mastigar o que havia arrancado. Outra pulou sobre seu peito e agarrou sua cabeça, puxando-a com extrema violência. O banquete seguiu por mais algum tempo, até que não restasse mais garoto algum.

Do alto da sala, o velho observava com extrema satisfação seus outros filhos trabalhando. Sentado em uma poltrona, passava a mão pela sua enorme barba e sorria.

Luan T Mussoi
Enviado por Luan T Mussoi em 22/10/2020
Código do texto: T7093853
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