Memento Mori

Aquele dia havia sido mais um fenômeno. Mas, repare. Não o sentido formal da palavra. Habitual para eventos não ordinários. Antes o fenômeno insidioso do fastio. Enrugado e flácido, como só se é quando a vida se apresenta como ela de fato é. A não ser, e não ser é uma condição cênica do azar, que esta senhora resolva coçar seu saco, depois de tanto tédio.

E, as células mortas de sua epiderme mal cheirosa assaham-se, ao serem espalhadas pela fricção resultante do prurido. Voam e precipitam-se. Na nossa cara. Feia, quase sempre.

Aí está resumidamente o trabalho que ela teve com Estêvão. Que chegou em sua casa, onde só lotava com sua presença insossa e sem delonga atirou-se ao banheiro com urticárias biliosas a assar-lhe a tez do rosto casmurro e adiantado na quinta década de existência. Ardia, ardia. E ardia. Era de dar dó de Estêvão. A noite invadiu de vez a cidade.

Pela manhã, babando no ladrilho que enfeitava o chão do uáter clôsete, o condenado se deu conta do tempo que não tinha. Saltou, estalando juntas juntas ignoradas. Uma coceira lhe fez ao queixo. Peralta. Coceirinha marota. O dedo que a atendeu afundou no intumescido. Túrgido e húmido. E contraiu-se em reflexo. Fedendo. O inferno.

Estêvão não vê nada. Olhos são necessários. Mas, olha aqui você que lê: quem precisa enxergar quando a imaginação está te assim assombrando com a ajuda das mãos, molhadas em fluídos pegajosos?

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