OS OLHOS DA JUSTIÇA

Ele não parava de me olhar.

Estava sentado na poltrona na poltrona em frente à minha. Sua roupa era azul celeste, toda enfeita com babados infantis. Na cabeça, os cachinhos dourados começavam a despontar suavemente pelo couro cabeludo. O rosto, compenetrado. Como alguém que maquina planos intransponíveis para simplórios mortais tal qual somos nós. “Mas quanta besteira. Devo estar enlouquecendo. É só um bebê!" Foi o que pensei naquele momento. Sim, era apenas um mero bebê. Mas aqueles olhos... Aqueles olhos a me observar constantemente, não eram normais.

Eu me sentia como se estivesse num tribunal onde minha vida toda agora era julgada. Parecia que finalmente alguém daria cabo de todos os meus pecados ocultos. Deus sabe qual seria minha sentença! Esqueci-me completamente da viagem que fazia, do lugar para onde ia e qual meu verdadeiro propósito ao subir naquele trem. Tudo o que me vinha à mente era meus erros do passado. Quanta crueldade já não tinha feito? Quantas vítimas minhas mãos já haviam mutilado? Muitas... Com certeza, muitas!

Meu trabalho não era nada fácil. Passei a vida enganando pessoas, mentindo, traindo meus amigos, tudo para alcançar meus objetivos. Por isso, envolvi-me com bruxaria, corrupção, assassinatos, cometi atrocidades terríveis. Nunca fui uma pessoa admirável, todavia não me arrependia do que já havia feito. Mas o problema é que agora podia ver o reflexo de toda essa maldade nos olhos daquela criança. O que fui, o que sou e certamente nunca deixaria de ser encarava-me friamente através dos olhos de um ser inocente, Fixados em mim. Será que ele sabia dos fetos que ajudei a matar com minhas campanhas a favor do aborto?

O mais espantoso era que o tempo todo sua mãe não se mexia. A mulher o mantinha nos braços inertes, completamente paralisada. Na verdade, todos no vagão apresentavam o mesmo comportamento estranho. Ninguém falava nada, ninguém se movia, ninguém sequer demonstrava qualquer sinal de vida. Pareciam estar paralisados. Afinal de contas, que diabos estava acontecendo ali!

Toquei no ombro da mulher que carregava o bebê na poltrona da frente, e ela se virou lentamente. Foi aí que observei a coisa mais horripilante já vista por mim nestes 20 anos de maçonaria. Algo jamais testemunhado, algo indescritível, uma cena que julgava nunca apreciar ainda em vida... Aquela simples senhora NÃO TINHA FACE!!!

Quis gritar, mas faltou-me a voz. Tentei correr, porém já não me movia mais também. O maldito bebê esboçou um leve sorriso de repente. Olhei para meus braços, minhas pernas, meu corpo todo começava a... Definhar! Enquanto as bochechas do pequenino mais e mais se coravam, seu corpinho minúsculo ia tomando formas masculinas e adultas. Uma risada grave como a de um homem brotava de seus lábios rosados.

Logo percebi que não estava num trem, tão pouco havia conseguido embarcar nele.

Aquilo que passara a viagem toda me encarando não era uma criança comum. Senti toda minha vitalidade sendo roubada naquela alucinação satânica enquanto o ladrão da juventude deleitava-se com meus fluídos, absorvendo cada vez mais o mínimo de vida que ainda guardava em mim. Ele divertia-se com meu sofrimento num ritual proibido que já estava quase terminado. Mas antes de minha consciência se perder por inteiro, antes que meus lamentos silenciassem eternamente na escuridão do mal, ainda pude ouvir as últimas palavras do alto sacerdote maçônico proferindo minha sentença final:

QUE O MAL SE PAGUE COM O MAL, Ó BRUXO INSENSATO. E A SOBREVIVÊNCIA SOBREPUJE OS TOLOS MAIS FRACOS DA MAGIA NEGRA. POR TODO O MAL QUE UM DIA PRATICASTES, CHEGOU HOJE A SUA VEZ DE SER JULGADO. PORTANTO, MORRE AGORA COM OS OLHOS DA JUSTIÇA SOBRE TI!