Protejam o rebanho

Ramiro convocou todos os adultos da colônia (que não estivessem em serviços essenciais, como cuidar das crianças) para uma reunião de extrema importância. Era preciso decidir o que seria feito contra os narcotraficantes da região, já que naquele fim de mundo não havia policiamento regular - e todos suspeitavam que boa parte da polícia estava na folha de pagamento dos narcos.

- Indo direto ao ponto: acredito que precisaremos criar nossa própria força de defesa - declarou Ramiro, perante uma audiência lotada. O encontro estava sendo mantido no salão de festas da colônia, o maior local para reuniões daquele tipo.

- Mas nós somos pacíficos - alegou Mara, erguendo o braço para falar. - Aliás, não foi por outro motivo que deixamos a cidade e viemos para cá; nunca poderíamos imaginar que fôssemos ter problemas de um tipo que nunca enfrentamos lá.

Um vozerio confuso ergueu-se da plateia. Havia muita gente pensando como Mara, percebeu Ramiro, erguendo ambos os braços para pedir silêncio.

- É verdade - reconheceu. - Na cidade, não tínhamos esse tipo de problema, embora tivéssemos que lidar com o preconceito e a animosidade dos nossos vizinhos. Aqui, por estarmos próximos da fronteira, temos que enfrentar a questão do narcotráfico. Polícia, exército, ninguém parece se importar muito com a nossa segurança; portanto, teremos que tomar essa responsabilidade nas mãos, por nós e nossas crianças.

Falar nas crianças sempre era um ponto relevante. Para a colônia, as crianças não representavam somente o futuro: elas eram sagradas. Protegê-las consistia no mais honroso dever que alguém poderia assumir.

- Mas como espera enfrentar os narcos? - Questionou Julião, um dos colonos mais antigos. - Mara tem razão, somos pacíficos. Não vamos agora comprar armas apenas porque estamos no meio do nada.

Um murmúrio de aprovação elevou-se da plateia.

- Eu não estava pensando em armas convencionais - admitiu Ramiro. - Essas pessoas podem ser criminosas, mas talvez por isso mesmo devam ser supersticiosas. Vamos usar isso contra eles.

A plateia fez silêncio, em expectativa.

- Não está querendo dizer que deveremos nos expor para manter os narcos afastados, não é? - Indagou calmamente Julião.

- Viemos para cá justamente para não nos expormos - acrescentou Mara.

Ramiro ergueu os braços novamente.

- Calma! A minha ideia é usarmos as noites de lua cheia... ataques preventivos. Sabemos que os narcos estão por aí, usando as trilhas do deserto para cruzar a fronteira. Se liquidarmos alguns deles, acabarão escolhendo outro lugar para conduzir seu negócio.

A proposta foi colocada em votação, e acabou sendo aprovada por expressiva margem de votos. Ninguém na colônia iria admitir que gostava de matar, mas a ideia de poder estraçalhar criminosos por uma boa causa, era tentadora.

Nos meses seguintes, correu a notícia de que uma matilha de lobos estava atacando acampamentos de traficantes próximos da fronteira. Os narcos acabaram mudando suas rotas para lugares mais urbanizados...

- [22-11-2020]