MEU SEQUESTRO NA CASA VELHA DE VERÃO

Aquela casa simples, até demais, madeira praticamente podre, ferramentas e equipamentos por todos os lados, chão de barro onde os cantos abrigavam insetos, principalmente aranhas. Aquelas aranhas resolveram os nossos problemas, em partes, no final, causaram outros, porém, estou aqui para contar os últimos momentos do que foi meu sequestro.

Saímos de casa para ir ao mercado, minha mãe e eu.  Era um dia comum, o sol brilhava bem no topo da cabeça, devia ser perto do meio-dia. Caminhada rápida, menos de 15 minutos até o ponto final. Nosso objetivo.

Compramos o necessário e saímos, o calor parecia aumentar em relação a minutos atrás. Mas como disse, a caminhada era rápida até nossa casa. Porém, assim que saímos na porta, visualizei meu ex-namorado no outro lado da rua, estava como sempre, em frente ao carro, de boné preto e óculos escuros, tipo aviador. Ele nos olhava profundamente, sentia calafrios e meu corpo tremia descontroladamente. Minha mãe falou:

- Olha lá o Cândido. – Falou alegremente, e continuou: - Ele nos levará até nossa casa.

- Não precisa mãe, é perto.

Mas pareceu não ouvir, ela adorava o Cândido. Nunca contei o quanto ele era abusivo, nunca levei meus problemas de relacionamentos para nossa casa, e para minha mãe, aquele homem parecia ser um anjo, então nosso afastamento causou muitos questionamentos por parte dela. “Você perdeu um ótimo partido”, “Você nunca, achará alguém tão bom”. Inclusive, quando levei meu novo namorado, ela não parou de compará-lo com o ex.

A verdade é que quando conheci o Cândido, me apaixonei perdidamente, entreguei meu coração nas mãos de quem eu também acreditava ser alguém especial. Nos primeiro momentos assim foi, muitos carinhos, mimos e muitos presentes para mim e para minha mãe, que como eu, caiu nas histórias daquele homem.

Ela atravessou a rua quase que correndo, jogou-se nos braços de Cândido, o abraçando e beijando sua testa. Eu acompanhei, não tinha mais medo, estávamos a mais de um ano separados, mas alguns traumas ainda permaneciam em minha memória. Se eu não houvesse descoberto que ele era casado e com três filhos, talvez, ainda estaria sofrendo aquelas agressões.

Foi uma época, onde me esqueci de mim e de meus amigos, vivia apenas para ele.  A princípio eu acreditava que ele era muito cuidadoso, ligava de hora em hora, queria saber se eu estava me alimentando bem, se eu precisava de algo ou se eu havia dormido tranquila. Depois, ele começou a perguntar onde eu estava, com quem estava e por que não estava em casa.

Eu não o conheci tão bem, sempre imaginei ser superproteção ou carência, mas não verdade eram ciúmes e possessão. 

Tentei levar o relacionamento, além disso, eram apenas ligações. Acontece que em uma noite, eu saí para beber com uns amigos. Apenas beber. Mas ele passou no bar e me viu. Eu também o vi. Sorri a ele e fiz sinal para que ele entrasse no bar. Com o carro parado praticamente na porta do estabelecimento, ele mandou uma mensagem. “Sai agora e vai para casa”.

Eu retirei o sorriso do rosto, meus amigos notaram quando acenei feliz e depois entristeci. Tentei disfarçar, eles fingiram acreditar. Despedi-me e saí. Quando chegava perto de seu carro, ele colocou o boné preto e arrancou, me deixando ali, sozinha e com meus amigos vendo tudo, corri em direção a um táxi.

Cheguei em casa chorando, não entendia o que estava acontecendo comigo. Eu havia entregado toda minha vida nas mãos de alguém que começava a me envergonhar e humilhar.

No dia seguinte acordei disposta a acabar com tudo. Peguei o celular e quando fui fazer a ligação, ele entrou em meu quarto acompanhado com a minha mãe. Em suas mãos havia um lindo buquê de flores e uma caixa de chocolate. Ele estava na frente de minha mãe. Mexeu a boca sem que saísse som dizendo: “Desculpa”. 

Eu sorri, meu coração acreditava naquilo. Minha mãe nos deixou a sós, ele sentou e me abraçou forte e depois, tirando os óculos, perguntou como eu estava. Derretida e completamente apaixonada, respondi estar tudo bem.

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Minha mãe entrou no carro, não o vi convidar, mas ela entrou assim mesmo. 

- Cândido, meu amor. Nos leve em casa que farei um café novinho para você. – Disse ela com um largo sorriso no rosto.

- Sim, minha sogra querida. Agora mesmo. – Respondeu com sorriso sínico, colocando os óculos e arrumando o boné na cabeça.

Ele seguiu em contato com minha mãe, nunca deixaram de se falar. Ela contava tudo a ele, não fazia por mal, mas ele vinha sempre com conversinhas que me amava e que iria me reconquistar, ela pensava fazer a coisa certa.

Sentamos no banco de trás, ele arrumou o retrovisor em minha direção, eu tentei ficar atrás do encosto do banco, mas sempre ficava em sua visão.

Aqueles óculos me incomodavam, ele às vezes andava com eles a noite, não os tirava, parecia manter daquela maneira para vigiar ou olhar para os lados sem que eu soubesse para onde.

De mar de rosas, minha vida virou um inferno. O único lugar que me sentia segura era na igreja. Esse também foi o último lugar que ele me proibiu a ir. Só poderia sair na companhia de minha mãe. Sozinha, nunca.

- Cristina, como vai o Leandro? Ele perguntou.

Eu sabia que minha mãe contava muita coisa, mas falar do meu atual namorado não era uma coisa muito boa. 

Olhei para ela e percebi que ela estava feliz, sabia exatamente o que havia dito.

- Minha mãe falou em Leandro? Ele está bem. – Respondi secamente.

- O conheço, é taxista. Não é? – Seguiu o questionamento.

- Sim! – Tentei encerrar o assunto imediatamente.

- Foi ele que a levou em casa naquele dia que saiu com seus amigos. Não foi? – Interrogou asperamente.

Aquele dia realmente poderia ter sido o divisor de águas, ainda era o início da relação, se eu não houvesse sido enrolada pelas flores e chocolates, talvez, minha mãe não tivesse ficado tão ou mais apaixonada por Cândido do que eu mesma. 

A noite estava muito agradável naquele dia. Nunca soube como ele me descobriu lá, não falei nada sobre sair.

- Sim! Foi ele mesmo. – Apenas respondi.

Chegamos em casa, fui direto a meu quarto, minha mãe e Cândido ficaram conversando na cozinha. Voltei, os acompanhei no café. Ao terminar a refeição, Cândido me chamou para conversar, eu concordei. Fomos até o carro, ele me convidou a entrar para passearmos. Eu fui.

No caminho ele começou a dizer que havia se separado da esposa e que estava arrependido de tudo que havia feito comigo. Eu entrei na conversa, o medo parecia desaparecer.  Levou-me até a velha casa de verão, foi o primeiro lugar que estivemos juntos, ele a mantinha para guardar suas ferramentas e equipamentos de pesca, mas que no tempo onde nos relacionamos, estava mais organizado, até uma cama havia sido colocado lá.

Enquanto ele tirava algumas coisas do porta-malas, eu pedi as chaves para abrir a casa. Assim que entrei, visualizei em cima de um armário, a arma que ele usava para caçar, fui com ele em algumas dessas caçadas, e aprendi a atirar. 

Ele entrou em seguida, e eu já o esperava com a arma em punho. Ele me olhou e perguntou o que estava acontecendo. Eu rindo, disse:

- Entre e sente-se. – Já apontando a arma.

- Calma Cristina, não faça nada que se arrependa. 

- O que tem nas sacolas?

- Apenas bebidas e alguns petiscos que eu comprei para nós.

- Para nós? Como sabia que eu viria? Abra a sacola e mostre o que tem aí.

Ele despejou as coisas no chão, realmente havia bebida e alguns sacos de biscoitos.

- A outra também. – ordenei gritando.

Ele também a esvaziou. Nessa havia uma embalagem de papel pardo.

Perdi a razão, engatilhei a arma e disparei contra o forro, abrindo um grande buraco no telhado. Ele jogou-se ao chão e colocando as mãos na cabeça para se proteger dos pedaços de telhas que caiam e gritou:

- São apenas remédios.

- Abra o pacote. – Ordenei.

Eram calmantes. Provavelmente estava pensando em me dopar. 

- Abra a caixa e pegue alguns. – Gritei.

Ele fez imediatamente o que eu disse.

- Agora engula os que estão em sua mão. – e completei. – Faça antes que eu te faça dormir de outra maneira.

Ele mostrou o lado mais medroso que tinha, uma parte daquele homem que me intimidava de forma absurda. Aquele monstro que deixou marcas em meu corpo várias vezes durante nossa relação, agora estava acuado, como se fosse uma criança com medo do escuro.

Abriu uma lata de cerveja e com ela, engoliu algumas daquelas pílulas.

Eu fiquei observando em silêncio, ele também não dizia uma palavra sequer. Dormiu.

O amarrei com algumas cordas e o levei para cima da cama. Queria ter certeza de que não me pegaria. Peguei as chaves do carro e parti para minha casa. Assim que cheguei, liguei para a polícia, contando o que havia acontecido.

- Ok senhora. Então não sabia que ele era alérgico a aranhas?

- Claro que não Sr. Delegado. Apenas queria fugir.

- Mas a senhora assume que o deixou lá, sem poder se movimentar?

- Sim! Eu estava apavorada. 

Na verdade, eu imaginei essa conversa, pois sabia que minha mãe já havia contado a verdade para a polícia. 

Sim! Eu me apaixonei por um homem casado.

Sim! Eu destruí seu casamento.

Sim! Ele estava tomando calmantes e fazendo terapia por minha culpa.

Mas eu sabia que ele me amava. Então o segui, o disfarce era simples: boné e óculos escuros.

Sim! Fui eu que pedi a carona, minha mãe não queria isso, dizia que minha presença fazia mal a Cândido.

Sim! Fui eu quem convidou para o passeio.

Sim! A arma era minha.

Mas eu não queria que ele morresse, eu gostava de cuidar dele. Sempre quis o seu bem. Ligações e um pouco de atenção não faz mal a ninguém. Ele que não entendeu. Preciso de alguém, preciso externar todo esse amor que tenho dentro de mim.

- Está certo delegado, pode fazer a pergunta!

- A senhora é responsável pela morte de Cândido Severo?

- Sim!

Bem... Eu confessei, disseram que ajudaria a diminuir minha pena. Quero sair logo daqui, o Leandro está me esperando no táxi. Nesse momento deve estar tomando café com mamãe, depois irá arrumar as coisas para irmos até a velha casa de verão.

Ah! Espero que ele não seja alérgico a aranhas.