O FIM DO MUNDO EM 2021.

Piedras Negras ficou para trás. Adrian acelerou o velho Mustang vermelho que fora de seu avô, Ronaldo. O rádio tocando Californication, do Red Hot Chilli Pepers. -"Notas do futebol. O polonês Lewandowski supera Messi e Cristiano Ronaldo. É eleito o melhor jogador do mundo!" O posto de gasolina. Alguns jovens falando alto, tomando cerveja. Os caminhões parados. Parada obrigatória para um descanso. Uma cerveja, tacos e uma guacamole que em nada lembrou a comida deliciosa de sua avó, Marguerita. Tinha pressa para chegar em Matamoros, no golfo do México. Um sol pra cada um. Preocupado com a saúde de sua tia, Consuelo. -"Minha tia não pode morrer. Não pode!" A imagem da Virgem de Guadalupe no painel do carro. O jovem morava em Tijuana, na fronteira com os Estados Unidos. Os carros passavam piscando os faróis. -"Por Deus. Será?" Aqueles sinais alertavam que tinha uma blitz policial a frente. Adrian jogou o cigarro pela janela. Aumentou o volume do rádio, agora tocando Despacito. Virou o volante com raiva e saiu da estrada, levantando poeira. Tinha drogas de Nogales no carro. Uma encomenda para um amigo que renderia uma boa grana pra ajudar no tratamento da tia. Ele não poderia ser preso. A tia dependia dele. Além do mais, os documentos do possante não estavam em dia. Os antecedentes criminais e os pneus carecas também contavam muito. Certamente seria preso. Teria que dar uma volta enorme para fugir do cerco policial. -"Devem ter fechado as saídas e desvios da estrada." Pensou. Ele parou o carro. O binóculo. Viu as luzes dos carros da polícia, ao longe. -"Melhor esperar anoitecer, Adrian." Disse a si mesmo. A última lata de cerveja. Um cigarro. A noite caiu. Uma luz forte no céu estrelado. -"Conjunção de Saturno e Júpiter! Aquela deve ser a tal estrela de Belém!" Comeu uma maçã. O frio. Um cobertor. Teria de dormir no carro. O rádio ligado. Vinte e uma horas no relógio do celular. Adrian adormeceu. Horas depois, ouviu batidas no vidro da janela do carro. -"Ferrou. É a polícia!" Passou a mão na cintura. Deixara o revólver com seu primo, em Mexicali. Pegou uma faca no porta luvas e acendeu os faróis. Ele saiu do veículo. -"Quem está aí?! Apareça!" Gritou. Os faróis do carro apagaram. Seu celular desligou sozinho. A faca voou de sua mão. Adrian sentiu um arrepio. O lugar ficou iluminado. Uma grande nave estava sobre seu carro. Ele ergueu a cabeça. Os olhos arregalados. Uma portinhola se abriu. O corpo do rapaz foi levantado. -"Ferrou. Vou ser abduzido!" Ele tentou se agarrar num arbusto, sem sucesso. Uma força o puxava para a nave. Adrian perdeu os sentidos. Horas depois, os primeiros raios de sol bateram em seu rosto. Apoiado ao volante, o cobertor no banco traseiro. Ele gemeu de dor. A camisa do América do México com sangue. -" Um corte de raspão. Será que eu me cortei?" Ele saiu do carro. Andou por um bom trecho. -"Eles estavam aqui. Os alienígenas verdes. Eu os vi." Encontrou a faca. O celular caído no chão.O arbusto arrancado. Ligou o celular. A última mensagem do grupo da família tinha sido as vinte e uma horas. Ligou o carro. Os faróis em ordem. O binóculo. Estrada livre pra seguir. O carro voltou a rodovia. Adrian tinha pressa. Um caminhão com caixotes de galinhas a frente. Conseguiu ler a placa do caminhão, mesmo a trezentos metros. Um gole de água. -"Cloro. Um pouco imantada mas é boa." Ele estava estranho. Levantou a camisa e não viu o corte. Tinha desaparecido da pele. -"Adrian. Aqueles caras fizeram algo contigo." Ele entregou a encomenda. Tinha o dinheiro suficiente para o tratamento da tia. Entregou o valor ao seu primo, Gonzalez. -"Gracias, Adrian. Agradecemos de coração." Soube que sua tia estava entubada com Covid-19. Ele não poderia vê-la. Decidiu ficar um dia em Matamoros. Os três filhos do primo na sala da casa. Aulas virtuais. As questões de trigonometria. Ele riu. Sempre fora péssimo em matemática. -"Pai. Me ajude nesse exercício?" Gonzalez saiu pela tangente. -"Até gostaria, Lourdes. Sou um zero a esquerda em matemática." Adrian se aproximou da menina. Ele ensinou a menina a resolver as questões. Foi rápido e esclarecedor. Ele se surpreendeu. A noite caiu. Ele comeu bem, durante o jantar. Há tempos não comia tão bem, sentindo o gosto do alimento. Tentou dormir. -"A polícia fará um cerco na saída da cidade. Faremos uma grande operação em Matamoros!" Era como se ouvisse um rádio amador da polícia. Ele saiu no quintal. Um avião passou. -"Aeroporto de Monterrey. Avião PF 1355 se aproximando." Ele ouviu a conversa dos pilotos. Adrian entrou e arrumou suas coisas. O primo despertou. -"Adeus, Adrian. Não é o Adrian que conheci. Você sempre tirou notas vermelhas em matemática, velho." Adrian apenas sorriu. Eles se abraçaram. -"Obrigado, Adrian." O Mustang vermelho saiu da cidade. Adrian parou na rodovia. O lugar onde havia passado a noite. Ele viu uma forte luz. Duas naves espaciais acima de um pequeno morro. Entrou no carro e saiu da estrada. -"Agora vou pegar vocês!" O carro parou. -"Venham!" Ele acendeu os faróis. A faca na mão. A câmera do celular ligada. -" Venham!" Os faróis se apagaram. O celular desligou. Uma forte luz. Alguém vinha em sua direção. Adrian forçou a vista. Era alguém alto, três metros de altura. Braços compridos e cabeça ovalada. Olhos grandes e negros. Adrian não teve medo. -"Olá, Adrian. Agora você é um dos nossos." Adrian sorriu. -"O que fizeram comigo? Quem são vocês?"A voz daquele ser estava dentro de sua cabeça. -" Muitas perguntas! Implantamos um chip em você. Em breve todos os soldados do mundo também terão um. Não deram ouvidos a Zaratustra. Ele era um dos nossos, no século XVI. Previu a ascenção de Hitler, a segunda guerra e a bomba de Hiroshima. A morte de John Kennedy e o onze de setembro. Para 2021 há o apocalipse zumbi, que nada mais é que os humanos grudados nas telas desses celulares, escravos da tecnologia. Haverá uma forte tempestade solar no planeta azul. Uma onda de calor extremo. A fome matará milhões de humanos, ávidos por alimentos. A terceira onda do Coronavírus será mais forte e cruel que as primeiras, principalmente nos países mais pobres. Para dizimar de vez a humanidade, cairá um asteróide aqui no golfo do México. Até nossa base de naves, na fossa das Marianas, será destruída. Será nosso fim também, Adrian! Em breve, a Terra vai se desprender do sistema solar, sendo sugada por um buraco negro que surgirá em Órion. Notou como a estrela Betelgeuse está estranha? Adeus, humanos." O rapaz estava boquiaberto e imóvel. Ele deu um salto da cama. O pé derrubou o abajur. Batidas na porta. Ele pegou a faca. A camisa molhada de suor. O olhar perdido. -" Senhor. Os vizinhos estão reclamando do barulho no seu quarto." Adrian ergueu as mãos. -"Perdão. Tenho o sono agitado. É isso." Ele acendeu um cigarro. -"Sua camisa está com sangue, senhor. Não quero problemas na pousada." Adrian estava assustado. -"A Gillette. Estava me barbeando, hombre. Minha filha nascerá hoje." Mentiu. Olhou em volta. O celular marcava cinco horas. Logo o sol nasceria. A cicatriz na barriga. A dor. Era real. Resolveu pegar a estrada. Estava desorientado. As placas de sinalização. Nogales Sonora a dois quilômetros. Estava perto de casa. -"Eu estive em Matamoros, me lembro! Dei o dinheiro ao primo. Me recordo apenas disso." Disse ao seu pai. -" Naves? Aliens? Fim da humanidade? Capacidade de escutar tudo, a conversa de pilotos de avião lá no alto? Você está louco, Adrian! Lendo muita revista em quadrinhos." Adrian pegou os livros de álgebra e trigonometria. -" Não entendo patavinas! É como tentar ler hieróglifos!" Correu para o quintal. Um avião passava. Não escutou nada, nenhuma palavra dos pilotos. Um carro a dez metros. Não conseguiu ler a placa. -"Os alienígenas retiraram o chip Devolvam meu chip" Ele contou sua experiência aos amigos. Riram muito dele. Contou sua experiência a um amigo jornalista. O rapaz até ouviu a história, prometeu publicar mas rasgou a matéria assim que Adrian virou as costas. Adrian passou a morar na rua, segurando um cartaz que anunciava o fim do mundo. -" O fim está próximo. O fim do mundo será em 2021." Internado num sanatório, o jovem foi dopado e preso numa cela. O seu pai foi vê-lo. Adrian tinha algemas nos pulsos e correntes nos tornozelos. Era agressivo com guardas e outros internos. Ele riu ao conhecer o pai. -"Como está minha tia Consuelo?" O velho senhor pasmo. -"Meu filho. Consuelo, filha de Gonzalez, tem apenas cinco anos de idade." O pai notou as marcas roxas no braço do filho. Adrian abaixou a cabeça. -"Não estou maluco. Eu vi os celulares, foi real. A rádio anunciou que um polonês foi eleito o melhor do mundo no futebol. Eu escutei. Uma pandemia, igual a gripe espanhola, vai matar milhões de pessoas! Um asteróide vai cair no México." Adrian chorava. -" Eu acredito em você, Adrian. Apesar de não saber o que é celular e estarmos em 1947!" Os guardas o levaram. Um mês depois, com a ajuda de sete internos, Adrian ateou fogo no ambulatório e fugiu do sanatório. A fuga pelo pântano. A polícia e os cães em seu encalço. Adrian conseguiu escapar. Cruzou a fronteira e foi para o Novo México, em território norte americano. A cidade de Roswell. Adrian tinha um emprego de garçom numa lanchonete. Morava numa choupana abandonada, na floresta de pinheiros. Ele fumava um cigarro quando viu um rastro de luz cruzando os céus. -"São eles. Eles estão entre nós." O jovem entrou em casa mas logo saiu com um boné e uma lanterna. Entrou na floresta. Andou por horas. A pedreira. Adrian viu uma nave alienígena destruída. Três seres extraterrestres mortos. Um quarto estava vivo. Adrian se ajoelhou. -"Amigo. Amigo. Calma, vou te esconder." O alienígena caído, imóvel. Adrian viu os jeeps e caminhões do exército se aproximando. -"Vou ficar bem. Eles me levarão para estudo. Me farão passar toda a tecnologia aos americanos. Celulares, tecnologia cinco G, computadores, WI-FI, drones.... A gente se vê!" Os soldados atiraram contra Adrian. Ele conseguiu fugir do local, entrando na floresta. Ele acompanhou o caso Roswell pela tevê. Com medo, Adrian morou muitos anos na Austrália. Voltou ao México em 1998, se fixando em Piedras Negras. Seu avô tinha morrido. O velho Ronaldo deixara-lhe, de herança, apenas um Mustang vermelho. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 29/12/2020
Reeditado em 31/12/2020
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