O borracheiro

Adoro andar de carro. Tenho uma Picape Cabine Dupla que é minha verdadeira paixão. Amo aquele carro mais do que minha esposa e meus filhos. Todos os dias eu saio do Tribunal de Justiça estressado e cansado de ministrar os mais diversos casos. A vida de juiz é bacana. O poder de julgar o destino dos indivíduos confere à mim uma autoridade quase divina.

Mas andar de carro é mais interessante. Quando fecho as portas da minha Picape blindada, esqueço-me da vida lá fora. As paisagens vão passando. Prédios, pontes, favelas, praias, condomínios, prédios novamente. Estou em casa para escutar a velha ladainha da minha esposa. Mulher chata. Não para de falar. Outro dia. Passeio de carro. Processos. Passeio de carro. Um dia o pneu furou no meio da estrada às margens de uma favela imunda. Nunca isso aconteceu antes.

– Caralho, mas que merda. Nem sei direito onde estou.

Desci da minha Picape e olhei com fúria para o pneu traseiro furado. Um sol de fritar. Logo meu paletó estava empapado. Fazia a mínima ideia do que poderia fazer numa situação dessas. Olhei para os lados, procurando ajuda, mas só havia moradores de rua, ambulantes e viciados em droga. Gentalha da sociedade. Tirei do porta-malas os instrumentos de troca de pneus e olhei confuso para aquelas coisas.

Por sorte uma “boa alma” se aproximou. Um sujeito barbado fedendo a cachaça todo maltrapilho.

– Pois não senhor – disse ele olhando para o pneu furado. – Precisa de ajuda com isso não é mesmo?

Dei um passo para trás e disse;

– Eu gostaria de saber se o senhor conhece algum profissional de rodas que poderia fazer este trabalho. Preciso da minha Picape em perfeitas condições.

Ele estendeu a mão e pensei que ia me esfaquear ou sei lá, mas ele queria a chave de roda em minha mão. Entreguei para ele e peguei o smartphone para mandar uma mensagem para minha esposa dizendo que me atrasaria.

– Para sorte do senhor eu sou este profissional de que tanto precisa. Tenho mais de vinte anos como borracheiro, mas no momento estou desempregado. Devido uma causa perdida num Tribunal de Justiça, perdi tudo o que tinha. Casa, mulher, minha borracharia. Agora sou um zé ninguém.

– Uma pena – falei prestando mais atenção no meu smartphone do que nele.

Em poucos minutos ele havia trocado a roda.

– Gente como o senhor não presta muita atenção em gente como eu. Mas nós nunca esquecemos o rosto de gente como você. Filho da puta. Foi o senhor que acabou com a minha vida. Meritíssimo Senho Juiz, Luiz Afonso Pimenta.

Virei de repente. O sujeito estava com um artefato rústico nas mãos, semelhante a uma faca. Enferrujada. Desviei do seu golpe com facilidade. Apesar do meu corpo avantajado, possuo uma agilidade felina. Não sei explicar como.

– Acho que está cometendo um engano, maldito.

Puxei minha .9mm e dei um tiro no peito do indivíduo, o sangue espirrou na minha cara. Filho da puta. Com nojo, descarreguei o pente na cara do maldito. Quando juntaram outros sujeitos maltrapilhos ao meu redor, entrei dentro do carro e acelerei o mais rápido que pude. Como aquele merda sabia meu nome. Nunca vi aquela cara nojenta antes.

Acho que preciso mudar minha rota da próxima vez.

Conegunndes
Enviado por Conegunndes em 20/03/2021
Reeditado em 20/03/2021
Código do texto: T7211700
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