Feroz olhar

Caminheiro vaga o rincão pantaneiro levando consigo sua casa sobre a pele. O teto cobrindo a cabeça, proteção contra o forte Sol.

Não tinha preestabelecido qualquer coisa que fosse naquele lugar, só ouvira a voz dizer-lhe a rumar o tal local num sonho, mas ainda não sabia qual o propósito.

Por isso, aproveitou o momento ocioso para simplesmente andar por ali, conhecer a região, dita como a mais rica do mundo. Constatou isso com pouco tempo de andança, viveria ali eternamente - se pudesse.

Não esqueceu o aviso. Algo aconteceria, só não sabia quando.

Até então não vira homem ou mulher, apenas animais. Dentre tantos, o que mais gostou foi um caracol que subia uma árvore. Talvez tenha se identificado. Chegou a tarde, chegou o fim dela também. Encarou o horizonte explodindo em cores para o apagão. Preocupado...

"Não dormirás até que aconteça o que há de acontecer".

Inferiu previamente que a tal coisa viria a ocorrer à noite, lembrava-se dessa frase no sonho, entretanto... preferiu passar a manhã passeando por ali. Gemeu de tédio ao passar pela cabeça que ficaria acordado a noite toda esperando alguma coisa, talvez até com sono durante o ato.

Mas Jaci se fez presente, enfim. Era hora de vigília. Alerta. Cautela.

Não era a primeira vez que a voz resolvia brincar de enigmas e mistérios. Às vezes era uma coisa boa, outras não. Então, todo cuidado é pouco, independente.

Então, aprumou-se e fez o que mais sabia fazer na vida: andar.

Passos mais silenciosos do que os do assassino mais frio e experiente. Sons de respiração eram inaudíveis, mais fácil ouvir os batimentos de seu coração. Um arrepio, era a hora. Estava acontecendo.

Um som de folhas chamou-lhe atenção, vinham da esquerda. Virou-se na hora, preparado. Nada. Nada que pudesse ser visto, mas ainda podia se ouvir. A coisa se movia com tanta cautela quanto ele.

A coisa sabia dele, mas ele não sabia dela. Só o caminheiro estava exposto, faltava revelar-se. Se fosse um Ialiti pregando uma peça novamente...

Um esturro.

Corria perigo, então.

Não era a primeira vez, mas dessa vez... sentiu uma emoção especial. Teve vontade apenas de trancar-se em sua casa, mas o manto branco não o protegeria naquela ocasião. O jeito era enfrentar. Tal qual qualquer enfrentamento, finalmente surgiu o olhar do adversário.

Um feroz olhar.

Vermelho como sangue e iluminado como aquele céu.

Engoliu em seco, fraquejou, mas não deixou de ficar atento. Pôs a mão direita para dentro da manga, latente à visão do oponente, empunhou uma lâmina que ganhara de presente antes de seguir seu rumo. Tinha como se defender, só não sabia se podia.

Os olhos hipnóticos cresciam cada vez mais. O medo também. Quem atacaria primeiro?

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 23/03/2021
Código do texto: T7214359
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