O Gato


        Luziane é uma jovem introvertida, solitária que há muito se distanciou da vida social.

          Sua vida se resume da casa para o trabalho, do trabalho para a casa.

        Ela começou a ficar assim esquisita, desde que pesadelos começaram a preencher as suas noites que já não eram bem dormidas.

        De uns meses para cá, todas as noites eram iguais. Ela mal se deitava e já começava a se ver presa na cama num desespero indescritível. E no fundo o chamado baixo dele que já se aproximava. Os barulhos poderiam ser descritos como um tipo de grunhido mas falado, com rosnar e um miado horroroso.

        Luziane se debate, sente muito medo. Os braços e pernas não obedecem aos comandos do cérebro.

        Ela vê um corredor que não existe no seu pequeno apartamento, que afunila e se estende até um fim escuro de onde ele vem se aproximando com passos demorados e fita ela nos olhos.

        Seus olhos são vermelhos, brilham feito vidro refletindo a luz, o corpo é forte e preto. Ele é um gato, com o porte de um animal adulto normal. Mas é maléfico, muito maléfico!

        Se aproxima em passos contados, devagar. Vem falando algo que ela não consegue entender, e junto com as palavras ele grunhi e mia abrindo a boca fazendo os ossos estalarem.

        O gato vira a cabeça devagar até completar os 360 graus. É um giro estalado, travado e apavorante.

        Luziane fica sem fala e sem respiração até que ele chega muito próximo para tocá-la.
Sempre neste momento ela acorda em prantos e aos berros.

        Ela já não sabe mais o que fazer para evitar os pesadelos, pois já nem é preciso mais adormecer para que ele apareça. Basta recostar no sofá e fechar os olhos para ir parar no corredor e ser apavorada pelo gato.

        Lendo e pesquisando ela descobriu que alguns exercícios antes de dormir poderiam ajudá-la a controlar os sonhos.

        Funcionou, e ela já conseguia se mexer e demorou um pouco, mas ela conseguiu se aproximar dele e tentar dar um fim naquele tormento. Ela tinha em mente exterminar o gato e acabar com as noites de terror.

        Certa noite ela conseguiu pegá-lo e com as mãos ela separou a cabeça do corpo enquanto ele falava. Ela segurou com ódio o corpo quente e peludo do aninal, agarrou o seu pescoço e sentiu ele girar estalado na sua mão. Puxou com força e ouviu os ossos se separarem, jorrou sangue nas suas mãos e respingou no seu rosto.

        O pânico a dominou quando ela percebeu que ele continuava falando fazendo estalar a mandíbula. Jogou as partes no chão e começou a gritar, a se bater na parede.

        Acordou atordoada num quarto estranho. Era dia e chovia muito lá fora, dava para ver através da grande vidraça.

        Uma mulher de branco entrou e contou-lhe do acontecido. Era a psicóloga da clínica onde sua família a tinha internado. Ela esclareceu não se tratar de um manicômio, e sim de uma casa de repouso e acompanhamento médico, pois a 3 dias atrás ela havia tentado suicídio cortando os pulsos várias vezes.

        Luziane se assustou e viu os pulsos e os braços com cortes enormes, mas não se lembrava de ter feito aquilo. Pensou: "Enlouqueci?!?!?!"

        A psicóloga saiu, entrou a enfermeira, que fez tudo em silêncio, arrumou a cama e colocou a bandeja de comida na mesa. Nem se quer olhou para Luziane, e deu-lhe as costas não dando atenção as suas perguntas.

        Luziane gritou exigindo atenção e respostas, veio outro susto, outra cena aterrorizante!

        A mulher de costas começou a falar como o gato, a estalar a boca, grunhir e miar. Começou a virar a cabeça até encarar Luziane com os olhos vermelhos de vidro.

        Ela gritou, gritou muito e se jogou através da vidraça.

        Despertou suada na sua cama que estava toda revirada, chorou, se beliscou para ter certeza de que era apenas um pesadelo.

        Demorou para que o coração desacelerasse e as pernas respondessem ao seus comando. Foi até a cozinha beber água.

        Bebeu devagar, gole a gole porque a garganta parecia estar fechada.

        De repente a mão amoleceu e derrubou o copo quando viu através do vidro da janela da cozinha, um gato preto parado, balançando o rabo e parecia sorrir pra ela.


  Conto Selecionado para o Livro:              
  Antologia de Contos  Fantásticos
17º volume

Lançamento: 20 de outubro de 2008
Anne Valentine
Enviado por Anne Valentine em 05/11/2007
Reeditado em 06/05/2009
Código do texto: T724209
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