SATÃ BRASIL Capítulo III

---Onde o Tinhoso pratica filantropia---

“Suas propriedades os mantinham acorrentados … correntes que algemavam sua coragem e sufocavam sua fé e dificultavam seu julgamento e estrangulavam sua alma.”

São Cipriano

Hoje o dia amanheceu lindo, apesar dos sinais de poluição no céu e o ar carregado de poeira. Muitos humanos respirarão essa aragem e estarão mais perto da morte do que estavam quando acordaram. Mas hoje vou fazer uma concessão a eles. Não estou a fim de guerrear.

Quero apenas ver os rostos de medo e dor passeando na rua atrás da solução dos seus problemas. Quero estar onde possa vê-los, principalmente, sofrendo e chorando a sua pequenez e finitude. Enfim, quero apenas gozar enquanto eles sofrem.

Para isso, me vesti como um respeitável cavalheiro: um terno de seda, camisa da Prada e gravata Suashish, calças social, e nos pés o insuperável Detestoni. Pareço grotesco a quem nada entende de moda. Os que entendem de moda não se preocupam com aparências. Escondido em um beco escuro medito e materializo meus anseios imediatos.

Da névoa da fumaça poluente e dos desejos de muita gente - que transita pelas ruas nos coletivos ou nos carros populares - recolho uma quantidade enorme de péssimas energias e desejos insatisfeitos. Sento num banco da praça e com a força do pensamento materializo um BMW novíssimo que brilha sob o sol tropical.

Saio indolentemente com o carro. Vou a negócios como um homem abastado, afinal da minha convivência com os humanos nasce a imitação. O que me fascina neles é a capacidade que têm de imitar, nisso somos iguais.

Parei em frente a um Banco, pus um lenço no bolso e saí. Adentrei pela porta giratória que me levou a um enorme saguão. Já me dirigia à fila quando fui abordado por uma intrépida mocinha afirmando que eu não precisava entrar na fila. Ela deve ter visto nas minhas roupas que eu não era um cliente comum.

Aqui, cercado do burburinho e da indiferença, pude ver que o dinheiro está sempre na moda. Daquele saguão fui conduzido a uma sala, mais reservada. Dentro dela e atrás da mesa um senhor obeso que me estendeu uma mão suada e peluda. Chamou ao telefone e surgiu outra mocinha com chá, biscoito e água. Nós agradecemos e iniciamos a falar de dinheiro.

O dinheiro é o sexto sentido da Humanidade dissera o gordo, batendo enfaticamente o dedo indicador sobre a mesa. Eu concordava com ele. Mas o gordo após falar sobre o dinheiro começou a descambar para o lado da filantropia e tomou a mim como exemplo de alguém que tem dinheiro o suficiente para poder reinvestir na sociedade, para o bem de todos e outros assistencialismos.

O meu disfarce estava perfeito. Fiz, através de sugestão mental, aquele idiota acreditar que eu estava realmente interessado em ajudar quem passa fome, ou sente frio.

Sou muito mais cruel quando minto. Não quero salvar ninguém. Quero tirar da humanidade até o último centavo, para que eles trabalhem sempre no vermelho e para que possam ir aos bancos e serem humilhados parceladamente.

Saí de lá pensando que se todos pudessem ter a medida exata do dinheiro que realmente merecem, ia sobrar mais dinheiro para os banqueiros.

No banco doei uma quantia que não era minha. Entrei em uma conta aleatória apenas usando o poder da mente diabólica. Isso é a coisa mais simples de ser feita. É só juntar todos os pensamentos de ganância, medo e angústia que pairam sobre a cabeça das pessoas, depois canalizá-los para um objetivo material.

Em alguma instituição filantrópica, dessas que pululam na sociedade, pessoas auferirão de comida decente e remédios necessários, enquanto em outro lugar há alguém com um desfalque na conta.

No fim o banco reembolsa o lesado. Mas o ódio plantado no coração dessa pessoa só cresce em vez de diminuir, bem diferente da ninharia que ela vem depositando na poupança. E mais: as instituições filantrópicas se acostumarão a esperar uma doação – de minha parte - que não se repetirá tão cedo.

Continua...

make
Enviado por make em 30/05/2021
Reeditado em 30/05/2021
Código do texto: T7267480
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