Ceia dos pecadores

Três horas da tarde, o sol insistia em queimar cada milímetro do meu braço desnudo e, para variar, esquecera novamente do protetor solar. A cada ano morrem cerca de quarenta mil pessoas de câncer de pele. “Droga”, com certeza já estava na lista. Coloquei o braço pra dentro do carro, e tentei em vão acionar o ar condicionado.

- Maldito careca, nem um carro decente conseguira nesta vida. Resmunguei fitando-o pelo retrovisor.

Seus olhos semiabertos me enervavam, mais do que azia corroendo meu estômago. Com certeza era efeito da morfina. “ Devia lhe ter dado uma dose menor” pensava. Ainda bem que restavam apenas alguns poucos quilômetros para chegarmos ao celeiro pois, já não aguentava o cheiro de carne podre. O infeliz, devia sofrer, com certeza, mas isto era bom, a dor nos alivia do pecado.

“Estávamos terminando.” Pensei, soltando um leve sorriso de contentamento. Pois em breve, sua alma estaria liberta das maledicências da carne.

Ah, o cheiro do campo, não há nada mais enebriante e revigorador, sentia como se cada célula do meu corpo se energizasse completamente. Caminhamos por mais um quilometro de estrada de chão até chegar ao celeiro. Um velho sítio que herdei anos atrás de um tio sem filhos e que me abonara em seu leito de morte de forma meio que coagida. Mas, deixemos isto para outra ocasião, pois hoje sua alma vaga liberta pelo paraíso.

A única reforma que fiz no sítio foi mesmo no celeiro, o transformei segundo as obrigações a que me foram designadas. Entrei com o carro em seu interior e logo após fechei as portas. Segui então de volta até carro para pegar o pecador. A pobre alma estava bastante debilitada, segurei pelas costas e o coloquei numa cadeira de rodas, vi que a sutura rompera-se pois uma poça de sangue manchara suas calças e também todo o banco. Aos poucos, começara a retomar a consciência e tive que amarrá-lo à cadeira.

- Por favor, não aguento mais. Clamava com uma voz ainda trêmula.

- Estamos terminando, você estará livre em pouquíssimo tempo. Acredite em mim, seu sofrimento está no fim . Eu o libertarei. Disse-lhe num tom reconfortante e dando-lhe um abraço.

Amordacei sua boca para evitar possíveis desafogos verbais e seguimos até o grande salão. Acendi as luzes, os aparelhos estavam todos dispostos sobre a mesa principal, prontos para o último ato. A Redenção.

Um pouco de clorofórmio foi o suficiente para reativar sua atenção. Amarrei seu corpo contra a cadeira, houve certa reluta, mas já começara a entender o quão inútil era qualquer forma de resistência. Empurrei sua cadeira até próximo a mesa, posicionei-a sobre um punhado de jornais dispostos no chão, o sangue é horrível de se limpar, e odeio a sujeira que faz. Em seguida, amarrei seu punho rente a cadeira e olhei bem dentro de seus olhos.

- Fred Tramillani, por ser um pecador, expurgo de ti mais um pedaço de sua carne profana.

Vendei-lhe os olhos e peguei o pequeno machado, de tão afiado cortaria um fio de cabelo ao meio. O golpe fora seco, numa simetria que me deixara extremamente orgulhoso. Ele só sentira o que acontecera ao ver sua mão batendo ante seu sapato. O grito não era tão intenso quanto fora ao ter sua genitália extraída mas, de certa forma ainda provocava pequenos calafrios espinha afora. Pra variar, sangue para todo o lado, antes de cauterizar-lhe tive que ministrar-lhe outra dose de morfina, estava bem debilitado mas, deveria sobreviver, faltava ainda a grande ceia.

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Reggis
Enviado por Reggis em 14/07/2021
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