Evangelho segundo São Lucas, 10, 18 - CLTS 16

Tema: Formas de vida aterrorizantes

Subtema: Famílias sinistras

Pseudotema: Invocações malignas

~A mudança~

Um sorriso surgiu no rosto de Leonardo quando, já de longe, avistou a tão famosa galinha-choca monolítica que enfeitava a terra quixadaense.

- Ei, acordem! – cutucou os filhos dorminhocos e sacudiu a esposa – Chegamos! Enfim, chegamos!

O sorriso tornou-se contagioso. Uma nova vida começava.

O carro estacionou, saíram de lá os membros da família, deslumbrados com a visão: o casarão já pronto. Era uma casa de porte, mas, ainda assim, simples. Uma família de posses, vinda lá do Mato Grosso, buscando um recomeço nessa terra. Há muito que Leonardo buscava um lugar bom, Quixadá lhe encantou, mandou logo que construíssem a casa e, assim que as obras terminassem, se mudariam; dito e feito. Dispensaram opulências, preferiram lá apenas o necessário para viverem confortavelmente – não queriam repetir os erros do passado. No campinho-frontal havia alguns limoeiros e margaridas. Elvira, a esposa, logo cresceu os olhos nelas:

- São lindas... – cochichou, com sua voz grave -, mas poucas, quero um montão delas, será o jardim. – o marido sorriu.

Atrás havia um extenso torrão para plantio. Leonardo Barroso ajoelhou-se e disse ao mais novo: - Ouvi dizer que tem um espação lá nos fundos, não quer ir brincar lá?

O filho nem respondeu; já foi correndo, saltitando. Estavam numa imensurável alegria e ansiedade para verem logo a casa por dentro, quando, subindo as escadas, alguém os chamou: - Com licença...

O dono daquela voz rouquinha era um senhor, de uns sessenta anos, com um chapéu de palha: - Vocês são os novos moradores, não é? Meu nome é Manoel. Me perdoem pelo incômodo... é que sou caseiro há anos e estou desempregado. Meu antigo patrão morreu e mais ninguém está em busca de um caseiro. Por favor – nessa hora ele se ajoelhou – me deixem trabalhar para vocês.

Elvira fechou a cara que chegou a dar medo, mas Leonardo, alegremente, causando um enorme sorriso pr’aquele homem, disse: - Amanhã mesmo você vem.

~

O tempo passou e a família passou a ser bem quista na cidade: as obras de caridade que financiavam tomavam o povo de júbilo aos novos bons moradores. O plantio crescia e as coisas pareciam ir bem. Apesar de bem falados, alguns poucos moradores ainda possuíam uns senões contra eles, comentários do tipo:

- Aquela mulher dele é tão antipática...

- A filha mais velha, então? Indo pelo mesmo caminho, sempre com aquela cara emburrada.

- E o pequeno? Um buliçoso!

- Tenh’é abuso do Leonardo, sempre sorridente, com aquela vozinha calma aqui e acolá.

Esses nunca faltavam às doações que a família promovia...

~O incêndio~

Passaram-se meses, o homem de bigode bem escovado vislumbrou da janela, antes de deitar-se, a altura da vegetação. Presumiu que, talvez, a boa safra estaria pronta em um mês. Estava feliz. Nele havia um brilho no olhar que contagiava toda a família. As coisas iam bem.

Iam bem...

Foi à cama para dormir.

- Boa noite, meu amor. – beijou a testa da esposa, que lhe abraçou.

~

A noite seguiria silenciosa, não fosse um barulho estúrdio vindo do céu. Josias, o guarda noturno, viu uma bola descendo na escuridão e traçando uma linha luminescente multi-cor. Ela foi em direção ao casarão e caiu bem no quintal, ocasionando um estrupido insuportável a todos. Leonardo e sua família levantaram de supetão e correram para ver, mas quando viram...

- NÃO! – gritou com toda a sua alma.

Um incêndio já tomava proporções insustentáveis. Bem no plantio... O fogo consumia mais e mais o milho e os girassóis que lá cresciam farturosos. Barroso correu até lá e, desesperado, tomou um balde com água e tentou, inutilmente, apagar o fogo. O caseiro surgiu, mas nada pôde fazer, teve de buscar ajuda; Josias, coincidentemente, seu filho, foi o primeiro a ir. Mas já estava consumado. Ele caiu de joelhos, a esposa, Maria, a mais velha, Áurea e Eugênio o abraçaram, e ficaram a encarar o fogo crescente que já havia destruído tudo. O brilho no olhar agora era outro.

Um brilho que precedia um escurecer eterno.

~

No dia seguinte só viu-se cinzas. Boa parte da população foi ver o prejuízo e os consolar. O padre Cristiano fez questão de lá ir – não faria o mal feito de ignorar tal desastre, ainda mais ao maior dizimista e colaborador da paróquia. Apesar de todo aquele povo, os Barroso agiram como se nada estivesse acontecendo. Tácitos, nada falavam, estavam com uma estranha cara-de-paisagem, evitando todos.

- Mal-educados – falou uma, baixinho – viemos todos oferecer consolo e se enfurnam dentro dessa casa.

- Também não é assim... – outra repreendeu – imagine como não devem estar tristes com tudo...

Uns homens viram, nos fundos, o fragmento daquilo que havia caído: uma rocha estranha, de crosta marrom e interior alaranjado, mas com uns cristaizinhos derretidos ostentando uma iridescência brilhosa – ainda fumascava. Pegaram aquilo e repartiram uns pedaços entre si, acharam deveras bonito. Até perguntaram a Leonardo se queria, ele sequer os olhou nos olhos; tornara-se outro homem: triste, calado, infeliz – isso contagiou sua família...

~Coisas estranhas~

Desde o dia do incidente, coisas estranhas passaram a atormentar a pacata cidade. Cerca de trinta cidadãos já haviam morrido, majoritariamente nas áreas de mata e adjacências. Isso significava que os funcionários de sítios eram os mais afetados; muitos sumiam, sempre à noite, sem deixar rastro algum. No casarão, só sobrara Manoel, e ele mesmo tinha de buscar novos funcionários – a família não ligava mais, apenas autorizou ele a fazer.

As suspeitas foram muitas. A primeira foi de haver onças ou predadores violentos por ali. O resultado foi péssimo: muitos saíram de suas residências e mataram todo e qualquer bicho que julgaram ser perigoso. Não surtiu efeito algum. Então passaram a crer que havia algum maníaco pela cidade... também findou mal: duas pessoas inocentes morreram. Essas duas eram de famílias distintas, mas tinham uma semelhança: eram doentes mentais. Como os psiquiatras estavam predominantemente em Fortaleza, o tratamento não era muito adequado; eles surtavam, às vezes, mas nada que fizesse mal severo a alguém. Levaram a culpa. Morreram brutalmente durante a madrugada, quando tiveram as casas invadidas e foram esquartejados na frente de suas famílias... Ninguém foi preso – a polícia estava envolvida nisso...

Passaram, então, para a suspeita final: o sobrenatural. Animais selvagens? Não. Psicóticos? Também não. O imaginário popular decretou: é obra de lobisomem ou de alguma outra assombração.

Então, numas das aglomerações comunitárias:

- Chamem um caçador!

- Não temos dinheiro, temos de ser nós mesmo!

- Errados! O correto é chamar um exorcista!

Dito e feito. Na reunião ficara acordado que o pároco pediria à Diocese que fosse chamado um exorcista para fazer o que deveria na cidade. Isso não impediu que o povo apelasse a outros meios: pastores, médiuns, mães-de-santo. Quando Cristiano viu as pessoas imersas ao “paganismo”, logo tratou de dar um duro sermão:

- Hereges! Usam Satanás como refúgio! – seguiu vociferando – Se eu souber que mais alguém contata servos do demônio para nossa cidade, estará proibido de comungar! Pior! Estará proibido de PISAR na igreja.

O ultimato surtira efeito. Um povo fiel... concordaram que deixaram-se levar pelas tentações. Mas nem exorcista nem qualquer outro religioso conseguiu frear os sumiços.

~A vidente~

Às escondidas, apesar da proibição, um grupelho de cidadãos chamou, de Pernambuco, a vidente Dina, mulher de 54 anos - cabelos ásperos e grisalhos e rosto enrugado, além de cega de um olho. Conhecida por sua infalibilidade. Pôs um óleo encantando numa cumbuca de água, onde tinha visões. Ela foi assertiva:

- Não! Não é nenhum louco! Nem um inocente da natureza! Também não são espíritos! – seus olhos estavam virados, estava em transe – O mal que aqui fincou é de outro mundo! Eu tenho certeza! DE OUTRO MUNDO! FOGO! FOGO! FOGO! EU OS VI RASGANDO O CÉU!

Ela começou a debater-se, gritando insanamente. A polícia foi chamada ao local pelos vizinhos da casa, onde se realizava esse encontro secreto. Fora levada ao hospital, não mais ouviram falar dela. O comentário era que de lá mesmo a levaram a um manicômio.

~O ritual~

Uma noite, até então, tranquila. Manoel conversava com amigos no bar. Conseguira levar consigo o janota, que estava quieto – como sempre – num banquinho. Insistiu tanto para que o patrão fosse... Achava triste vê-lo, com a família, como um nada em casa. Porém, como um nada, ali também estava. Tentou fazer-lhe companhia, mas ele, muito tácito, “espantou” não só o caseiro, como qualquer outro que tentou socializar. Pouco mais de uma hora no bar, a maioria já sentia a tontura ébria, mas Leonardo ficava a encarar tudo de cara fechada; nenhum gole sequer desceu-lhe à garganta.

~

Em outro lugar, algo acontecia: o grupelho dos supersticiosos, os mesmos que chamaram a vidente, preparavam-se para um ritual. Quase uns dez cidadãos – ainda conseguiram “converter” mais uns cinco, com as revelações da velha. Estavam certos que se tratava de um demônio, pelos ditos de Dina: “outro mundo”; claro, o Inferno.

- Formem o círculo – disse Ambrósio, autodeclarado bruxo, requisitado de Mulungu, cidade vizinha.

Os quinze homens e mulheres, vestidos à caráter – de rubro-negro – como pedira o evocador, em meio à relva seca e sob testemunha dos grandes monumentos de pedra, passaram a chama um por um; seguravam pontas de madeira. E, então, no grito do bruxo a clamar ao Inferno a paz de volta, incendiaram a lenha, que pôs fogo no boi usado como oferenda.

~

Passou, então, tudo a tomar um ar mais pesado. No bar, o tom de estranhamento e antipatia, causada pelas muitas doses de cachaça, passaram a mirar o alvo: o triste homem.

- Um boçal desses, todos o tratando bem e ele aí, nem ligando! – um bebum covarde, a dizer em gaguejos aos amigos - Aquele fogaréu serviu bem para mostrar quem é de verdade.

O caseiro teve trabalho, naquela noite, para segurar os revoltosos vívidos ao apático à vida.

Não fosse Barroso demonstrar incômodo: passava as mãos pelos cabelos, fechava os olhos, emitia ruídos estranhos. Era dor? Encravava as unhas nas coxas, puxava o tecido da calça elegante, chegando até a rasgá-la. Não estava bem. Manoel via com cuidado, pronto para acudi-lo. O viu passar a mão no pescoço, à direita, várias vezes. Apesar da visão mal aguçada, percebeu algo: “Que diab’é aquilo?” Um ponto escuro de alguns centímetros no pescoço daquele homem. Coçava alucinadamente ali, chegou a ficar vermelha a pele. Espanto maior foi quando viu o chefe com um semblante desesperado, frenético, com os olhos esbugalhados e, jurou ser efeito de uns goles anteriores, a face envelhecida, lívida, bem mais que enrugada, com um líquido escuro e grosso escorrendo das narinas.

Leonardo saiu correndo de lá, rumando qualquer-lugar-que-fosse. Seu funcionário – e “companhia” – o seguiu, maljeitoso, mas foi, tentando alcançá-lo.

~Aquela noite...~

Serviu de caminho a ‘traguetória’ do Sitiá ao pequeno Eugênio que, ao amiúde ‘nenhaí’ da mãe, aventurou-se nas matas; não com a vivaz curiosidade que antes lhe era praxe, mas vagava por aí, sentindo novas coisas além do langor. Parou, por um instante, de andar, e ouviu certos sons familiares: pareciam folhas e galhos secos sendo pisados; mas seguidos de um misto lamurioso e orgástico. Foi em direção...

~

Na cabeça do bigodudo, mais nada tinha controle. Correu rapidamente enquanto olhava as coisas e tentava discernir o que acontecia; não agia por querer. A visão cada vez mais escurecia, as dores cada vez mais cresciam. Uma fervura dentro de si. Ninguém na rua, apenas aquele que o “perseguia”: a presa corria atrás do predador; essa heterodoxia mais-que anômala pairou também sobre o segundo, que lutava contra seus instintos. A persecução perdurou até uma área do sítio dos Teixeira, quando o inevitável aconteceu...

~

Vagarosamente... ele chegou aonde queria. Não deveria lá estar, sequer deveria ter saído de casa. Nessas horas... coisas estranhas acontecem... Assustado. Sua presença ainda não tinha sido percebida pelos embriagados pelo aroma sabático. Aquela fogueira enorme o chamou; e ele foi. Os olhos bem abertos, até lágrimas saíram. Lembrou aquela outra noite...

~

Aquela noite foi a pior: 16 vítimas. Um escândalo na cidade. 15 encontradas dilaceradas nas proximidades dum rio. E, com maior consternação, o querido Manoel, que teve seu corpo achado pelo patriarca dos Teixeira; este ainda se recuperava da visão: o corpo do velho caseiro repartido em pedacinhos no seu quintal. Uma enormidade de fiéis na matriz; todo mundo, bem dizer, de Quixadá fora para sua missa – menos os Barroso...

~A reunião~

Ao final da missa, Duarte convocou os fazendeiros e guardas para uma reunião: - Temos de dar um basta nisso! – o beneditino estava a vociferar.

Tanto falava, mas efeito não surtia. Todos estavam abalados e cansados demais para ouvirem qualquer coisa – o tormento permanecia... Até mesmo o padre quis desistir, ao perceber os olhares cabisbaixos de todos. Não fosse Josias resolver falar: - Padre... eu sei o que é... o que não... quem fez isso. – para a surpresa e esperança de todos – Eu estava no expediente de ontem, bem vi quando meu pai saiu do bar atrás daquele boçal do casarão. Não quis saber, mas, depois que ouvi os gritos de meu pai... foi que inventei de ir ver... – nisso as lágrimas revoltas saíram – estava tud’acabado quando cheguei... Só pude ver aquele satanás fugindo.

- Mas é impossível! Todo mundo viu o estado qu’ele ficou! Um homem não conse... – fora interrompido.

- E quem diss’ qu’era um homem? Era o Diabo! O Diabo encarnado! Se disfarça de gente!

A descrição era inverossímil demais: vira um ser bestial, acinzentado e de escamas, vacilando entre homem e demônio, mas, visivelmente, com o rosto de Leonardo a ajustar. Ninguém, de imediato, contrariou. Fato era que tanto ódio estavam de tud’aquilo que mais queriam era achar o primeiro culpado para descarregar a ira. Até o padre, que deveria ser um sábio, aceitou.

- Meus irmãos, está claro! Descobrimos o inimigo! Deus ouviu nossas preces e, por meio deste nosso irmão, pôde revelar as coisas. Para vocês verem, o Inimigo se disfarça de santo... Me vem agora aquela noite do incêndio... Se lembram? Muitos acharam que foi um mero azar, hoje eu digo: foi o demônio avisando: aqui abriram-se as portas do Inferno! – um Demóstenes da irracionalidade, todos irradiavam raiva a cada nova palavra proferida – Digo mais, meus irmãos, lembram-se do que disse Josias, em mais um, percebo agora, aviso divino? Como ele nos disse ter visto aquela coisa descer aos céus? Lembremos da Sagrada Escritura: Evangelho de São Lucas, capítulo 10, versículo 18: “Eu via Satanás, como raio, cair do céu.” – daí mais nada que falasse poderia servir de mais fundamento para o ódio. Ali se definiu um fim.

~O fim~

Esperaram chegar domingo (o dia do Senhor) para, logo após a missa, como combinado, findarem tudo. O pároco passou a semana se reunindo com aqueles mesmos para tramarem o plano. A ideia era “simples”: invadiriam a morada dos Barroso e os exorcizariam; os chefes trataram de espalhar aos caseiros o plano – estes espalharam para outros cidadãos. Todo mundo já sabia o que aconteceria, menos os alvos... Esses seguiam no casarão - cada vez mais abandonado, sujo, baldio. Não havia mais ninguém para cuidar da casa e a família não movia um músculo para o que-quer-que fosse.

Chegado o dia, na missa, Cristiano fizera um rito extraordinário: um por um, dos que participariam, confessou; para estarem em estado de graça no ato. Veio a noite e se prepararam. Inicialmente seriam uns trinta homens, maioria ficaria de insídia caso algo saísse de controle – uns com crucifixos, outros com cordas e até armas. A casa estava totalmente escura, um silêncio infernal lá de dentro... Entraram nela; o padre na frente, com a estola e o Rituale Romanum. Tudo daria “certo”, não fosse a formação de um tropel justiceiro piréxico de ódio a ir em direção à casa – esses cidadãos foram todos inflados por Josias, o revolto; ele que perdera o pai, não queria “mero exorcismo”, queria a vingança, fosse lidar com um ser humano ou não.

O barulho frustrou os planos do padre, tudo foi por água a baixo quando viram dona Elvira, que estava parada a encarar a chama de uma vela, virando-se rispidamente, com um olhar terrífico.

- Em nome do Pai... – tentou começar, mas da boca da mulher saiu um tentáculo tão forte e comprido que decepou-lhe a cabeça instantaneamente. Do lado de fora, já haviam incendiado toda a área e o fogo começava a tomar corpo, aquele mesmo pesadelo...

Elvira tomou forma um ser esquálido. Num ponto no pescoço semelhante ao do marido, mais tentáculos surgiam, tentando acertar cegamente os presentes. Ao verem o padre cair de joelhos e seu sangue espirrando, só puderam correr. Foi quando o fogo incendiou a casa que tudo piorou. Os membros da família saíram e, logo na primeira tentativa de assassinato, revelaram o ser oculto. Os filhos tomaram o mesmo corpo, que saíra dos pontos exatos ao lado direito do pescoço: ascuavam as bestas alienígenas ao refletirem as escamas com o fogaréu. Foi um banho de sangue, os tiros não adiantavam. Os seres gritavam demonicamente enquanto grudavam nas pessoas e sugavam todo o seu sangue até secarem seus corpos.

Josias, em sua busca psicótica, avistou Leonardo, ainda como gente, nas escadarias da casa, estático e triste. Foi até ele, insano por completo, ignorando o caos em sua volta. Tinha em mãos uma faca, mataria o assassino de seu pai. Ambos os olhos se encontraram, o pródromo da batalha. Foi aí que Leonardo deixou sua natureza e assumiu o corpo que disfarçava, indo, em sequência, numa alta velocidade em direção ao adversário, cravando-lhe uma lâmina de seus membros no estômago. Josias padeceria, escorreu sangue de sua boca, mas não desistiu... Antes de morrer, arrancou forças para enfiar a faca no que era a cabeça daquele demônio – a parte mais exposta de seu corpo, a mais sensível... Sangue azulado, sangue rubro...

O ser gritava em desespero. Soltou o carrasco – este que rastejou, tentando fugir – e cambaleava sem forças, tentando se situar. Foi quando a casa veio a baixo, bem em cima dos dois, incendiando-os.

Aquela que deveria ser Elvira viu a cena e, em grito de mesma espécie, tentou até lá ir antes que acontecesse... mas não deu. Um último olhar, de globos brilhantes em verde, dos antigos amores. Os monstros destruíram a humanidade deles, mas a humanidade parece ter prevalecido nas mentes; uma lágrima daquela besta caiu...

A multidão continuava a dispersar-se, a pilha de mortos já era muito grande, mais ninguém queria morrer. E, aproximando-se o dilúculo, perceberam os seres que não tinham mais tempo para lá ficar. Os, agora, quatro, tal qual lagartos gigantes, rastejaram para a boca da mata, rumando não só um novo lar, mas nova gente para poderem parasitar.

O fogo se alastrou, o Inferno se expandiu...

~

Ñ.Per.Tex.: ~reservado~

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 10/08/2021
Reeditado em 23/08/2021
Código do texto: T7317483
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