( CLTS 16 - Tema: Formas de vida aterrorizantes )


   Meu nome é Ethebaldo Hamtunn, de Winchester, e tenho uma história para contardes. Vós que estais a ler estas mal traçadas linhas não podeis imaginar o sofrimento que foi para mim, homem acostumado a viver sob a violência das batalhas campais, sempre de espada em punho, dominar a difícil arte da escrita. Como deveis bem saber, a arte de escrever constitui-se de uma atividade sublime destinada aos padres mais fervorosos na fé da nossa Santa Igreja.

   Não sei se sou merecedor de tão distinta honraria, não obstante orgulho-me muito da habilidade de compor as palavras grafadas nos pergaminhos. E tal façanha, agora já entrado em muitos anos de vida, desperta-me sentimentos elevados de obrigação para com as gerações vindouras de meus descendentes. Eles poderão alardear orgulhosos que, na linhagem da família deles, houve um guerreiro sábio e disposto a enfrentar os demônios negros.

   Foi por esta razão, e nenhuma outra, que dominei a faculdade das letras. Foi para alertá-los contra as forças malignas do inferno, porque é certo que das palavras da boca do homem o vento do tempo as levam e as diluem, como se o dito nada fosse; ao passo que na pintura destes diminutos símbolos, o peso da verdade pode perdurar por muito mais tempo, séculos até. E a verdade é, sejais vós meus descendentes ou não, dura e inquestionável: um dia eles voltarão! Eis que é preciso, portanto, saber realmente de onde eles vêm! Estejais preparados todos vós!

 



 
    1
    No ano 875 da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o inverno rigoroso chegava ao fim. Os camponeses das aldeias próximas do castelo real de Wessex prestavam tributos a Alfredo, o celebrado monarca, a fim de renovar a esperança das boas colheitas advindas do clima ameno que estava por vir. Naquele tempo, apesar de jovem, eu já era temido e respeitado nas fileiras do exército do Rei, razão pela qual fora escolhido para protegê-lo nas suas andanças pelos arredores do condado, ou defendê-lo da ralé de ladrões nas viagens longas às terras dos seus vassalos mais leais.

    Em uma certa manhã ensolarada daqueles dias, fui chamado à presença do insigne monarca. Ao entrar no salão nobre do trono real, avistei o detestável padre Egbert Weldmore, da Nortúmbria, acompanhado de um desconhecido de aparência ordinária, provavelmente algum camponês simplório que dava a impressão de amedrontar-se até com a própria sombra. Antes do conselheiro-mor anunciar-me, ainda pude ouvir parte do relato daquele homem atormentado.
   
    — ... sim, senhores, os espíritos das trevas estão soltos no território do ealdorman Elfric de Eynsham. Tememos todas as noites, trancados em nossas casas, aquelas horrendas criaturas do inferno. Padre, tudo que se diz sobre o inferno é verdade! Os demônios vivem nas profundezas da terra e...

   O rei Alfredo, ao perceber minha presença, acenou-me de modo discreto com a mão para que me aproximasse da audiência em curso.

   — Este pobre homem – disse-me o rei, apontando o queixo para o Assustado – é o mensageiro do ealdorman Elfric de Eynsham. Diz ele que demônios oriundos das profundezas do solo estão destruindo os rebanhos e as poucas provisões resguardadas durante o rigoroso inverno deste ano.

   — Demônios? Eles existem? – comentei incrédulo, olhando de soslaio para o padre Egbert. – Ou o mensageiro está se referindo a algum tipo de animal selvagem...hum, como lobos, por exemplo.

   — Não, não, não – protestou o mensageiro de olhos esbugalhados. – São demônios! São criaturas do inferno, todos em Eynsham sabem disso!

   — Ora, se são demônios de verdade não sei como posso ajudar. Expulsar demônios é tarefa para padres, não um guerreiro.

   O rei olhou para o clérigo. O velho Egbert assentiu aborrecido, pois detestava ter de concordar com a opinião de um homem que, segundo ele, fazia pouco-caso da religião. Esbocei o meu sorriso triunfante de superioridade.

   — Ethebaldo – retomou a palavra o soberano de Wessex -, como deve ser de vosso conhecimento, Elfric de Eynsham mui generosamente enviou seus guerreiros para se juntarem ao nosso exército em campanha contra os bárbaros pagãos vindos do Norte. Agora, infelizmente, meu amigo leal está à mercê destas bestas demoníacas, sem poder contar com homens armados para defender o seu território. Quero que tu escolhas cincos homens de minha guarda pessoal e acompanhes o padre Egbert até o condado de Eynsham para expulsar os excomungados daquela região.

   Antes de sequer eu expressar o acolhimento da missão, para a minha surpresa, o clérigo se adiantou a um passo.

   — Senhor, meu nobre rei, perdoe-me a ousadia, porém temo a fama de indisciplinado de Ethebaldo. O menosprezo deste herege em relação aos ritos religiosos da nossa Santa Igreja pode comprometer a perigosa tarefa que vossa majestade me destina.

   Alfredo voltou sua atenção sobre mim. Ajoelhei-me de imediato, inclinando a cabeça em direção ao chão em atitude de respeito. Antes de encarar, submisso, o grande monarca, lancei uma expressão carrancuda ao religioso, pouco não faltando para atirar-me naquele pescoço gordo a fim de dar-lhe uns bons safanões. Queria fazê-lo engolir aquelas ofensas, mas contive-me, preferindo manifestar meu olhar plácido na direção do rei.

   O soberano de Wessex não precisou dizer-me nada! Magnânimo como era, Alfredo, o grande, apenas assentiu com um leve aceno de cabeça, como se quisesse me resguardar da humilhação de censurar-me na frente do seboso, dando a entender com o gesto a seguinte mensagem implícita: não me desapontes, e faças exatamente o que o padre te ordenar!
 
 

 
      2
    A jornada até o condado de Eynsham durou pouco mais de cinco dias e transcorreu sem incidentes. No entanto, quando chegamos à aldeia montados em cavalos exaustos, a presença do Padre Egbert causou a maior confusão no vilarejo. Parecia até que o próprio Jesus Cristo tinha novamente descido à terra, porque os camponeses assim que o viram prostraram-se ao chão de joelhos por onde ele passava e começaram a rezar em voz alta, beijando-lhe as botas encardidas, rogando-lhe pedidos desesperados de libertação das crias de satanás.

    Aquela comoção, devo confessar, causou-me desconforto e uma inexplicável sensação de medo apossou-se de meu espírito. Era um clima opressivo, de angústia terrível, do qual senti minha pele arrepiar-se de súbito, o estômago revirou-se nauseado, o suor brotou abundante pelo corpo inteiro, apesar do dia frio. O pavor dos aldeões era quase tangível e parecia se espalhar com o vento. Tratava-se, indubitavelmente, de um sentimento de horror coletivo jamais testemunhado por mim, nem mesmo nas pequenas aldeias desprotegidas na iminência da invasão por bárbaros pagãos.

     O temor da morte havia se apoderado do lugar!

   Então, pela primeira vez, admirei a altivez exemplar da convicção de fé do padre Egbert, porquanto o religioso afigurava-se uma luz de serenidade em meio ao caos de horror daquela pobre gente desesperada. Meus homens tiveram de usar da força para intimidar alguns mais afoitos, pois pretendiam arrancar o clérigo de cima de sua montaria.

   — Bjorn, onde mora o ealdorman Elfric? – gritei para fazer-me ouvir por sobre aquela lamurienta litania dos camponeses.

    O mensageiro apenas apontou o dedo indicador à esquerda. Meu olhar acompanhou o movimento. Percebi logo a formidável construção na encosta de onde terminava a estradinha da aldeia e começava a trilha ligeiramente íngreme, da qual levava ao reduto do ealdorman daquela região. Era um castelo incomum, sem muros, mais parecendo uma gigantesca igreja com portas e janelas em demasia. A posição elevada da fortaleza permitia ao seu dono acompanhar a movimentação dos camponeses por distâncias consideráveis. Sinalizei a todos para que fôssemos, sem demora, visitar o senhor daquele lugar.
 


   3
   — Padre Egbert de Wedmore, sede bem-vindo às minhas terras. Lamento as atuais circunstâncias não serem as mais adequadas a fim de prestar-lhes uma boa e tranquila acolhida – disse o próprio Elfric de Eynsham, montado em seu cavalo, abordando-nos a meio caminho da trilha íngreme da sua insólita morada.     

  A despeito de conceder a honra de receber-nos pessoalmente, dispensando os protocolos próprios da nobreza, reparei a excitação do ealdorman por compartilhar conosco informações sobre as supostas forças malignas invasora dos seus domínios.

   Depois das rápidas apresentações, em meio a alguns comentários frívolos sobre o clima da região, emparelhamos nossos cavalos aos da comitiva de serviçais de Elfric e continuamos à subida sinuosa da trilha. Enquanto subíamos, a conversa não tardou a encaminhar-se aos maléficos invasores. E, antes de lançar as minhas dúvidas sobre a veracidade de tais criaturas infernais, posto que para mim não passavam de um refugo ordinário de ladrões de estrada disfarçados com peles de animais, eis que o senhor de Eynsham faz uma surpreendente declaração:

    — Padre, o senhor poderá avaliar a força destes demônios assim que chegarmos ao meu castelo. Ontem à noite, cinco valentes camponeses conseguiram capturar um deles no velho truque da arapuca.

    A notícia fez o padre trocar um rápido olhar comigo. Não percebi medo na fisionomia do religioso. Entretanto, ele deve ter visto em meu semblante a minha inquietude. Jamais temi lutar com homem nenhum nesta terra, porém entrar num embate com criaturas das trevas era algo para deixar-me deveras preocupado, não por morrer em combate, visto que a morte faz parte do ofício de quem se vale das armas neste mundo de cão, mas preocupava-me, sobretudo, o destino de minha alma. Embora discordasse dos padres em algumas questões, não queria passar à eternidade queimando na fogueira do Inferno!
 


   4
    Hoje, passados mais de trinta anos, e de já ter visto de tudo nesta vida, ainda me causa arrepios quando me lembro do exato momento em que deitei os olhos por sobre aquela criatura de satanás. A cena diante de mim encheu-me de sensações difíceis de exprimir, além da repulsa e o espanto iniciais. Tratava-se de uma visão terrivelmente pavorosa de absorver.

    A besta era enorme, comprida, de acentuada magreza. Os ossos do corpo, revestidos de uma pele da cor do azeviche, podiam ser contados um a um em toda a extensão de suas formas constrangedoramente humanas. Talvez viesse daí a minha incompreensão de determinar meus sentimentos. Da cabeça lisa, do imenso crânio à vista, duas vultosas orelhas pontudas agitavam-se como as de um coelho assustado, olhos completamente negros, arredondados, perturbadores, moviam-se para todos os lados numa rapidez sobre-humana. Do nariz nada se via, da boca de dentes pontiagudos e serrilhados, projetava-se a língua fina, enorme, de ponta bifurcada, semelhante às das serpentes venenosas. Era, enfim, a criatura de aparência mais asquerosa que já tivera a oportunidade de ver, uma forma de vida aterrorizante!

    Temendo a fúria do monstro por livrar-se das correntes que lhe prendiam os tornozelos, pulsos e o pescoço às paredes do calabouço, desembainhei a minha espada decidido a lhe decepar a cabeça. O demônio, pressentindo as minhas intenções, começou a forcejar à fuga sacudindo o corpo esquelético e passou a grunhir ruídos jamais ouvidos de homem ou animal conhecido. Aquele inusitado ulular de sons causou-me calafrios por todo o corpo e apertei o cabo da espada com força para disfarçar o tremor das mãos. Meus instintos de guerreiro impeliam-me para matá-lo enquanto ainda estivesse acorrentado.

  Quando levantei a espada objetivando o pescoço dele, inesperadamente o maligno recuou à parede; encolheu-se a um canto mais penumbroso da cela e protegeu a cabeça com ambas as mãos, porém eu sabia: as crias de satanás eram ardilosas no seu pensar, de modo que não me deixei levar pela misericórdia daquela atitude patética. O que eu não esperava era ouvir a voz determinada do padre Egbert atrás de mim:

     — Ethebaldo, eu te ordeno. Não o mates!

    — O quê? O senhor enlouqueceu? Além deste aí há outros lá fora destruindo animais, plantações...

   — Quero levá-lo à presença de Alfredo. Cortaremos a cabeça do maldito em praça pública.

    — Não entendi, padre! O que o impede de executá-lo em praça pública aqui mesmo neste condado?

    — Os aldeões deste lugar já reconhecem a existência das crias de satanás. Por isso, vieram a mim desesperados para livrá-los do mal. Se existe o diabo, não há porque duvidar da existência do Senhor, Meu Deus. Quero levar o temor para com o Altíssimo, apresentando esta maléfica prova aos homens de pouca fé do exército do Rei. Homens como você, Ethebaldo, são como o santo apóstolo Tomé... precisam ver, para crer.

   — Devemos matá-lo, isto sim! – Resmunguei contrariado, retornando minha espada à bainha. 
 


   5
    No dia seguinte, à tarde, logo após a refeição principal, nos dedicamos a cuidar da espinhosa tarefa de preparar o transporte do demônio para Wessex. Padre Egbert encontrava-se ansioso por apresentar aquela descoberta à corte, ainda que houvessem outros escondidos na região.

    Depois de muito lutar com as correntes, espetar por diversas vezes o maldito com a minha espada, os meus amigos de armas, mais o teimoso clérigo de crucifixo em punho, conseguimos arrastar o monstro para o estábulo na parte superior do calabouço. Acorrentamos o bicho em cima de uma carroça puxada por quatro cavalos. Ficamos muito satisfeitos com o trabalho realizado.

   Mas, é preciso dizer, nem sempre as engrenagens do destino trabalham da maneira como desejamos, porque mal saímos à claridade dos primeiros raios de sol daquela tarde, o monstro começou a emitir bramidos assustadores que ecoaram por todo o vale.

  Vimos aparvalhados a besta entregue ao mais puro desespero, a debater-se em aflição contra as correntes, tentando voltar para o estábulo. Vimos a pele escura, de súbito, desprender uma fumaça fétida. O demônio, exposto ao sol, estava queimando a olhos vistos como se estivesse lentamente derretendo, tal qual a cera que escorre do lume forte de uma vela. Os olhos negros transformaram-se em duas pequenas bolas de fogo enquanto a bocarra, escancarada em agonia, projetava a língua bífida trêmula no estertor da morte. A pele antes escura tornara-se cinza, transformada numa pasta escorrida por sobre os ossos poderosos de sua esquálida estrutura.

    — Santo Deus! O que aconteceu? – perguntei tão assustado quanto os outros membros da escolta, afastando-me da carroça.

   — É um demônio das trevas! E demônios das trevas parecem não suportar a luz do sol. Por isso, eles atacam apenas à noite – concluiu o padre Egbert decepcionado, é bem verdade, mas confiante na sua explicação de última hora.
  


   6
   O que vou relatar, agora, deverá mudar a concepção conhecida durantes séculos sobre o inferno. Muitos não acreditam no que presenciei naquela noite e, ainda passado todo este tempo, julgam-me um doido varrido. Os padres costumam dizer que os demônios estão presos embaixo da terra, não é assim?

    Mas isto não é bem verdade!

   Depois de passar à tarde inteira vasculhando todas as cavernas nos arredores da aldeia, a escarafunchar buracos suspeitos na campina à procura do covil dos malditos, voltamos ao castelo para descansar. Achamos sensato não empreender as investigações sob a escuridão da noite. Quando a madrugada já ia alta, e o sono não vinha, resolvi abandonar o conforto do meu leito, dispensando a sentinela no pátio frontal do castelo e tomei o seu lugar na vigília.

    Lembro–me bem de ser uma noite agradável, de lua cheia. Noite tranquila. A leve brisa vinda do mar afagava com carinho as poucas folhas das árvores mirradas que recuperavam o viço depois da uma estação invernal intensa. Fiquei lá, sozinho, sentado num banquinho de madeira por algum tempo, a meditar, escutando o barulho das ondas contra os rochedos ao longe.

  Todavia, a quietude durou pouco! Eles, os maléficos, tiveram a petulância de aparecer embaixo de nossas barbas!

    As ominosas criaturas, de repente, emergiram de um velho poço abandonado a setenta passos de onde eu estava. A claridade da lua tomava conta da noite, permitindo-me acompanhar assombrado o que julguei ser uma desesperada missão de resgate dos restos mortais do demônio morto horas antes. O padre Egbert havia ordenado que envolvêssemos o corpo “derretido” numa mortalha branca e o deixássemos a qualquer canto para levarmos à fogueira no centro da aldeia no dia seguinte.

    Os diabretes, eram três, agiam numa velocidade espantosa! Jamais havia visto tal agilidade em outro qualquer ser vivo sobre a face da terra. Rapidamente, eles deslocaram-se correndo, dando saltos incríveis como se fossem muito leves, aproximando-se do corpo do companheiro caido. Um dos diabretes, o maior de todos, provavelmente o líder do grupo, puxou o corpo amortalhado para si e, ajudado pelos outros dois companheiros menores, jogou-o por sobre seu ombro para retornar ao poço.

   Então, busquei coragem, não sei bem de onde, para dominar o pavor extremo de queimar eternamente na fogueira do inferno. Levantei-me do banquinho num salto, desembainhei a espada, berrei o mais alto das minhas forças e comecei a correr de encontro aos demônios: “Em nome do Senhor, Meu Deus, ordeno que parem”!

   Naquele momento, lembro-me como se fosse hoje, fui arrebatado por uma visão divina! Tratava-se, por certo, da revelação do Altíssimo para me fazer entender como o diabólico satanás usa de artimanhas para ludibriar nossos olhos e esconder-se em lugares dos quais sequer desconfiamos.

   Quando os demônios já haviam chegado ao poço, eles foram atraídos pela minha presença. O líder deles olhou para mim de modo hostil, vingativo, quase fazendo-me parar de medo, contudo sabia ter Jesus Cristo a sustentar minha espada. Não me intimidei! O monstro, então, olhou para o alto. De modo enigmático, levou o braço perto da boca e falou com o exótico bracelete a ornamentar-lhe o pulso. Aquilo só podia ser artimanha de satanás! E foi, senhores, naquele exato momento que a revelação do Altíssimo se fez presente!

    Confiem em minhas palavras, pois vos digo a verdade!

  O céu da madrugada pareceu se abrir num instante, malgrado não houvessem nuvens, tomado que foi por um forte clarão. Olhei perplexo para o alto. Pestanejei incrédulo, porque custava-me crer no que os meus olhos teimavam em me mostrar. Vi, estupefato, uma enorme construção flutuante acima de nossas cabeças de onde milhares de velas, a resistirem inexplicavelmente ao vento da noite, espargiam aquela luminosidade estonteante em todas as direções do firmamento!

   Creiam-me, juro pelas Sagradas Escrituras! Era um castelo descomunal, o maior que já vi, pairando no céu, a emitir uma luz mais forte que a própria lua! Minhas pernas fraquejaram. Ajoelhei-me largando a espada enquanto rezava desesperado para o Senhor me livrar do mal. De repente, as malévolas criaturas foram puxadas para cima sob o arroubo de uma ventania e engolidas pelo buraco aberto na estrutura coletora de almas daquela construção do diabo.

    Em seguida, enquanto ouvia a movimentação dos homens dentro do castelo, a fortaleza luminosa se elevou cada vez mais para cima, a ganhar as alturas do firmamento, misturando-se às estrelas.

   Quando o padre Egbert e os outros finalmente se aproximaram de mim, apenas conseguiram testemunhar um dos mais valentes guerreiros do exército do Rei Alfredo, o Grande, prostrado ao chão, com os olhos esbugalhados de medo, em choro convulsivo, apontando as mãos trêmulas para o alto e balbuciando frases ininteligíveis:

   “Eles vêm do céu... os demônios se misturam às estrelas para nos confundir... Satanás está lá em cima também dividindo os céus com o Senhor, Meu Deus, em constante luta...  Eles vêm do céu, não vêm das profundezas da terra...”

 
 
Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 13/08/2021
Reeditado em 28/09/2021
Código do texto: T7320181
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