Lembranças de uma noite fria

Quando a conheci numa noite de inverno se é que posso chamar aquilo de conhecer, jamais poderia imaginar que algo tão fantástico pudesse realmente existir, mas é difícil contestar algo claro e tão nítido, naquele dia nada poderia mudar o fato concreto de duas coisas, primeira de que eu estava lúcido e segundo que nunca esqueceria aquele rosto. Certos acontecimentos movimentavam e davam o tom do tempo naqueles dias, os jornais noticiaram queixas sobre ataques que se tornavam mais comuns, os médicos diziam que se tratava de um tipo de raiva ou algo do tipo, mas em suma as pessoas eram em si atacadas a mordidas, mas os relatos sempre confusos serviam mais para confundir que para comunicar, porém hoje como acreditar no mesmo jornal que notícia o ET de varginha? Eu trabalhava no setor de peças de uma pequena empresa, não era o sonho de qualquer criança nem nunca seria chamado para dar uma entrevista sobre o que fazia, mas de certa forma o dinheiro pagava minhas contas e tirando isso não sei para o que mais um serviço prestava então tudo bem. Naquela noite fria de quinta feira precisei ficar até um pouco mais tarde, o carregamento de peças atrasou e para minha sorte a única pessoa além de mim autorizada a receber as benditas encomendas estava de férias de casamento, como que em pleno começo de século as pessoas ainda pensam em casar eu não deixava de questionar e nesse momento deve ter ficado óbvio que também sou solteiro.

Pego minha jaqueta jeans, um gorro e saio, ainda tenho tempo de comprar um cachorro quente, não vou perder meu tempo cozinhando nada, a vantagem de se morar sozinho é que ninguém te espera para jantar. A rua é deserta, desde o começo dos ditos ataques que ninguém nunca parece realmente ter visto as ruas tão vazias, tem se tornado difícil até mesmo enxergar um mendigo que seja, menos mal, a necessidade de mentir me faz chegar a casa com a consciência mais tranquila, porém o frio naquela noite era mais árido que o normal, não que tenha contribuído com algo, talvez a neblina sim, quem sabe o que isso tenha realmente de estratégia, mas era como andar de olhar fechados, mas enxergando apenas um todo branco e poucas luzes das casas e algumas TVs ligadas. Eu nunca vou saber dizer o porquê e tanto faz para ser bem sincero para quem estiver lendo isso, mas ali estava ela, a minha frente uma bela moça de 1.80, casaco preto, pés descalços e a sensação de que estava nua, uma pele tão branca que chegava a assustar, os caninos maiores do que o normal eram tão fácil de notar e o modo como me olhou me paralisou por completo, e ali eu era apenas um corpo parado enquanto ela me olhava, não houve assunto, nem sequer ouvi sua voz, ela se aproximava e mesmo que eu tentasse sair o único movimento que talvez existisse ali fosse meu coração que batia em ritmo descompassado, mas foi com um beijo leve daquele ser tão apaixonante se assim posso dizer e num ato continuo eu senti os dentes que em segundos queimavam e meu pescoço, minha pele como um plástico ao se encontrar com umas labaredas de fogo apenas se deixava consumir, o mais fraco se encontrava com o mais forte e a naturalidade era a mesma do veado ao se encontrar com um leão, mas extremamente não havia medo, sequer pensei em qualquer coisa além do que havia no momento, a cada segundo eu relaxava enquanto sentia como se meus pés saíssem do chão, naquele momento estive morto, quem sabe onde ou o que estive talvez tenha passado segundos, horas ou vice e versa, mas meu corpo era um misto de prazer e torpor, meu todo se regozijando enquanto ela apenas se aproveitava do que era apenas uma bolsa de sangue, quiçá um jantar silencioso e calmo.

Acordei ensopado no chão, não sei nem dizer até hoje quanto tempo estive em suas mãos ou em qualquer lugar que ela tenha me colocado, mas contar isso talvez tenha se tornado minha loucura particular, quem acreditaria em alguém que diria ter sido vítima de uma vampira ou como queira chamar no Brasil? Mas se quer saber o que senti com o passar dos dias talvez isso te assuste mais do que qualquer outra coisa, na primeira semana apenas uma leve dor de cabeça que não passava, mas que na verdade já sentia a um bom tempo para ser sincero, mas mesmo assim eu evitei o quanto pude encontrar-me com um médico até o momento que não foi possível adiar, após os exames a constatação, eu tive câncer no cérebro em estagio avançado sem jamais saber, mas o medico sem saber explicar tentava me mostrar que como por um milagre existia ali apenas um sinal e que minha saúde estava melhor do que qualquer pessoa da minha idade, desde então não tive sequer uma gripe.

Já se passaram dois anos e sinto que não envelheço um dia sequer, todos os dias acordo e sinto que estou mais forte e mais vivo, os ataques sumiram e ninguém nunca soube realmente explicar o que aconteceu naqueles dias, até hoje existem os que dizem que foram atacados, mas duvido muito que algum desses realmente tenha passado pelo que passei se quer saber o que penso até hoje é que além de uma marca que parece nunca sumir no pescoço, ela também deixou a lembrança e bons sonhos de uma sensação que se torna quase impossível se você não tiver a sorte de encontrar uma dessas por aí.

Eduardo Haraki
Enviado por Eduardo Haraki em 19/09/2021
Reeditado em 20/09/2021
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