UM DIA QUALQUER

O chão sob os meus pés é duro e tem uma coloração acinzentada. Olho para os meus sapatos, eles estão muito velhos e rasgados, logo não terei mais o que calçar. Mantenho a cabeça baixa e procuro não olhar para nenhum lado. Tento manter minha respiração a mais lenta possível, como se isso tivesse o poder de me manter a salvo.

Fomos colocados em duas fileiras. Acho que deve ter uns quarenta de nós aqui. Todo dia é a mesma coisa. Todo dia de manhã bem cedo vários de nós irão morrer. Não existe critério para alguém levar um tiro na cabeça. Mesmo que a gente faça tudo o que nos mandam, mesmo que sejamos obedientes, mesmo que nosso trabalho seja imprescindível e bem feito, nada disso adiantará. Vamos ser mortos da mesma maneira.

O ruído compassado das botas do oficial alemão faz com que eu me curve mais ainda. Mil vezes amaldiçoo a minha estatura. Queria tanto ter uns vinte centímetros a menos. Deus, por que você não me fez mais baixo?

O ruído do tiro é seco. Alguém caiu a três metros de mim. Trinco os dentes, fecho os olhos e tento parecer mais baixo. O nazista maldito pode do nada cismar comigo e meter uma bala na minha nuca só porque um “judeuzinho de merda” ousou ser mais alto que um ariano. Outro tiro. Dessa vez foi na fileira detrás da minha. Quem foi dessa vez?

Não consigo tirar os olhos dos meus sapatos. Se eu morrer agora alguém ficará com eles? O maldito continua andando de um lado a outro. Queria ser mais corajoso, olhar ele de frente e dar uma cusparada na cara do facínora, mas o medo é mais forte e termino, inutilmente, tentando encolher o pescoço para parecer mais baixo. Escuto o barulho das botas atrás de mim, por um breve momento achei que ele tinha parado, mas ele logo segue adiante. Ao meu lado um sujeito baixinho e com o cabelo ralo cai ao chão. Seu corpo estremece por uns poucos segundos e repentinamente para.

Fico o mais rígido possível e evito fazer o menor gesto que possa despertar a atenção para mim. Todos os dias eu morro um pouco. Por que eu não morro de uma vez logo? Um tiro e pronto! Tudo se acabaria de uma vez. Mas eu insisto em viver, como se ainda fosse possível chamar isso de vida...

Ele subitamente vai embora. Está satisfeito por enquanto. A mim resta tentar ficar vivo mais um dia...

Todos os dias eu luto para não pensar se amanhã estarei vivo.

Mais uma vez olho para meus sapatos velhos. Será que um dia eu calcarei sapatos novos?

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 29/09/2021
Código do texto: T7353206
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