O Visitante no Canto

Mariana dormia em sono profundo. De repente, ela despertou, graças a vontade de urinar. Ela abriu os olhos, se sentou a cama, sonolenta e se preparando para ir ao banheiro. Nesse momento, teve a impressão de estar sendo observada por alguém. Quando olhou para o lado, viu, no canto da parede, algo que lhe deu um arrepio na espinha : uma sombra no formato de um corpo humano , porèm com dois chifres pontiagudos saindo da cabeça.

Ela olhou com os olhos arregalados para a coisa. Não conseguia parar de olhar. Havia apenas dois anos que ela havia perdido o medo do escuro, algo de que se orgulhava, agora que tinha completado 9 anos. Porém, aquela aparição podia botar tudo a perder.

Aos poucos, a sombra foi andando lentamente, e um cheiro de enxofre começou a se espalhar pelo quarto. Ela tremia, e o suor escorria da sua testa, mas não conseguia parar de olhar, e também não conseguia se mexer. O pavor era enorme, mas havia também um pouco de curiosidade. Seu nariz começou a sangrar, algo que acontecia sempre que ela ficava nervosa. Desde criança era assim. De repente ela ouviu um murmúrio bem baixo vindo da criatura, e um calafrio percorreu todo seu corpo da cabeça aos pés. O ser continuava se aproximando dela.

A criatura se aproximou da ponta do armário, e uma luz fraca vinda do corredor iluminou o lado esquerdo do seu rosto. Mariana, então, pôde ver seu olho vermelho com pupila felina, seu nariz que parecia um focinho de touro, e a boca, que exibia um sorriso macabro com dentes negros e pontiagudos. O rosto tinha pêlos que estavam entre cinza e negros. Nessa hora ela fechou os olhos e implorou mentalmente: “Deus, por favor, faça com que isso não seja real!” Ela apertou bem os olhos fechados, e repetiu o pedido três vezes. De repente, parou de sentir o cheiro de enxofre. Então abriu os olhos com muito medo do que iria ver, mas o ser não estava mais la. Ela olhou para todos os lados, mas não havia mais ninguém no quarto. Foi então que relaxou sua bexiga e a urina saiu sobre a cama. Ela se sentiu envergonhada, mas essa era a sua menor preocupação.

Tirou toda a roupa de cama molhada, e levou para a área de serviço, colocando-a no cesto de roupas sujas. Passou o resto da noite acordada, com medo da criatura voltar, mas isso não aconteceu. No dia seguinte disse para a mãe que havia molhado a cama, e sua mãe encarou com naturalidade, e só pediu a ela que não bebesse muito líquido perto da hora de ir de se deitar. Nos dias que se seguiram, ela dormiu intranquila, com medo de receber outra visita sombria, mas nada aconteceu.

Com o passar dos anos, ela acreditou que aquilo foi um produto de sua imaginação, e como se interessava por literatura, resolveu escrever um conto baseado no ocorrido. Ao fazê-lo, se sen-tiu como se exorcizasse aquela terrível memória do seu cérebro. Em seguida ela não parou de escrever, e criou uma página numa rede social onde passou a postar contos todo mês. Com o tempo, ela se tornou um nome popular no meio literário da internet, e resolveu escrever seu primeiro livro de contos, onde colocou o conto sobre o ser para abrir o livro. Uma editora se interessou e quando houve o lançamento, uma festa foi organizada na livraria de um centro cultural de São Paulo. Bastante gente apareceu no evento, como escritores famosos da editora, frequentadores do centro cultural, admiradores do trabalho de Mariana , além, é claro, de familiares da autora.

O evento terminou por volta de uma hora da manhã e quando todos os convidados tinham ido embora, Mariana se despediu do seu editor e dos administradores do centro cultural, e seguiu para o estacionamento, que ficava num terreno ao lado. Entrou no lugar, pagou na cabine o valor que devia e foi até seu carro. Ao entrar no veículo, colocou a chave na ignição, e antes que ligasse o carro, sentiu um cheiro de enxofre no ar. Na mesma hora um frio invadiu sua barriga e suas mãos começaram a tremer. Era aquele mesmo cheiro que sentiu em seu quarto naquela noite, em sua infância. Ela ficou paralisada de medo. Então olhou no espelho retrovisor, e viu aqueles olhos vermelhos com pupilas felinas olhando pra ela. Ela ouviu de novo aquele murmúrio baixinho que ouviu naquele dia. Engoliu em seco e novamente fechou os olhos e implorou a Deus que aquilo não fosse real. Ao abrir os olhos não havia mais nada no retrovisor. Se virou e olhou o banco, e confirmou que não havia ninguém la. Então, encostou a cabeça no banco, fechou os olhos e suspirou profundamente em alívio. “Eh apenas minha imaginação fértil de escritora”, ela disse mentalmente para si mesma, e deu um sorriso. Depois se refez, ligou o carro e foi embora dali.

O faxineiro do estacionamento, no dia seguinte, pela manhã, varria o lugar, e ao varrer a vaga onde estava o carro de Mariana, se deparou com algo que nunca tinha visto : ao lado da vaga havia um pequeno pedaço de terra, que separava aquela vaga da seguinte. Ali, havia uma pegada que não parecia humana. Tratava-se de um pé que parecia humano mas tinha apenas dois dedos grossos, cada um deles da largura de três dedos humanos. O homem, que era evangélico, soltou um “sangue de Jesus tem poder”, e passou a vassoura, para apagar a pegada, como se assim fosse fazer o mal ir embora dali. A pegada nunca seria esquecida por ele, que contaria a história para inúmeras pessoas nos anos que se seguiram para assim dissipar seu medo. Mariana, por sua vez, nunca mais veria aquela sombra em sua vida, e envelheceria acreditando que tudo não passou de um produto de sua imaginação fértil.

Alexander Ribeiro
Enviado por Alexander Ribeiro em 06/11/2021
Código do texto: T7379941
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