O OURO MALDITO DE HERMAN SMITH

CLTS 17

 Um conto do gênero weird western

 

     1

     O velho Herman, beberrão famoso da cidade mineira de Bodie Hills, assim que ouviu o primeiro tiro jogou-se instintivamente ao chão. Não havia dúvida para ele de que se tratava de uma emboscada. Do chão empoeirado, viu um dos seus sequestradores já estirado entres os arbustos da vegetação rasteira do lugar; do peito do infeliz vertia um filete grosso de sangue, brilhante à luz do sol inclemente do meio dia.

 

     Os três capangas restantes do bando, em meio ao barulho de tiros e poeira levantada pela agitação dos cavalos, abandonaram as selas à procura desesperada de abrigo junto às enormes pedras soltas do desfiladeiro.

 

     Bart, o jovem fazendeiro recém-chegado ao grupo, talvez pela falta de experiência, saltou da montaria e saiu correndo para longe da encrenca a berrar feito um doido varrido rumo à pradaria.

 

     — Caolho, o garoto não vai muito longe não – grunhiu o negro Jacob num esgar de dor, ferido na perna.

 

     — Idiota! Se era pra dar no pé, assim em campo aberto, mais valia ele ter fugido a cavalo! – resmungou o Grandão Walter à medida que, armado de colts em ambas as mãos, arrastava-se nos cotovelos entre as trincheiras naturais do lugar.

 

     Antes de Jack Caolho responder aos companheiros, um estampido de winchester ecoou por sobre as elevações rochosas à esquerda deles. Da cabeça do jovem fazendeiro, em fuga frenética, explodiu um ponto vermelho na altura da nuca fazendo-o impelir-se num tranco violento à frente e desabar já morto ao chão.

 

     — Idiota! – repetiu Walter buscando a posição dos atiradores da emboscada olhando para o alto. – Isso lá é jeito de um homem de verdade morrer?

 

     — Hi, hi, hi, Herman quer saber do Grandão como um homem, de verdade, deve morrer.

 

     — Fica deitado aí, porra! Você quer levar uma bala no focinho, é? – vociferou Walter cada vez mais nervoso.

 

     O velhote, magro como um pedaço de pau, não deu a menor importância ao aviso. Sentou-se com dificuldade, escorando-se na saliência rochosa mais próxima e voltou a cara risonha aos sequestradores agachados atrás das pedras; da sua boca murcha, sem dentes, mandou o seu recado:

 

     — Herman não tem medo de morrer não! Hi, hi, hi, Herman tem o corpo fechado!

 

     — Jack Caolho, ouça bem – ecoou, de repente, uma voz vinda de cima dos elevados da cordilheira -, aqui é Frank White. Tenho uma proposta a lhe fazer.

 

     — Senhor Jesus Cristo, estamos perdidos – afirmou Jacob de olhos arregalados. – São os irmãos Frank e Joaquin White! Esses caras não brincam em serviço, Jack! São uns demônios!

 

     — Hi, hi, hi, Herman acha que vocês estão num beco sem saída.

 

     — Cala a porra da boca, velho – berrou Walter apontando o revólver na cara debochada do outro a poucos metros de distância.

 

     — Jack, pense bem – repercutiu a mesma voz em ecos vindos novamente de cima -, não me interessa os teus dois companheiros. Quero apenas o velho Herman bem-disposto. Prometo te poupar a vida. Não se trata de misericórdia não. Na verdade, pra ser sincero, o preço da recompensa pela tua captura vivo é muito maior do que morto.

 

     — Hi, hi, hi, Grandão, olha só, agora o caldo entornou de vez – provocou, em um sorriso banguela, o garimpeiro.

 

     — Filho da puta – rosnou Walter elevando-se do chão por sobre um dos joelhos e apontou novamente o revólver para a cabeça do caçoísta. – Já estou farto dessa tua risadinha escrota. Agora, velho, quero ver o teu corpo fechado funcionar.

 

     Antes de apertar o gatilho, o tampo da cabeça do Grandão explodiu em fragmentos de ossos e cérebro e ele emborcou de cara nas pedras. O negro Jacob ficou perplexo de ver a fumaça elevar-se do cano da arma do Caolho. O tiro foi quase à queima-roupa.

 

     O silêncio tomou conta do lugar; parecia até que o vento, por respeito, havia se enfraquecido. Jack, ainda de Joelho, voltou a atenção a Jacob estirado no chão recostado à rocha.

 

     — Por quê? – perguntou Jacob apontando o queixo ao amigo morto enquanto o ombro do seu braço, que segurava a arma, começou a se mover lentamente para cima.

 

     — Jacob, não faça isso! – avisou Jack a menear a cabeça.

 

     O ex-escravo não deu ouvidos à advertência e, mal levantou o colt do chão, recebeu o tiro na altura do peito. Na mesma hora, uma golfada de sangue rompeu pela boca do baleado num tranco, os olhos arregalaram-se diante do horror consciente da morte próxima. A cabeça tombou de lado. Morreu sem emitir um som.

 

     — Muito bem, Jack. Já estamos descendo! – informou o caçador de recompensa satisfeito lá de cima.

   

     2

     Frank White, em volta da fogueira, observava com interesse Herman lutando para desfiar um pedaço de coelho assado a fim de enfiá-lo na boca desdentada. O caçador de recompensa queria entender o que levava o idoso garimpeiro a andar em Bodie Hills com pepitas de ouro à mostra, pavoneando-se nos saloons, enchendo a cara do melhor whisky e, principalmente, entender o descaso dele em atrair gente disposta a roubar a fonte daquele recurso.

 

     Havia boatos, aqui e ali, sobre Herman ter parte com o diabo, pois não era a primeira vez que se via sequestrado por homens inescrupulosos como o bando de Jack Caolho. Ele, de algum jeito, dava conta de se livrar de todos eles.

 

     Joaquin, o irmão mais novo de Frank, sentado numa sela arriada no chão, cuspiu as impurezas do fumo de mascar bem aos pés de Herman, numa clara demonstração de desprezo pelo garimpeiro.

 

     — Por que não tiramos a informação da localização do ouro desse velho idiota à força – disse ele a olhar aborrecido para Frank.

 

     — Outros já tentaram, mas ele não sente dor.

     

     — Hi, hi, hi, Herman tem o corpo fechado! – devolveu o garimpeiro, fazendo ruídos estalados ao chupar o sal da carne do coelho; a saliva gordurosa a escorrer pela barba dava-lhe um aspecto repugnante.

 

     — Esse velho não bate bem do juízo – disse Jack, de mãos amarradas, sentado um pouco mais afastado da fogueira.

 

     Joaquin ignorou o assaltante de bancos. Voltou-se para o irmão e disse:

 

     — Frank, tem certeza de que precisamos pernoitar no Forte dos Enforcados amanhã à noite?

 

     — Bem... Herman diz que todas as ferramentas de extração do garimpo estão guardadas por lá. Presumo, portanto, que a galinha dos ovos de ouro dele não deve ficar muito longe do local.

 

     — Hi, hi, hi, Herman acha que o moço aí tem medo de fantasmas – debochou o velhote, ainda ocupado em chupar a carne de coelho, a olhar de través para Joaquin.

 

     — Vá pro diabo, velho! – resmungou o rapaz, cuspindo o fumo novamente aos pés do garimpeiro.

 

     — Hi, hi, hi ... boooo, olha o fantasma ... hi, hi, hi ...

 

     3

     O sol no horizonte já dava sinais de ir-se embora quando os quatro cavaleiros postaram-se defronte ao Forte Grant. O lugar, havia já uma década, encontrava-se entregue à sua própria sorte. O mato irregular ao redor da construção, a presença de falhas abertas nas paliçadas, os telhados parcialmente descobertos, o crocitar de alguns corvos, aqui e ali, vagando nas pontas dos troncos apodrecidos, compunham elementos de um quadro lamentavelmente triste e decadente.

 

     Joaquin, querendo dar mostras ao velho Herman de que não tinha medo de fantasmas, foi o primeiro a esporear o cavalo à frente.

 

     — Vamos logo. Estou louco por uma caneca de café quente.

 

     Os outros o seguiram rumo à entrada principal. Os alojamentos estavam todos avariados pelo tempo. Frank, então, preferiu montar acampamento próximo a uma paliçada interna mais robusta na intenção de protegerem-se dos ventos frios.

 

     Os aventureiros, tão logo o dia foi embora, sentiram uma inquietação estranha oriunda do lugar! Algo que não conseguiam definir exatamente começou a perturbá-los. Os elementos do cenário que até o fim daquela tarde apresentavam-se como tristes e decadentes, agora, ao cair da noite, tornavam-se sinistros e misteriosos.

 

     Os White perceberam o comportamento taciturno de Herman lançando olhares nervosos ao redor. As risadinhas debochadas foram embora para dar lugar ao silêncio de expressão angustiada.

 

     O que o garimpeiro temia?

 

     4

     O caçador de recompensa, logo após o jantar, decidiu subir com cuidado os degraus da velha escada de madeira a fim de acessar o parapeito de uma das paliçadas do forte. Queria fumar um cigarro e se distrair observando o cenário natural em volta. Admirou-se da enorme lua cheia lançar um tênue véu de claridade à paisagem por todo os lados até onde a vista podia alcançar.

 

     Depois de um tempo, já de visão adaptada à noite clara, Frank resolveu virar-se para o norte, na direção da montanha rochosa situada não muito distante da retaguarda da fortaleza e, sem razão aparente, pegou-se a examinar as entradas das minas abandonadas.

 

     À sua percepção, tais entradas apresentaram-se como buracos negros sinistros em contraste à penumbra que a claridade da lua permitia e, dentro daquele cenário mal iluminado, foi pego de surpresa.

 

     Um dos buracos negros se mexeu rápido para o lado!

 

     Frank piscou várias vezes, meneou a cabeça como a negar a si mesmo o que acabara de ver. Apertou as pálpebras e voltou a olhar para o local. Desta vez, entendeu a situação: uma mancha escura havia se deslocado de dentro da abertura da mina.

 

     Era algo grande, percebeu de imediato!

 

         A agitação súbita dos cavalos emitindo relinchos nervosos abaixo só piorou as desconfianças de Frank de que a mancha lá em cima era algum animal desconhecido, e perigoso!

 

     Joaquin, Jack e Herman levantaram-se preocupados. Cavalos assustados, todos sabiam, não era boa coisa.

 

     — Frank, o que está havendo? – perguntou o rapaz observando o irmão tenso no estrado superior da paliçada.

 

     Frank não respondeu, mas puxou devagar as armas dos coldres.

 

     — Diabo, homem, o que foi? – disse Joaquin preocupado enquanto subia as escadas.

 

     Um arrepio de medo, que jamais sentira na vida, tomou a base da coluna do caçador de recompensa e irradiou por todo o corpo quando, de repente, a mancha começou a descer rápido a montanha em linha reta. Seu coração disparou. Não sabia bem como definir a sensação do medo crescente a caminho do pânico, contudo passou a ter certeza que aquilo, fosse o que fosse, estava descendo a montanha com o propósito de caçá-los!

 

     5

     — Ela está vindo – sussurrou Herman a si mesmo, trêmulo de medo, lançando uma careta assustada para Jack.

 

     — O que você está dizendo, velho? Ela quem? – sussurrou de volta o Caolho.

 

     O garimpeiro olhou à plataforma acima onde, de costas, os irmãos levantaram as armas apontando-as na direção norte. Em poucos segundos, Herman resolveu tomar providências a fim de sobreviver, assim como já fizera em outras ocasiões, no entanto precisaria da colaboração silenciosa do assaltante. Ele não queria atrair a atenção dos White. Por isso, postou-se à frente de Jack e lhe disse num murmúrio:

 

     — Fique de boca fechada, e venha comigo se quiser viver!

 

     O garimpeiro deu meia-volta andando rápido para o centro do átrio. Jack Caolho, sem hesitar, o seguiu. O velho, ao chegar bem no centro do forte, agachou-se no chão e começou a passar as mãos no mato rasteiro. Lá em cima, os White começaram a atirar.

 

     — Aqui – disse satisfeito ao descobrir uma argola de ferro.

 

     Herman fez careta de esforço ao se erguer do solo num tranco. Junto com ele uma portinhola camuflada de vegetação revelou a entrada subterrânea.

 

     — Entra rápido! – ordenou apontando para baixo.

 

     Jack não pensou duas vezes e se enfiou buraco adentro. O garimpeiro, logo a seguir, entrou fechando o alçapão.

 

     6

     Os irmãos White, estupefatos, viram a mancha escura se transformar numa esfera assim que chegou ao sopé da montanha e, daí em diante, começou a emitir leves cintilações esverdeadas à medida que imprimia velocidade no caminho do forte. Eles abriram fogo quando aquela coisa entrou ao alcance dos tiros, ainda assim os disparos pareciam não ter o menor efeito sobre ela.

   

     — Herman, está muito escuro aqui embaixo. Não estou vendo nada!

     — Fique quieto. Vou procurar o lampião que deixei em algum lugar por aqui.

 

     Assim que a esfera negra, coberta por uma espécie de redoma de luz esverdeada passou abaixo deles pelo lado de fora da paliçada, Frank percebeu os tiros ricochetearem na sua superfície provocando faíscas. Aquilo tinha uma espécie de couraça defensiva! 

 

     — Herman, você está ouvindo os tiros... parece encrenca da grossa!

     — Os irmão White já estão condenados, Jack. Podem ser homens duros, mas eles não são páreo contra aquilo lá fora.

 

     O caçador de recompensa não deixou de notar que a esfera era bem maior do que um cavalo.

 

     — Essa coisa vai dar a volta pela paliçada. Vai invadir o forte pelo portão principal – disse Frank assustado, virando-se para o interior da fortaleza a fim de avisar Herman e Jack do perigo.

 

     — Eles fugiram – espantou-se o irmão ao notar, lá embaixo, o átrio vazio mal iluminado pela luz bruxuleante vindo da fogueira.

 

     — O que vamos fazer, Frank?

 

     O experiente caçador não soube como responder, porém reparou o brilho esverdeado entre as frestas da paliçada avançar na direção do portão de acesso. Joaquin, vendo também aquele movimento de ataque, não conseguiu aguentar à pressão e, tomado por uma espécie de loucura, desceu às escadas de rifle em punho para o portão de entrada aos berros.

 

     — Vem desgraçado, apareça! Quero ver a tua cara de perto!

 

     Frank, sem sair do parapeito, perplexo com a atitude intempestiva de Joaquin, observou estarrecido a esfera surgir à entrada e, como se ela tivesse aceitado a bravata do irmão, a viu abrir-se de dentro para fora, semelhante às pétalas de uma flor, e se revelar numa criatura enorme de oito patas! Quatros olhos reluzentes de um laranja vivo focaram-se no rapaz à sua frente em postura desafiadora.

  

     — Jack, preciso te dizer, a criatura lá fora parece uma aranha gigante... bem... ela não é do nosso mundo!

     — Do que você está falando, velho?

     — Essa criatura caiu do céu, sabe? Ela conseguiu, não sei como, se transformar numa aranha apenas observando as aranhas de verdade, mas não é uma, entende? Você não vai acreditar, mas ela é inteligente!

 

     Frank, antes de reagir àquela cena impossível, sentiu uma dor aguda na região do pescoço quando uma espécie de dardo lançado pela criatura lhe penetrou vigorosamente a pele. A dor, no entanto, foi logo embora porque os braços e pernas afrouxaram-se na hora, amolecidos, levando-o a cair de bruços na beirada do estrado, de modo que a parte da cabeça dele lhe permitisse acompanhar a movimentação lá embaixo.

 

     Joaquin, num ímpeto de desespero, berrou novamente atirando duas vezes com o rifle antes da munição acabar. O monstro, pela primeira vez, sentiu o baque dos tiros, retrocedeu alguns centímetros a emitir um chiado horrível de dor, ou de fúria!

 

     O rapaz amaldiçoou à falta de sorte. Depois de apertar o gatilho mais duas vezes, ouviu apenas cliques inúteis. Então, lançou o winchester descarregado na direção da criatura.

 

     — Toma, filho da puta!

 

     Em seguida, levou a mão ao coldre e sacou a arma. Em postura de ataque, numa velocidade impressionante, Frank reparou as longas pernas do monstro se arquearem para baixo como se tencionasse pular; das laterais do seu corpo esférico dois finos tentáculos à semelhança de cordas surgiram estendendo-se céleres como flechas até seu irmão. Uma das “cordas” envolveu o pescoço de Joaquin enquanto a criatura diminuía o espaço entre eles e o elevou para cima, enforcando-o.

 

     Frank, paralisado, não conseguiu desviar o olhar ao ver incrédulo o irmão, mesmo em agonia, apontar o revólver para a cabeça embutida no corpo da besta. “Atira” grunhiu entre os lábios pesados pela dormência e ficou completamente em choque ao assistir a cena seguinte: o outro tentáculo envolveu o braço do rapaz na altura do ombro, apertou e o arrancou fácil como se estivesse puxando fruta de árvore. O sangue espalhou-se por sobre o chão abaixo das pernas trêmulas do agonizado.

 

     O monstro, como que a apreciar a sua condição de vitória, seguro da situação, largou o membro humano decepado e, ato contínuo, envolveu a cintura do oponente tomando o cuidado de prender o outro braço junto ao corpo dele. Um grito estridente, histérico, de puro horror, irrompeu da garganta de Joaquin quando ela afrouxou o laço do pescoço e o trouxe mais para perto de si.

 

     — Herman, você sabe o que essa coisa quer?

     — Ela é uma predadora. É carnívora. Precisa comer, e come de tudo que possa botar as patas. Mas tem preferências de paladar, sabe? Gosta de comer humanos... bem, há algo em nós que ela aprecia muito mais, uma espécie de guloseima para ela

     — E o que é?

 

     Frank, nas horas restantes de vida que ainda ficaria pendurado de cabeça para baixo em uma das cavernas na montanha, não conseguiria se livrar do que viu a seguir.

 

     Joaquin, num esforço desesperado, voltou o rosto lá de baixo na direção dele. Na expressão contorcida de pavor, iluminada pela luz trêmula da fogueira próxima, destacaram-se os lábios tremidos do irmão enviando-lhe um pedido impossível: “me ajuda, por favor”.

 

     A cabeça embutida da aranha deslocou-se alguns centímetros à frente; do orifício no centro desta, projetou-se um tubo translúcido que, num movimento rápido e preciso, perfurou a lateral da cabeça do moribundo. Os olhos do rapaz se reviraram para cima deixando apenas o branco das escleras à mostra, a boca se abriu de forma grotesca sem emitir som enquanto sangue e pedaços de cérebro eram aspirados através do tubo.

 

     Depois de algum tempo, o monstro largou o rapaz no chão como se fosse um boneco de pano desconjuntado. Frank, homem acostumado a dureza da vida, não aguentou aqueles quatros olhos reluzentes voltarem-se na sua direção e agradeceu pela escuridão que o envolveu.

 

     Havia desmaiado de pavor.

 

     7

     Quando finalmente Herman conseguiu acender o lampião a óleo, a primeira coisa que Jack Caolho viu, depois de alguns segundos a fim de adaptar-se à claridade, foi um amontado de pepitas de ouro  ao lado da escada de acesso àquele buraco.

 

     No entanto, o bandido jamais conseguiu dar um único passo até o tesouro porque, de súbito,  sentiu um dardo encravar-se na altura do pescoço. Todo o seu corpo amolecido esparramou-se no chão.

 

     O assaltante, estarrecido, deitado ao comprido e de cara virada para o lado viu-se diante de um quadro bizarro: quatro pontos luzidios destacavam-se na penumbra mais distante do fundo do cômodo e, ao lado numa perspectiva mais à frente, Herman estava de pé com uma expressão sinistra e debochada na cara.

 

     — Hi, hi, hi, Herman acha que Jack está num beco sem saída.

 

     Uma forma aracnídea, um pouco menor do que o velho, surgiu à claridade e ficou ao seu lado.

 

     — Hi, hi, hi, este aqui é o filhote dela. Ele precisa comer também!

 

     Foi com horror que Jack viu o “filhote” empurrar com uma das patas algumas pepitas de ouro aos pés de Herman. O garimpeiro agachou-se, tomou as pepitas nas mãos e, inclinando o ouvido para o lado da criatura, escutou com atenção ela emitir um conjunto de chiados lentos e irregulares.

 

     Então, o velho se levantou, assentiu positivamente, e um largo sorriso banguela lhe tomou o rosto pregueado.

 

     — Hi, hi, hi, você quer que eu traga mais, é? Pode deixar. Trabalho é trabalho... Hi, hi, hi...

 

 

 

 

 


Temas do CLTS 17: Horror no velho oeste  /   Mutação genética


 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 30/11/2021
Reeditado em 24/12/2021
Código do texto: T7397402
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