PASSOS NO CORREDOR

Sou técnica de enfermagem e trabalho em um hospital muito antigo, ele tem mais de cem anos e é o maior da cidade. Mais de quatrocentos leitos para um pequeno exército de enfermeiras tomarem conta. Nunca quis trabalhar na área de saúde, mas entre ganhar um salário mínimo como caixa de supermercado e levar o dobro para tolerar médicos estressados e pacientes chatos... Tenho duas bocas pequenas para sustentar lá em casa. Nem pensei duas vezes.

Estava em mais um plantão noturno quando solicitaram que eu fosse até a farmácia pegar um medicamento que estava em falta na enfermaria. Para chegar na farmácia eu tenho que passar por um corredor muito longo. Vou ser sincera: não gosto de passar por ele. Sempre me causa medo, sempre tenho a impressão que há qualquer momento vou ver algo...

Meu relógio diz que está perto da meia-noite. Não tem jeito, eu tenho que ir, não dá para simplesmente falar para a enfermeira “mande outra ir pegar o medicamento porque tenho medo de andar no corredor”. Eu tenho que ir.

É um corredor muito longo, quase cem metros de extensão, em suas paredes antigas existem retratos de antigos diretores do hospital e diversos quadros de paisagens. Ninguém nunca presta atenção nesses quadros, mas a noite eles ganham um ar meio lúgubre. Mais ou menos na metade do corredor tem um pequeno museu envidraçado contendo antigos equipamentos médicos. Durante o dia o corredor é movimentado, mas a noite ele é totalmente deserto.

Não adianta ficar protelando. É melhor eu ir pegar logo esse maldito medicamento.

Estou andando no corredor. Tudo está em silêncio. “Quanta bobagem! Nada vai acontecer, sua tonta” falo mentalmente para mim mesma.

Já estava quase na metade do caminho quando tive a impressão de ter escutado passos atrás de mim. Viro-me. Não vejo nada. Continuo seguindo. Novamente escuto algo atrás de mim. São passos. Escuto o toc toc dos sapatos claramente. Rapidamente viro para olhar quem está me seguindo. Não há ninguém. Sinto minha respiração ficar pesada. Quero correr, mas não consigo. Sinto as pernas pesadas e uma sensação esquisita que parece querer grudar na minha pele. Tenho medo de admitir mas sei que estou com medo. “Merda porque não pedi para alguém vir comigo? ”. Sigo andando. Imediatamente o som de passos atrás de mim retoma. Sinto um frio na nuca. “Tenho que correr, tenho que correr” ... não adianta, eu não tenho forças. O som vai ficando mais alto ... sinto a respiração entrecortada ... o som está muito perto de mim. O medo me paralisa. Sinto que algo vai acontecer comigo. Não tenho mais coragem de virar para ver o que está atrás de mim. Algo está ao meu lado. Algo está passando por mim ... um frio intenso percorre meu corpo, um frio que nunca senti antes na vida. O medo ganha um contorno inominável em mim.

O som de passos me ultrapassa e segue seu caminho.

Chego a farmácia pego o medicamento solicitado e volto para a enfermaria. Na volta não escuto nenhum som de passos. O corredor está em silêncio. Cheguei na enfermaria usando todas as orações que aprendi com minha mãe.

Nunca mais escutei aqueles passos. Tempos depois fui trabalhar em outro hospital. Dessa vez um hospital novinho em folha.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 24/12/2021
Código do texto: T7413954
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