ASYLUM

Dona Arminda de 74 anos, acordou e saíu caminhando com dificuldade apoiada em sua muleta de madeira. O toc- toc ressoava pelos corredores vazios do asilo de idosos, seu lar há quatro anos. Abriu a porta de um dos quartos e arregalou os olhos. Sobre as quatro camas estavam mulheres mortas. No final do corredor havia uma porta semi aberta, uma mão masculina para fora. Dentro do recinto jaziam os corpos de dois homens idosos imundiciados de fecália e urina, recobertos de moscas. Escutou um barulho vindo do andar superior, tomou o elevador para averiguar. Seguindo o ruído foi até um dos quartos. Uma mulher estava caída no chão, ao lado da cadeira de rodas.

— Que aconteceu aqui? Não apareceu ninguém para servir refeições, nem fazer a higiene corporal.

— Meu nome é Benedita, tenho 80 anos. Os funcionários abandonaram o asilo em pânico e foram embora, nos deixaram sózinhos. O corona vírus contagiou a todos. Ajude-me a sentar na cadeira de rodas, não posso andar. Eu cobri as outras duas companheiras de quarto mortas com o lençol, todos aqui morreram por falta de assistência, remédios, fome. Os cadáveres começam a se decompor, o mau cheiro atrai insetos e moscas varejeiras. Celulares foram recolhidos e o telefone interno não funciona. Estamos condenadas a morrer à míngua.

D. Arminda ajudou ela se sentar na cadeira, tomaram o elevador para o andar inferior e foram para a cozinha. No armário haviam enlatados, flocos de cereais e bolachas. Ela serviu nas tigelas para comerem.

— As portas e janelas são protegidas por grades, estamos prisioneiras aqui dentro desse mortuário. O portal da entrada e saída funciona com um cartão e senha, apenas os funcionários podem abrir. Esse asilo de ossos velhos fica afastado 5 km da cidade, é rodeado pela muralha e perto dum bosque. Voce tem familiares?

— Uma filha desnaturada que mora longe daqui, há três anos que ela não vem mais me visitar.

— Eu tenho um filho adotivo casado com uma megera. Ela não quiz mais me aturar, virei um fardo indesejável para eles, me trouxeram para cá e desapareceram.

— Irei de elevador no andar de cima recolher produtos de higiene dos banheiros, enquanto voce cozinha. Faça uma sopa de ervilhas para nós. Não esqueça de desinfetar a dentadura e as mãos.

D. Arminda se ocupava das panelas, escutou o barulho dum baque e foi ver o que era. Benedita estava imóvel no chão, com o pescoço quebrado, os olhos fitando o vazio. As rodas da cadeira virada giravam, rangindo num sinistro ruído.

— Maldita bruxa velha desgraçada! Ela se suicidou, jogando-se da escada. Me deixou sózinha, trancafiada aqui nesse mortuário macabro, morgue de defuntos putrefatos.

Terei que comer toda a sopa de ervilhas sózinha. Pegou o pano de prato para espantar as moscas que zumbiam ao redor, uma delas caíu dentro da terrina de sopa.

— Insetos maléficos! Atirou a vasilha contra a parede, ficou observando o caldo verde escorrer, formando uma figura disforme semelhante a cara duma caveira desdentada. Lá fora no bosque revoava um corvo grasnando a lúgubre balada da morte. . .

------> segue no cap.2

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NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 15/01/2022
Reeditado em 15/01/2022
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