PINTINHAS E PORCOS, todos cúmplices

 

Porco em uma poça imagem de stock. Imagem de sujeira - 32735779

 

 

As vielas eram escuras, mas, a luminosidade em tom violeta que escapava por entre as frestas das janelas, indicava que naquele lugar carnes eram vendidas, pardas, amarelas, alvas e avermelhadas, a preço baixo e sem direito a reclamação. Ali não havia empréstimo, doação ou calote, os casos adversos desapareciam no curso do rio. A 'mão de ferro' de lá tinha mãos longas e unhas pintadas, por trás da máscara de durona, morava um monstro...rica morando num barco luxuoso e seu prostíbulo era podre, fétido e apenas a escória ali frequentava. Todas as noites a 'Madame" fazia a ronda a busca de novas pintinhas, as bonitas não trabalhariam pra ela, então, selecionava as mais estragadinhas para a sua clientela farta e com pouco tempo, muitos deles eram fugitivos, sórdidos comerciantes, outros casados pobres.

 

As noites rotineiras eram de meia hora no máximo para atender cada cliente, eles que se apressassem, as pintinhas precisavam ganhar dinheiro, afinal a maior parte ia para as mãos da 'Madame', então, a vida útil delas era muito curta acabavam jogadas porta afora e ai de quem reclamasse de alguma coisa, acabavam mortas ou se vendendo nas ruas por um prato de comida. Ninguém acreditasse que a 'Madame' tinha algum tipo de sentimento por elas, algum remorso, ela era uma rocha gelada, trocava as moças como se descartasse um pano de chão, sem valor apenas utilidade. As raras vezes em que a 'Madame' abria a guarda, chamava um dos seguranças e dizia dispa-se, fazia uso dele, remunerava e a próxima abertura de guarda poderia demorar meses ou mais, só alívio da carne.

 

Ouvi muitas histórias contadas pela boca suja de Greta, uma velha pintinha, que no auge dos seus trinta e dois anos, tirou a sorte grande numa loteria local e mudou de vida. Jornalista que sou, me ative a uma delas apenas, só para pontuar como fora a vida dela nos tempos da ‘Madame’.

 

Greta já trabalhava no bordel há quatro meses, mas, embora já tivesse presenciado várias situações abomináveis, uma em especial marcou a sua calejada vida. Chegou ao bordel suja e esfarrapada, uma jovem com certeza ainda menor de idade, o que naquela vida aquilo não era novidade. A moça chamava-se Lorraine, por baixo daquela crosta de sujeira e maus tratos existia uma estrelinha linda, só que depois de um banho e alimentação decente a aparência dela surgiu plena, somente se manteve o olhar de peixe morto, por tudo que já tivera que passar nas ruas. 'Madame' quando viu a moça pronta colocou um preço mais caro para os seus serviços. Caso quisessem possuí-la teriam que desembolsar uns cobres a mais, previa que seu tempo por lá seria de uns oito meses, depois não serviria para mais nada. Logo na primeira noite fez um leilão da moça, para saber quem seria o primeiro com a novinha, quem deu o maior lance foi o dono de um abatedouro de porcos, com algumas posses e fedido que só, pobre de Lorraine seu sofrimento não tinha fim, só tomava banho e tinha comida no prato. O homem grande, era nervoso e na hora da maior excitação, a tratou como um buraco d’uma árvore, sem preparo, sem cuidado, só brutalidade e força excessiva, resultado...estragou a moça pra sempre, o último grito dela foi dilacerante. Quando os seguranças entraram no quarto havia sangue para todos os lados e Lorraine soltava o seu último suspiro. ‘Madame’ revoltada, chicoteou o homem até não lhe sobrar um naco de pele. Pediu que o embrulhassem num tapete e descartassem junto com Lorraine no rio. Aquela notícia não poderia sair daquele quarto, a má propaganda não seria boa para o seu negócio.

 

A casa continuou funcionando normalmente, para quem quis saber quem seria o próximo com a nova pintinha, respondeu-se que ela havia fugido e o caso foi encerrado. Quando o serviço da casa terminou, a casa teve que ser bem limpa e o que existia no quarto da tragédia foi queimado, passaram cal nas paredes, aspergiram um insuportável perfume doce e o dia seguinte seria sem memórias. O caso marcou Greta por ter podido presenciar a frieza cruel de um ser dito humano codinome ‘Madame’, não conseguia crer que aquela mulher conseguisse dormir profundamente, mas, ela dormia serenamente.

 

À princípio como jornalista que sou, pensei em publicar a história, mas, Greta preferiu apenas desabafar e me pediu que deixasse o fato enterrado, só se abrira com ele porque nem todo o dinheiro que tinha, poderia apagar a sua vida pregressa, o relato foi só para aliviar o peso. Não haviam inocentes no bordel, eram vítimas, algozes e cúmplices. Anos depois quando Greta soube da morte de ‘Madame’, achou que o universo foi bem injusto, pois ela morreu sozinha em seu luxuoso barco, provavelmente das complicaçõóes da idade avançada. Atendi ao desejo dela, mas, coloquei a história dentro de um conto, não pontuando nomes ou lugares, como se fosse uma homenagem póstuma para Lorraine, Greta ficou satisfeita com o resultado, talvez tenha dormido o sono mais tranquilo de sua vida, quando soube do sucesso que obtive com a história.

 

 

 

* Imagem de     pt.dreamstime.com

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 26/02/2022
Reeditado em 26/02/2022
Código do texto: T7460823
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