CLTS 19 - Tema: Terror Gótico

 

 

     Inglaterra, abril de 1930.

   Meu querido neto Joseph, repares bem que a história que passo a relatar aqui nestas folhas amarfanhadas já se vai há muito no enrodilhar inflexível do tempo. E para os outros, que por acaso encontrarem este escrito, deixo-vos cientes: Edgar Harker é o meu nome.

   Tenho exatos noventa anos.  Estou velho, é bem verdade, mas não senil. Afirmo, apesar dos recentes lapsos de memória, estar em pleno domínio dos meus pensamentos, conquanto me seja dado preservar as reminiscências mais antigas.

   Não tenho medo da morte, não obstante inquieta-me abandonar este mundo por qualquer falha abrupta de meu coração cansado ou, quem sabe, perder a lucidez sem antes deixar registrado uma ominosa passagem de minha vida da qual me envergonho profundamente. Quisera eu poder esquecer aquela trágica noite, mas não posso!

   Pouco me importa o teu julgamento. Quando lerdes estas linhas, já estarei morto. Faças desta leitura o que melhor lhe aprouver. De minha parte, quero apenas aliviar-me das sombras pesadas que, ainda, me acompanham por todos estes longos anos.

 

 

   O lamentável episódio ocorreu em plena juventude dos meus 25 anos. Na ocasião, eu era o lacaio do conde Edward Teodore Grenfell, um talentoso necromante. Naqueles dias, lembro-me bem da comoção causada pela fuga da esposa do conde.

   Sim, porque após a condessa abandonar o casamento de quase quinze anos, e apenas deixar-lhe em mãos um deplorável bilhete de despedida, o lorde Grenfell tornou-se um homem extremamente amargo. Lamentava-se, não raro, o fato de ter me ausentado em viagem à época do seu infortúnio, pois acreditava que eu pudesse ter demovido a insigne senhora de cometer tal agravo à sua honra.

   E naquela fatídica noite de inverno de 1864, noite perpétua em minhas lembranças, estávamos em um percurso célere rumo à pequena vila de Gorleston, no condado de Norfolk. Tratava-se de uma nova incursão do meu mestre ao mundo dos mortos para trazer ao estado físico a alma de uma mulher recém-falecida, posto que a criatura passara a atormentar o sono do marido com algum desejo ainda não revelado.

   Na verdade, convém esclarecer, do pobre viúvo pouco sabíamos, a não ser o fato do homenzarrão sentado ao meu lado na boleia da carruagem servir como um dos mais antigos empregados de Sir Ernest George Knapton, amigo de infância de Lorde Grenfell. Não fosse aquele chamado uma oportunidade para lhe abrandar o tormento de ter sido abandonado pela condessa, duvido muito o nobre senhor do oculto em condições normais ter demonstrado interesse em ir àquela cidadezinha costeira sem graça.

   Otis Hensley, o viúvo, nos levou até uma pequena fazenda abandonada, onde ele havia, a cerca de três dias, enterrado a esposa. Importa registrar aqui que o tempo é crucial para o sucesso dos ritos da necromancia. Após o falecimento, dizem os versados, a alma inconformada permanece por alguns dias vagando em torno de sua carcaça, tanto mais quando esta revolta advém de algo pendente com um ente querido, ou a causa de sua morte tenha ocorrido de forma violenta ou traumática.

   Hoje em dia, meu caro Joseph, a necromancia perdeu o prestígio de ser uma das mais poderosas forças da magia negra. Os tempos mudaram. As carruagens deram lugar aos automóveis. Os lampiões deram lugar às lâmpadas elétricas. Os cultos de animar os corpos recém-falecidos foram relegados às simples invocações mediúnicas, muitas delas eivadas de pura fraude. Naquele tempo, as coisas não eram assim. Havia os grandes mestres. Eles eram poucos, mas muito discretos.

   Lorde Grenfell, por exemplo, era possuidor dos saberes da antiga arte oculta de unir novamente por alguns minutos o espírito à matéria e propiciava para os vivos uma ponte de comunicação a fim de se saber os últimos desejos dos mortos, oferecendo-se-lhes a paz para estes partirem de uma vez por todas. E quanto mais rápido isso fosse feito, tanto melhor.

   No desembarque da carruagem, após retirarmos todos os apetrechos necessários para o ritual, partimos sem demora para o local do sepultamento. Creia-me, era uma noite singular de mistério, enregelada como costumava ser naqueles rigorosos invernos, mas de um céu límpido de nuvens pontilhado de estrelas.

      A esposa de Otis fora enterrada a cem metros distante da casa principal da fazenda, nos limites de uma floresta de pinheiros a envolver grande parte da propriedade rural.  A aragem fria da madrugada, lembro-me bem, fazia desprender uma névoa rente ao chão proveniente da umidade, o que, realçada levemente pelo brilho da lua, imprimia ao ambiente uma atmosfera carregada de maus presságios.

   Lorde Edward, frente aos preparativos, saiu da letargia das últimas semanas de solidão. O semblante ganhou novo alento e animou-se como uma criança a ganhar doces. Ordenou a exumação do caixão, expressando recomendações enfáticas para não o abrirmos antes do início dos ritos fúnebres.

   Os ruídos da noite, então, ficaram entregues às pás em cavoucar a terra já remexida e aos pios das corujas ao redor. Trabalhamos em silêncio. Percebi a aflição de Otis. Estava nervoso, trêmulo de medo. Ainda que estivesse muito frio, o homem suava em bicas. Eu não. Já me acostumara a ver, e até auxiliar, a invocação de demônios dos quais o conde pedia ajuda. Desconhecia outro bruxo que o igualasse na corporificação das almas inconformadas.

   O trabalho de exumação não levou mais do que meia hora. O esquife, rudimentar na sua construção e sem qualquer entalhe decorativo, não passava de uma enorme caixa retangular de tábuas cruas de pinus construída pelo viúvo insone.

   Antes do conde me pedir, já sabedor dos detalhes da liturgia macabra, produzi pequenos orifícios com um formão na tampa do caixão, por onde escorreria o sangue em sacrifício. Em seguida, desenhei o pentagrama na terra, fazendo o ataúde ficar bem no centro do símbolo antigo enquanto Lorde Grenfell vestia os paramentos apropriados à cerimônia.

   Tenhas em conta, Joseph, que a neciomancia, a forma mais arcaica da necromancia, ou reanimação de corpos, não podia ser realizada sem a presença de sangue.  Por isso, enquanto eu fincava alguns archotes em torno do caixão a fim de iluminar melhor o local, Otis, a pedido de Lorde Edward, tratou de buscar como fora combinado no dia anterior um de seus animais da fazenda para o sacrifício.

   Torna-se necessário, na altura desta narrativa, esclarecer o meu desejo de não detalhar os sortilégios para levar a efeito a encarnação da alma da mulher de Otis Hensley porque não é este o propósito da minha história. Não tenho, perdoem-me os interessados, a intenção de deixar qualquer ensinamento sobre o maldito ritual necromante assentado nestas páginas.

   Anotada esta minha vontade, afirmo sem a menor dúvida que, embora tenhamos seguido à risca todo o processo da antiga arte oculta de animar os mortos, infelizmente algo manifestou-se de muito errado naquela noite!

   O conde, como sempre, investindo-se do poder profano, invocou alguma entidade demoníaca para trazer do mundo das almas em trânsito a companheira de Otis. Não obstante, antes mesmo do Senhor do Oculto encerrar os últimos ritos da invocação, aconteceu algo que eu jamais havia presenciado em rituais anteriores: o caixão começou a tremer vigorosamente, fazendo ranger a madeira úmida dentro do silêncio da noite!

   Ora, aquilo era muito incomum! Inesperado. Pulei para trás sobressaltado, aterrorizado! Otis quase caiu desfalecido. O conde, estupefato, ruminava lá algum erro cometido no encantamento, porquanto alguma coisa lhe escapara do controle, e tal fato não se afigurava nada promissor.

   Diante daquele cenário sinistro, mal iluminado pelas tochas dispostas ao derredor, em meio a névoa espessa que se avultava do chão, vimos a tampa do esquife ser arremessada violentamente para o lado sem impedimentos, como se pregada não estivesse!

   Apesar de eu já estar acostumado com as manifestações das almas encarnadas nos corpos recém-falecidos, ainda incólumes da ação mais agressiva da putrefação, confesso o meu horror quando vi aquelas mãos cadavéricas extremamente secas procurando se firmar nas bordas do caixão. E a julgar pela decomposição dos braços, dos quais já se viam os ossos, conclui que se a mulher de Otis morrera há três dias, então aquele defunto não era ela!  

   Lembro-me, nitidamente até hoje, passados todos estes anos, de dois ataques distintos de perturbadora violência contra os meus sentidos, ambos igualmente aterradores.

   Primeiro foi o impacto visual, porque aquilo que se levantou do caixão, levantou-se só em pele e ossos! O corpo esquálido, descarnado pelo estado avançado da putrefação, brilhava sob a luz da lua de modo suave e, ao mesmo tempo, grotesco porque nas áreas não cobertas pelo vestido amarfanhado como braços, ombros e o rosto putrefato, podia-se ver milhares de minúsculos movimentos aleatórios a emitir leves cintilações contra a fraca luz dos archotes: os vermes trabalhavam com vigor desfazendo a matéria do que outrora fora uma mulher.

   Creia-me, aquilo foi uma visão aterrorizante que jamais esqueci!

   Em seguida, no segundo choque, trazido pela brisa frouxa da madrugada, veio-me de encontro, numa onda concentrada em dissipar a aragem da noite fria, o odor pestilento emanado da morta. O miasma de podridão, o qual não disponho de palavras para descrevê-lo, levou Otis a cair de joelhos lançando jatos de vômito por todos os lados. A náusea também se assomou em mim marejando-me os olhos, sufocando-me, contudo, devido a minha experiência, aguentei firme.

   — Otis, O que significa isso? Esta não é a sua esposa! – ouvi lorde Edward afirmar, espantado, num esgar trêmulo de voz, enquanto atirava um olhar contrariado ao homenzarrão prostrado ao chão em profundo horror.

   — Não! Não, meu senhor... de fato, esta coisa não é a minha mulher! Ela invade todas as noites o meu sono porque exige falar com o senhor! Eu a encontrei boiando em um rio próximo daqui. Isso já tem para mais de duas semanas. Desde então, não tenho mais sossego! – disse o fazendeiro trêmulo.

   — Quem é esta mulher? – perguntei-lhe atônito, afastando-me de costas sem tirar os olhos da morta.

   Otis Hensley levantou-se. O rosto esbranquiçado expressava a mais pura incredulidade. O pânico impedia-lhe de falar, mesmo assim mexeu a cabeça de um lado para outro de modo enfático, expressando não a conhecer. Em seguida, tartamudeou um pedido de desculpas para o conde e, sem mais, deu meia volta. O homenzarrão fugiu, sumindo dentro da noite em sua aflição extrema de ver-se livre daquele fardo. Nunca mais o vi.

   Antes de eu sequer esboçar a intenção de fazer algum comentário no sentido de especular aquela inusitada situação, de súbito a morta levantou o braço e apontou o dedo ressequido na direção de Lorde Grenfell! Meu coração quase susteve o ritmo, chegou a doer, a inflar, parecendo que iria explodir. O conde ficou lívido. Uma voz gutural saiu da boca descarnada da criatura sem lábios, onde mandíbula e dentes mostravam-se desafiadores.

   —  Tu... maldito sejas!

   Após estas palavras, as minhas percepções logo foram atraídas para o vestido amarfanhado da defunta! A partir dele, do vestido em frangalhos, movimentos intricados do meu raciocínio tentaram subverter a verdade diante de mim. Eu não queria acreditar!

   Talvez, o meu subconsciente quisesse me poupar da dura realidade. Lorde Edward, no entanto, parecia considerar muito bem o peso daquele dedo acusador. Malgrado me custasse a crer, confirmei na voz trêmula de meu lorde o receio das minhas próprias conclusões.

   — Elizabeth!

   O rosto devastado da morta, movediço de vermes, ornado por feixes aleatórios de cabelos emplastrados de lama e sangue de animal, voltou-se em minha direção. Duas órbitas vazias perscrutaram-me a exigir atenção e por pouco não berrei em pânico.

   — Ele me matou Edgar. Fui torturada por ele. Assassinada! As mãos imundas do seu magnífico senhor, por quem tu tens tanta admiração, apertaram minha garganta até à morte! - ela disse naquela voz arrastada, permeada de grunhidos anasalados como se lhe ar faltasse.

   A comoção abrupta de saber do assassinato da Condessa Elizabeth me abalou profundamente. Minhas pernas fraquejaram. As ocorrências nebulosas da sua inexplicável fuga, agora, faziam todo sentido. Por isso a resistência de lorde Grenfell em não deixar ninguém ver o bilhete de despedida, nem mesmo os parentes mais próximos dela! Ele a estrangulara até a morte.

   — Não tenho porquê lhe dar satisfações, lacaio, mas esta messalina me traiu. Tu ouviste bem, Edgar? Ela me traiu. Descobri seus planos para fugir com outro homem – disse ele a elevar a voz enquanto sua fisionomia se crispava da surpresa à raiva.

   No entanto, o semblante enfurecido do conde logo voltou a expressar descrença quando eu, sem pensar nas consequências, talvez desorientado por aquela revelação, gritei-lhe de volta, tomado de um ódio súbito, incontrolável, que embotou completamente o meu juízo.

   — Ela me amava! Tu percebes? A condessa me amava, seu desgraçado! Não davas a ela amor, apenas a humilhação abaixo de pancadas. Assassino! Filho de uma rameira infeliz!

   O nobre senhor do oculto, perplexo, levou alguns segundos para assimilar todas as implicações daquela revelação. Seus olhos aparvalhados piscavam numa velocidade incrível, a cabeça se remexia inquieta querendo negar a humilhante realidade enquanto balbuciava vacilante: “Não! Não pode ser! Não é possível. ERAS TU?”.

   Entretanto, o assombro se esvaiu logo.

   Após os poucos segundos de incredulidade, ele se recuperou da surpresa e sacou uma pistola do colete interno de seu sobretudo. A despeito de minhas pernas trêmulas custarem a me obedecer, tentei instintivamente dar alguns passos para trás na ânsia de buscar refúgio nas brenhas da floresta, todavia meu intento foi impedido pelo desabafo explosivo e colérico do conde.

   — Como tivestes a ousadia de me trair, hein? Como? Elizabeth há meses recusava-me em suas obrigações de esposa! Sou rico, inteligente, famoso. E tu?  O que tu és? Diga-me. Diga-me, seu desgraçado. O que tu és? Tu não passas de um reles capacho a lamber a sujeira das minhas botas. Maldito. Tu és um maldito traidor!

   Tu imaginas a cena, Joseph? Dois homens absorvidos pelo ódio em reagir aos movimentos de confronto de um para com o outro. Sim, pensastes bem. Esquecemos, no calor do momento, a alma de Elizabeth presa àquele invólucro repulsivo. Quando lorde Edward deu-se conta deste importante lapso de atenção, já era tarde demais. Ela se aproximou sorrateira por de trás e o agarrou, envolvendo seus pútridos braços em torno do peito e da garganta dele. O agarramento da morta em seu corpo assustou-o, levando-o a deixar cair a arma ao chão.

   A partir deste momento, presenciei a cena mais grotesca no conjunto cristalino de minhas lembranças: a luta desesperada do conde na tentativa de livrar-se daquele abraço macabro. Seus pés tentavam a todo custo fincar-se no solo fofo no intento de posicionar-se contra o arrasto impiedoso da morta, mas os seus esforços apenas provocavam sulcos na terra a não lhe permitir apoio.

   — Tu, agora, vais me acompanhar em meu novo lar, querido! – ela sibilava no ouvido dele enquanto o arrastava resoluta para junto do caixão, ao lado do buraco escancarado à noite gélida.

   Naquela confrontação de forças do homem contra a morta, infelizmente, fui coagido a tomar partido de um deles. Pois aqui está o ato vergonhoso da minha desgraça! Não me tenhas, Joseph, como um covarde... porque a minha decisão foi amparada num momento confuso de sentimentos entre horror, ódio e deslumbramento.

   Lorde Grenfell, próximo do caixão, reuniu todas as forças motivadas pelo desespero de ver-se enterrado vivo e conseguiu enfraquecer a determinação do arrasto de Elizabeth. Ele já estava quase a se desvencilhar do abraço mortal quando ela lançou as suas órbitas vazias na minha direção, que adquiriram um brilho pungente dentro da noite, e ouvi a voz gutural suplicar por ajuda:

   — Edgar, meu querido, venha me acudir! Quero levar este infeliz junto comigo à eternidade, meu amor. Venha!

   Hesitei por alguns segundos horrorizado com a proposta. Porém, naquele momento, fui acometido de uma visão, não sei se por obra de algum demônio ou por minha insana vontade de tê-la de volta, de tocar novamente aqueles lábios, de sentir outra vez o calor de seu corpo, porque aquela horrenda criatura descarnada e fétida, de repente, transmudou-se na bela mulher por quem me apaixonara na adolescência.

   E lá estava ela, linda como sempre o fora, com o semblante contraído de fazer esforço para puxar aquele maldito. Hoje, penso ter sido ludibriado pelo demônio com quem, de certo, Elizabeth barganhara a alma para poder vingar-se de seu algoz.

   A presença da minha verdadeira Elizabeth retirou-me da apatia, jogando-me à frente como uma mola. Ouvi o infeliz gritar “não” desesperado várias vezes enquanto tentava me afastar com as pernas. Não me deixei levar pela misericórdia. Ajudei a empurrar o condenado para o seu destino. Ele gritava, chorava, pedia perdão à morta e uivava como um animal ferido.

   Depois de alguns passos para trás, os dois deram com a borda de um dos extremos do esquife e caíram dentro dele. Em meio às tentativas desesperada de sair do caixão, os olhos do conde buscaram em agonia os meus.

   Estejas certo disso, pela primeira e única vez na minha longa vida pude testemunhar o horror em estado puro manifestado pelo olhar humano! Os olhos de lorde Edward estavam escancarados como se inflassem, como se quisessem sair das órbitas molhadas pelo choro convulsivo. Ela o abraçava forte, decidida, por debaixo do corpo dele retornando àquele estado pútrido.

   — Pregue a tampa do caixão, Edgar – ela exigiu, sem disposições no tom de voz para se discutir.

   O ódio por ele sobrepujou meus outros sentimentos, distanciando-me dos gritos, do choro, dos apelos de misericórdia, do arranhar das unhas nas paredes internas do caixão e, sem dar muito com a razão, o lacrei com os velhos pregos enferrujados resgatados por ali perto. Feito o serviço, empurrei o esquife de lado para dentro da cova, que emborcou e caiu com a tampa virada para baixo.

   Eis aí, meu querido Joseph, a ignomínia de minha conduta a me transformar no arremedo do homem que fui durante décadas. Eu a ajudei e, se não fosse por mim, provavelmente o conde teria escapado de ultrajante sofrimento! Envergonho-me, sim, de minha postura desprezível, entretanto, mesmo que isso não legitime o meu ato vil, por influência doentia de perder um grande amor, quero registrar não ter passado incólume pelo acontecido.

   Muito tempo se passou, como já o disse, mas ainda hoje, não raro, em noites em que o sono custa a me envolver, ouço nitidamente entre o barulho peculiar dos montículos de terra jogadas no caixão, os gritos sufocantes de lorde Edward e a risada discreta, abafada, rouca, e vitoriosa de Elizabeth!

 

 

 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 06/05/2022
Reeditado em 01/07/2023
Código do texto: T7510786
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