Satisfação

O cabelo molhado batendo na cintura, os shorts deixando a pele exposta arrepiada pelo vento, a blusa azul marinho que há tempos ficara guardada no guarda-roupa e os olhos assustados de alguém almeja fugir da própria vida - era essa a descrição resumida da mulher que vinha descendo a esquina, com os chinelos ecoando os passos fortes e a resignação de quem não tem mais o que perder.

Ela vinha com o mais doce dos perfumes e a mais sincera das lágrimas, com o coração batendo forte, a pele do pescoço queimando e o nó na garganta de quem guardou muito o que dizer. O carro a esperava na esquina, com os faróis acesos e o interior escuro. Antes de entrar, ela parou. Enfiou algo na boca. Respirou o ar daquela noite. Pensou. E então, retornou ao frenesi desesperado de quem acaba de descobrir uma traição. Ela só queria falar.

Aquele que um dia fora sua maior aposta esperava dentro do veículo, com os olhos escurecidos e a feição curiosa - ele não esperava por aquilo, não agora. Mas não se importava, no fim das contas. Já estavam separados - ela já deveria ter imagino. Ele não lhe devia nenhuma satisfação e faria questão de confirmar isso no momento em que ela transcorresse o discurso.

Absorta nos próprios pensamentos, ela permaneceu em silêncio tácito olhando fixamente para frente e sentindo o próprio cheiro enquanto respirava fundo com metade do rosto enterrado entre os braços. Ele começou a dirigir, procurando um lugar distante da vista dos curiosos, pensando no quanto ela era bonita e no quanto o raio de Sol que conhecera um dia havia se tornado num abismo sem fundo, quase sem chance. Talvez sua culpa, afinal. Talvez não. Quem é que é um raio de luz o tempo todo, afinal?

Ela parecia cansada. Parecia não ter mais forças para conter o rompimento das próprias emoções. Parecia estar no último fiapo do último fio. Ainda assim, ela ainda lembrava a força de um furacão. No fundo, ele tinha medo dela. Como?

Quando pararam o carro no alto de uma colina, ela desceu.

Ele desceu atrás.

Ela discorreu sobre a história desde o início - mesmo sabendo que ele a conhecia melhor que ela. Por alguma razão, aquela narrativa fez com que o estômago dele revirasse e a necessidade de perdão viesse a tona, como um sopro. Aliás, o vento começou a soprar com força crescente. As árvores se moviam enquanto ela falava. O chão parecia sair do lugar. Com a voz calma, o caos do tempo não parecia afetá-la. Ela falava, falava e falava. Quando ele tentou segurá-la, a primeira e única lágrima explícita caiu e sumiu ao tocar sua mão. Quando procurou os olhos dela de novo, haviam ido também. Ela se tornara o próprio vento e o abandonara naquele caos. Ele não disse adeus. No fim, era ele quem estava morto.