Mudanças.

Meu pai sempre me dizia que tudo que alguém acredita com força pode se tornar realidade.

Quando nos mudamos para o prédio da rua Oslo eu odiei, não que nutrisse ótimos sentimentos pela nossa antiga casa,mas sair de um lugar com quintal e três quartos para viver num pequeno apartamento nunca me pareceu algo fascinante mesmo que a localização fosse excelente. Meu pai havia sido promovido e parte dos benefícios era aquele apartamento onde ele dizia sempre que seria o começo de uma grande mudança, o prédio bege ficava a duas quadras da estação de metrô, havia um mercado na rua de cima, porém a rua era sempre vazia, nós ficamos com o décimo quarto andar e quase nunca se via alguém e quando se via a educação não era o forte daquelas pessoas, um dia meu pai chegou a dar um bom dia e estender a mão enquanto um senhor que beirava os cinquenta anos virou-se e fez de conta que éramos invisíveis.

Devido a pandemia que mesmo num ritmo mais controlado as escolas ainda continuavam fechadas, eu tinha pouca coisa para fazer e então as vezes andava pelos corredores mesmo que meu pai tivesse ódio disso.

No décimo terceiro andar havia uma porta no final do corredor e não havia um dia sequer que eu não morresse de curiosidade do porque colocaram algo assim sendo que não tinha um apartamento ali, meu pai dizia que era mais barato uma porta velha do que uma parede de tijolos e talvez ele tivesse razão.

Quando o barulho de móveis se movendo começaram com certeza já passava da meia noite, eu queria levantar, mas a sensação de insegurança era grande demais, eram diversas vozes no corredor e eu nada conseguia entender e apenas cobri a cabeça e comecei a rezar todas as rezas que ainda lembrava e olha que não eram muitas e quando consegui cair no sono tive a sensação de que tudo iria melhorar.

Meu pai não ouviu nada, mas eu precisava ver com meus olhos pois um barulho daqueles deixaria marcas de alguma forma, porém nada, nem sequer um único arranhão, não havia um único sinal e eu senti que talvez estivesse mesmo ficando tolo ou estivesse tendo um daqueles sonhos que se confundem com a realidade.

Quando os barulhos voltaram eu pensei em me esconder, talvez fosse mais seguro, mas até quando eu faria isso? Meu pai dormia tão fortemente que talvez não acordasse nem com um meteoro e as vozes pareciam mais nítidas a cada passo que eu dava em direção à porta da sala, mas eles não brigavam, pelo contrário pareciam felizes e eu poderia jurar que haviam crianças no meio, porém era insuportável o ranger de móveis no chão, o barulho era tão ensurdecedor que em um momento se tornou impossível continuar seguindo até a porta e descobrir quem eram aquelas pessoas.

Eu já sabia que meu pai não acreditaria e de um certo modo eu estava só, porém eu também já havia descoberto o horário que aqueles sons aconteciam, eu passei dias monitorando e a cada noite pareciam pessoas diferentes, umas vezes felizes e outras mal falavam algo,porém o barulho de móveis era sempre o mesmo então eu anotei tudo e todos os horários eram idênticos não tinha como eu errar.

Quando eu me levantei rezei,pedi apenas para a santa proteger meu pai e então antes que pudesse dizer amém um estrondo enorme rompeu ao fundo, coloquei os tampões de ouvidos e fui lentamente caminhando are a porta da sala, não escutava nada, mas havia escutado tanto aquelas conversas que sabia exatamente os momentos que deveriam estar se passando, quando saí no corredor meu coração parecia estar saindo pela boca, minha mão soava e eu quase desmaiei, porém havia um vazio enorme como sempre e apenas um corredor limpo e vazio,eu pensei em voltar e deitar, mas foi como se algo me pedisse para continuar e então desci ao décimo terceiro e de longe olhei ao final do corredor aquela porta aberta, eu fiquei parado e talvez isso tenha levado horas ou segundos quando tirei os tampões e uma luz branca incandescente veio em minha direção, tomando forma uma mulher com um bebê no colo passou ao meu lado e sorriu para mim,porém eu não entendia e um senhor de bigode com uma caixa me pedindo licença educadamente passou e deixou um cheiro de jasmim, então conforme eu me aproximava da porta o fluxo de móveis se tornava maior e ao cruzar aquela luz forte sobre aquele batente a formação como de um filme foi criada e um carro capotado pegado fogo na minha frente, gritos, choro e uma família em volta do carro usando roupas brancas sem qualquer expressão, uma mulher com um bebê, um homem de bigode e um garotinho da minha idade, eu comecei a chorar e as lágrimas pareciam cortar a pele e ao me virar e cruzar novamente aquela porta de volta ao décimo terceiro andar o mesmo menino que vi a pouco estava a minha frente,sorridente me abraça com um bom cheiro de flores e me diz que está feliz pois não estávamos mais sozinhos.

Eduardo Haraki
Enviado por Eduardo Haraki em 13/07/2022
Reeditado em 15/07/2022
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