O chocalho da parteira

O chocalho da parteira

Adriana Ribeiro

Dona Diá era uma velha parteira que vivia no Assentamento Sete Léguas. Dona de uma cabra mansa que desde pequenininha fora criada solta na comunidade mas sempre que os serviços da velha senhora eram requisitados, lá saía ela puxando a cabra por um cabresto. No lombo do animal levava a maioria das ervas que precisava para prestar socorro às parturientes que recorriam aos seus préstimos.

Habilidosa na arte de “aparar menino” nunca ficava mais que um mês em sua localidade e a cabra era mais que o seu bichinho de estimação. Era também a salvação das crianças mais pobres, pois seu leite, que quase nunca secava, servia para matar a fome dos nascituros nos primeiros dias em que as mães “escondiam o leite materno”.

De tanto andar de um lado para o outro com a velha parteira, o animal já conhecia as estradas da região. Vez em quando se soltava do cabresto e ficava perambulando pelas redondezas mas sempre voltava para dormir onde a velhinha estava hospedada.

Para evitar que se perdesse Dona Diá lhe pôs um chocalho no pescoço, cujo som se tornou uma manifestação cultural daquele lugar ao longo do tempo, pois, quando alguém ouvia de longe o tinir do badalo já dizia: “Lá se vem a parteira”!

Mas apesar de toda a sua sabedoria com as ervas e da missão bem comprida de trazer ao mundo muitas vidas, um dia Dona Diá faleceu.

Acharam a velha senhora caída à sombra de um juazeiro que ficava numa encruzilhada que dava acesso às entradas das quatro comunidades que servia e inclusive àquela que morava. Ali bem perto havia um cemitério onde o povo da localidade, e até “os anjinhos”, eram enterrados.

Também ali sepultaram o corpo da velha parteira. Muitos justificaram dizendo que era esse o seu desejo, outros que era o melhor a fazer pela proximidade e os mais “crentes” disseram que “os anjos a chamaram”.

Enfim! Por uma razão ou outra, ali encerraram a história da velha senhora, mas a cabra continuou pastando nos arredores com o seu chocalho badalando pra lá e pra cá.

Durante muitos meses ainda a viram perambulando por entre as covas e as vezes remoendo embaixo do pé de juá. Até que deram por sua falta e a procuraram durante o dia inteiro mas não mais a encontraram.

O som do chocalho emudecido começou a causar saudade. As mulheres não paravam de lamentar a falta da velha parteira e começaram a temer a gravidez.

O prefeito contratou um médico novo, especializado em obstetrícia, para atender a demanda das mulheres das comunidades, mas estas passaram a procurá-lo justamente para evitar que ficassem grávidas.

As crianças foram diminuindo e não se falava mais em “mulher buchuda”, “meladinha”, “pirão de capão” nem em “angu de parida”. Nada que remetesse ao nascimento de um bebê.

Até que uma noite o som do velho chocalho tocou!

Todo o povo de Sete Léguas e regiões vizinhas ouviram o badalo da cabra!

Os mais afoitos foram até o cemitério para conferir se era verdade e voltaram de lá de olhos esbugalhados .

__ A velha cabra estava lá com um burreguinho do lado. Disseram!

E quando o dia amanheceu o ajuntamento no local foi grande, porém, não havia sinal da cabra, do burrego e nem do badalo.

Disseram então que fora um recado da velha parteira para que o povo voltasse a ter filhos…

E foi assim que a história se espalhou e virou lenda.

Muita gente não acredita, mas há os que afirmam que quando nasce uma criança nas redondezas, à noite ouve-se “o chocalho da parteira”.

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 16/01/2023
Reeditado em 16/01/2023
Código do texto: T7696480
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