Homem Interior

Grama. Orvalho.

A sensação nos pés descalços era de faca cortando a pele, em linhas finas e tênues, profundas e agudas, com um grito de dor e agonia preso na garganta.

A calça de cor clara - mas indefinida - ia só até o início dos ossos dos tornozelos, deixando os calcanhares expostos ao frio. O vento assobiava e cortava junto com a grama. As feridas abertas ajudavam pouco: quanto mais exposto, pior. Mais dor. Ardiam. Se consumiam em pus e lama.

O tecido leve da calça batia na pele, ritmado pelo vento. Grudava e desgrudava das feridas. O toque trazia a sensação de nudez. O peito, exposto, já havia desistido de bater acelerado e agora se movia com lentidão, lutando pelo próximo fôlego. Que dor.

O ar gelado queimava na garganta, no nariz, no pulmão e em tudo que havia dentro. Fora, as lágrimas congeladas davam a sensação de que o rosto, por si só, havia petrificado: sem expressão. Depois de tanto se debater, restara a inércia; confirmada pelas correntes que prendiam as mãos, mas já não eram necessárias aos pés. Não iria a lugar nenhum.

Os joelhos, forçados pelo peso do próprio corpo, doíam e imploravam, com angústia, pela atuação da própria morte. Mas a morte havia recusado há tempos a sua misericórdia - era a hora do prolongamento de dores.

Engolindo seco, com dor na garganta, ainda de pé, moveu-se o máximo possível para ver o mundo ao redor. Permitindo-se abrir os olhos, percebeu que o dia estava claro. A boca seca, rachada pelo frio e pelos maus tratos, não conseguia se abrir para o grito, nem que fosse o último. Quase sufocava. Procurou gente. Três crianças corriam ao redor, alegres, absortas, divertindo-se como se não o vissem. A mãe jogava um jogo qualquer com um estranho numa conversa privada, pelo celular. Em outras ocasiões, riria. As luzes da rua, que tanto desejara ver, estavam ofuscadas pela luz do sol e as mazelas dos homens expostas sem o menor pudor. Mas quem se importaria?

Recolhendo-se à sua própria insignificância, baixou os olhos ao chão e percebeu - num breve lapso de consciência - que calçava sapatos negros de salto alto e os pés estavam protegidos por uma plataforma grossa. Percebendo as mãos livres, acariciou o próprio cabelo: curto, rapado, espinhento. Secou a lágrima. Percebeu também que não vestia branco e não tinha a pele, nua, exposta. Percebeu também que não tinha as chaves da prisão: breve voltaria ao lugar da grama, do frio, do orvalho e do escuro. Enquanto isso, a multidão conhecida se aglomera ao redor para a hora do almoço - quem mereceria tamanha tortura?! Com a gentileza de quem já desistiu, pega seu prato e se dirige ao escritório. Tinha ódio porque nenhum deles podia livrar-lhe. Não existe sensação pior que esse tipo de solidão.

Sentado de novo na mesa de trabalho, eis que ressurge o seu limbo - o suplício particular, o lugar da provação. De olhos fechados, retorna, enquanto o computador parece digitar sozinhos as palavras do trabalho automático.