AQUELE DIA NO ELEVADOR

Bernardo era tímido e gostava de rir. Terminada a aula, Bernardo se dirigiu à saída principal da escola e ficou à espera de sua mãe, Adriana.

Entrou no carro e beijou a mãe. Ao chegar à porta do prédio onde moravam, Adriana lembrou que tinha ficado de passar na casa de sua prima. Então, informou que Bernardo teria de subir sozinho, fato não muito comum em seus oito anos de vida. Bernardo não viu problema, então pegou suas coisas e entrou no prédio. Chamou o elevador e ficou à espera.

O elevador abriu e havia um homem branco, de camisa de tecido marrom, calça e sapato pretos, usando um óculos com aquele laço de segurança por trás da cabeça, e as lentes pareciam tornar os olhos maiores. Ele era gordo, mas daquelas barrigas bem distribuídas. Tinha um cabelo quase encaracolado, castanho escuro, e tinha aspecto brilhoso como se estivesse molhado ou com algum tipo de gel. Dentro da concepção de idade do menino, considerou que o homem tinha 50 anos. Bernardo achou que não o tinha visto antes.

Bernardo entrou no elevador. Pela timidez, apenas apertou o botão do seu andar sem falar nada, tentando desviar o olhar. Porém o senhor puxou assunto:

-Ei, qual é teu nome?

-Bernardo – meio surpreso, respondeu, quase que automaticamente, sem olhar nos olhos dele.

-Eu me chamo Wladimir – com um sorriso persuasivo no rosto, esticou a mão.

Bernardo, sem saber o que falar, até porque conversar assim com adultos não era muito comum, apenas riu e apertou a mão dele.

- Tu faz que série? – perguntou Wladimir, sempre simpático, querendo desinibir Bernardo.

- Eu sou da segunda. – foi quando percebeu que Wladimir não carregava nada em suas mãos, apenas segurava com as duas mãos uma longa bengala de madeira, que parecia fazer questão de movimentá-la, quase que a ostentando.

-Ah, é novinho, rapaz. Mas pra que tudo isso aí, segunda série quase não estuda! – insinuou ironicamente ao olhar a mochila nas costas e a pasta nas mãos de Bernardo.

Meio sem jeito, Bernardo tentou controlar a risada e rebateu:

-Ah, mais ou menos, né...

O elevador abriu no andar de Bernardo:

-Ah, chegou. Tchau! – disse Bernardo, ao virar o rosto e olhar nos olhos dele, e, já andando, se despediu com a mão direita, rindo.

-Até mais, Bernardo. – Wladimir se despediu, abaixando um pouco o rosto, quase que olhando por cima das lentes do óculos, sempre com um sorriso contagiante e uma fala bem agradável.

Bernardo saiu com um sorriso no rosto, se sentindo muito bem. Ele havia gostado da incomum experiência, estar sozinho num elevador com um adulto, e conversar com ele, o que lhe pareceu trazer mais maturidade e independência. Se dirigiu à porta de casa e tocou a campainha.

Ao chegar em casa não fez nada que fugisse de sua rotina. Adriana depois chegou. Bernardo almoçou, estudou um pouco, brincou. Chegada a noite, Bernardo, que dormia sempre bem cedo, deitou-se na cama e dormiu assistindo televisão.

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Durante a madrugada, quando já não passava mais carros próximo dali, a região foi tomada pelo que parecia um grito, seguido de um barulho, bem forte e nada comum...

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Amanheceu o dia. Bernardo, que era dos primeiros a acordar, se levantou e não encontrou seu irmão nem seus pais nos quartos.

Achando aquilo muito estranho, continuou procurando.

Até que os encontrou na cozinha. Eles pareciam já estar levantados há bastante tempo, mas não haviam preparado nenhuma comida ainda. Quando perceberam que Bernardo havia chegado e estava estranhando a situação, deram “bom dia” a ele e começaram a preparar a comida, tentando agir naturalmente.

Bernardo comeu, se arrumou e foi para mais um dia na escola. As pessoas que ele via no prédio pareciam estar agindo diferente, meio distraídos, ou assustados com alguma coisa. Mas Bernardo não sabia de nada, então apenas ignorou. Foi à escola, onde tudo seguiu normal.

Voltou da escola. Ao entrar no prédio percebeu que tinha uma aglomeração de pessoas conversando na quadra, onde ele costumava brincar de futebol com os vizinhos. Aí ele realmente percebeu que estava havendo algo estranho. Mas Adriana, vendo para onde Bernardo olhava, puxou-o pelo braço e levou-o para o apartamento.

Bernardo, que agora estava disposto a saber o que acontecia, disse à mãe que iria tomar banho. Dirigiu-se a seu quarto e trancou a porta. Foi para a janela atrás da cama, que dava para a área de cimento onde ele brincava de futebol. Tentou olhar o que era, mas com as pessoas obstruindo a visão, só pôde ver alguma mancha escura no cimento.

Saiu então do quarto. Em direção à sala, ouviu parte do que seus pais falavam baixinho:

-Ele tinha uma bengala que...

Bernardo chegou na sala. Seus pais calaram-se e viraram-se assustados em direção a ele. Bernardo sentou-se junto a eles e perguntou:

-Vocês tavam falando de quem? Que bengala?

-Bengala de um morador aqui do prédio, filho. – após ter suspirado e refletido alguns segundos a mãe acabou decidindo revelar a Bernardo.

-Daqui do prédio?... É um homem gordo de cabelo enrolado?

-É... – respondeu Adriana, meio confusa, esperando o que o filho ia dizer.

-Ahh, eu sei, mãe! Meu amigo ele. – afirmou Bernardo, quase que se orgulhando.

-O que? Amigo teu, Bernardo!? – disse já surpresa e nervosa.

-É, mãe.

-Deixa de brincadeira, rapaz... – falou tentando se acalmar, mantendo tom grave, como se pedisse para o filho negar.

-Ele falou comigo ontem.

-Isso é sério, viu!! – os olhos de Adriana já saiam do rosto.

-Que tem ele, hein, mãe? ...

-Olhe, Bernardo... – respirou fundo – é que... ele se jogou do 18º andar essa madrugada, às 4:30, e caiu onde agora estavam aquelas pessoas. Você não ouviu na hora?

Wladimir havia gritado e se jogado pelado, e caiu na quadra de futebol, esta que ficou com uma grande marca funda da queda mais de dois anos, quando o condomínio fez uma reforma.

Souberam que a polícia federal havia ido à casa de Wladimir, onde encontraram livros de magia negra e a bengala dele, em que mais tarde descobriram haver um dispositivo que faz sair um punhal pela ponta dela.

Com o enorme barulho da queda, a maioria dos moradores dos três primeiros andares se acordaram, mas Bernardo, que dormia no primeiro andar, bem em frente à quadra, não ouviu nada.

Cláudio Theron
Enviado por Cláudio Theron em 13/12/2007
Reeditado em 14/02/2008
Código do texto: T776201
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