O vigilante

Voshon Tyler percebeu a fumaça saindo do capô, bem a tempo de encostar o Chevrolet Vega no acostamento e desligar o motor. Maldisse a própria sorte, pois já estava atrasado para buscar a noiva, Ireena, no trabalho, e não havia nenhuma cabine telefônica à vista naquela rua escura e deserta, num bairro distante do centro da cidade. Saiu do veículo e ergueu o capô, abanando as mãos para dissipar a fumaça; provavelmente, era o carburador de novo, conjecturou. Talvez fosse melhor vender o carro ao ferro-velho e tentar comprar algo um pouco menos problemático, talvez até mesmo um Ford Pinto. Estava debruçado sobre o motor quando percebeu, no asfalto, o brilho de luzes vermelhas e azuis que piscavam preguiçosamente: sem que houvesse percebido, um carro de polícia havia parado bem atrás dele. Decididamente, seu estoque de problemas naquele início de noite parecia estar só começando.

Havia apenas um patrulheiro na viatura, um sujeito branco, alto, usando óculos escuros. O policial veio caminhando sem pressa na direção dele, e parou a poucos passos de distância, polegares enfiados no cinto.

- Boa noite, cidadão - saudou.

- Boa noite, policial. Espero não ter parado em local proibido...

- Percebi que estava com problemas mecânicos e resolvi verificar se precisava de ajuda - prosseguiu o policial, parecendo ignorar o comentário de Tyler.

- Bem... - ponderou Tyler. - Se puder me indicar onde há um telefone público por perto... preciso chamar o guincho.

- Não há telefones próximos - replicou o policial. - Posso ver seus documentos e os do veículo?

- Naturalmente - disse Tyler. - Estão no porta-luvas do carro. Posso?

- Eu o acompanho - disse o policial, aproximando-se dele.

Tyler abriu a porta do carona, e depois o porta-luvas, o policial poucos passos atrás dele, como se esperasse que em vez da documentação, Tyler mostrasse uma arma. Tyler respirou fundo e virou-se bem devagar, documentos na mão. O seguro do carro estava atrasado, mas talvez conseguisse convencer o policial a não lhe aplicar uma multa. Afinal, só com o conserto, já estaria tendo um grande prejuízo...

- Aqui está, policial...

- Williams - respondeu o homem, apontando para a plaqueta de identificação no uniforme cáqui.

Williams examinou sem pressa os papéis que Tyler havia apresentado. E, finalmente comentou em tom quase displicente:

- Parece que o senhor está com problemas, senhor Tyler.

- Se refere ao seguro... ? - Tyler sentiu um vazio na boca do estômago.

- Este seu carro... - Williams fez um gesto abrangente em direção ao Vega. - É um perigo para o trânsito essa coisa estar circulando por aí.

- Bem, policial... eu não pude ainda comprar nada muito melhor com o meu salário - teve que admitir.

- E ainda por cima, com o seguro atrasado - prosseguiu Williams do mesmo modo relaxado. - Imagine, por exemplo, que se envolva num acidente com outro carro e a polícia seja chamada. Quem acha que irão considerar culpado?

Tyler encarou Williams surpreso; aquilo não fazia o menor sentido. Ele seria considerado culpado apenas por dirigir um carro velho e com o seguro vencido? E se a culpa houvesse sido do outro motorista? Mas achou por bem não externar sua incredulidade.

- Eu lamento muitíssimo, policial Williams - disse cautelosamente Tyler, mãos erguidas. - Confesso que não havia pensado nessa possibilidade. Talvez seja melhor vender o carro, e evitar que possa acontecer; aliás, quando parei aqui, estava justamente pensando nisso.

Williams fez um gesto de cabeça, como que acatando a informação. Mas em seguida, emendou:

- Infelizmente, vai ter que me acompanhar até a delegacia, senhor Tyler. Preciso verificar se tem antecedentes criminais.

Tyler engoliu em seco. Não era a primeira vez que um policial branco o parava, e sabia que esse não era o procedimento correto.

- Desculpe, policial Williams, mas não pode fazer isso pelo rádio da viatura?

Williams franziu a testa, e replicou num tom muito menos cordial:

- Quer me dizer como fazer o meu trabalho, Tyler?

Tyler ergueu as mãos, num gesto de desculpas.

- Longe de mim, policial.

- Encoste no carro, - ordenou Williams - mãos na cabeça, pernas afastadas!

Com um suspiro, Tyler obedeceu, tentando imaginar até onde aquilo iria. Pelo menos, não precisava se preocupar quanto a antecedentes criminais; na delegacia, prognosticou, provavelmente seria liberado após pagar multa ou fiança.

Estava encostado no veículo, aguardando ser revistado por Williams, quando ouviu uma sirene soar brevemente. Virou-se para o lado e viu que havia um carro-patrulha parado atrás do dele. E não era o de Williams.

- Ei! O que está fazendo aí? - Gritou o policial ao volante.

- O policial Williams mandou que eu ficasse assim para ser revistado! - Exclamou Tyler.

A porta da viatura abriu-se e o policial saiu, lanterna e arma na mão.

- Quem disse que iria revistá-lo? - Questionou.

- Williams. O policial Williams - repetiu Tyler, cansado.

- Tudo bem, pode se virar e explicar o que está fazendo aqui? - Indagou o patrulheiro.

Tyler repetiu a história que contara para Williams. O patrulheiro o ouviu apenas mexendo a cabeça, em concordância. Finalmente, fez um gesto para que parasse e voltou a viatura. Pegou o microfone e entrou em contato com a central.

- Estou na rua 72, um Chevrolet Vega enguiçado. O motorista afirma que falou com Williams, que iria ser detido para averiguação. Podem mandar um guincho pra cá?

Tyler não conseguiu ouvir a resposta, mas em seguida o patrulheiro desligou e virou-se para ele:

- Vão mandar um guincho, vai ter que buscar seu carro no depósito da polícia.

- Está bem - suspirou Tyler.

- Quer uma carona até a estação do metrô na avenida principal? - Indagou o patrulheiro. - Não costumo fazer isso, mas acho melhor não correr o risco de Williams encontrar você sozinho novamente, antes do reboque chegar...

Tyler engoliu em seco.

- Esse Williams... vocês têm recebido queixas contra o comportamento dele? - Indagou.

- Recebíamos muitas - admitiu o patrulheiro. - Só que ele morreu faz dois anos.

Subitamente, Tyler viu-se na viatura, sentado ao lado do patrulheiro. E na rua escura, o Chevrolet Vega ficou entregue à própria sorte.

- [22-04-2023]