NUNCA DUVIDEM DA SRA. SILVA

Os portões abriram-se e no momento em que o carro parou diante da mansão dos Clermon, a Sra. Silva olhou pelo o alpendre do primeiro andar. Percebeu no mesmo instante que a mulher que saltava era Mourine Clermon. Já vira a exuberante mulher de cabelos platinados com tonalidade douradas, olhos verdes, com sorriso deslumbrante, queixo firme e as sobrancelhas torneadas com o leve brilho amendoado das colunas sociais. O traje e o porte da elegante mulher também lhe pareciam familiares. E era ótimo que Mourine se parecesse exatamente ao que ela esperava, porque o sol efêmero que aquecia o dia naquele exato momento, desapareceu por entre o crepúsculo como se houvesse alguém observando a jovial mulher tentando avisar que o pressagio estava anunciado e o medo ainda estava por vim.

A Sra. Silva era uma mulher altiva, impetuosa, ao mesmo tempo intimidada e sensível, atraindo todos que circundavam-na com seu sotaque sertanejo. Os seus movimentos eram tão vigorosos como se fosse a plumagem de um leveza desapercebida de uma flor que não tivesse em seu talo em espinhos para protegê-la e, os seus movimentos não produziam ruídos e nem deslocamento pelos ares sem que percebessem qualquer um que estivesse em seu caminho como um aspide. Mourine, confusa, aturdida, ficou silenciada pela segurança das palavras e atitudes da velha senhora governanta ao recebê-la. Sem qualquer expressão determinada, encaminhou-se para a sala de estar, respirou profundamente e sorriu ternamente com um brilho fatigado no olhar.

— Estou passando por um momento difícil. — disse ela a Sra. Silva, enquanto tirava o casaco e caminhava para o sofá próximo da lareira.

— Vou cuidar da sua dor. Mas, aqui entre nós, quem quer que procura encrenca está pedindo uma outra encrenca.

Ela fez uma pausa rápida, apenas para pegar a mala.

Mourine a olha pelo reflexo do espelho ignorando o comentário capcioso, depois, volta-se para governanta entreolhando-a, depois, Mourine sacudiu a cabeça num leve movimento com uma aprovação duvidosa.

A governanta estava subindo a escada sozinha e no silêncio súbito que ela deixou com a sua ausência, Mourine relaxou confortavelmente e balançou novamente a cabeça pensativa, o telefone tocou e ela ignorou, por fim, o celular que ela recusou atender.

Lá em cima, o sorriso capcioso da Sra. Silva se desvanecera em ironia e gargalhada sufocada num balé de rodopios desvairados, parando frente ao espelho, depois, ela contemplava o quarto da Mourine, desta vez, através dos olhos enevoados de cobiça e torpor. Lânguida, ela mesma desfez as malas e guardou as roupas com os olhos paralisadas no vácuo, então, resmungando se apoiou no peitoril da janela, observando a chuva com a mão segurando o vidro. Enquanto Mourine subia a escada até chegar no quarto sorrateiramente, empurrou a porta entreaberta e, a Sra. Silva em súbito susto recuou lentamente olhando-a como um pássaro ferido, o maxilar começou a tremer, como se ela estivesse diante de um objeto de incomparável beleza que nunca seria como a sua atual patroa. Sra. Silva subitamente ficou tensa e empertigou-se, recuando e comprimindo-se contra a janela.

— Perdoe-me. — sussurrou com a voz rouca e tremula. Era o início de uma chuva de inverno que duraria por toda noite e madrugada.

Mourine não havia compreendido a atitude da nova governanta contrata pelos seus pais, que estavam de férias em Orlando, EE.UU, mas, o fato de uma mulher se mostrar com um comportamento inconstante diante de uma estudante de psicologia, fez com que ela pudesse pensar em uma patologia clinica que necessitasse de cuidados pelo despertar da curiosidade e imaginou que ambas teriam que conviver durante alguns dias juntas, porém, a fadiga fez com que Mourine tomasse um banho quente e dormisse toda noite com sonhos que não deixavam-na levantar-se para comer torradas, panquecas e chocolate quente que a empregada Sheron havia deixado na escrivaninha por ordem da governanta.

A mansão dos Clermon era elegante e estava impregnada de história da Paraíba. Era cercada por jardins e ficava próximo da reserva floresta da capital paraibana. Havia passagens secretas e alcovas ocultas. Acima de tudo, porém, a mansão tinha alegria, sempre repleta de convidados, muita conversa e risos, a todas as horas do dia quando os pais de Mouriene estavam.

Havia um casal permanente muito distintos, Doglas e Sheron, ela trabalhando como cozinheira e o marido como motorista. Para cuidar da limpeza havia um grupo que era chamado quinzenalmente pela Sra. Silva.

Conforme os dias que se passavam a jovem Srta. Clermon, trabalhava com jardinagem,pintava sés quadros abstratos e estava sempre alegre e bem disposta com amigos que visitavam-na e, a governanta observa o comportamento com o brilho de uma raposa que se sentia contagiada pela expressão daquela que estava às vezes se sentido incomodada. Acostumada a caminhar pelo vasto gramado ou sentado junto ao pequeno lago, ela, Mourine, se sentia uma criança que estava superando a perda do seu noivo.

O olhar penetrante da Sra. Silva não deixava Mourine pensativa porque ela sabia que aquela mulher tinha um passado triste, entretanto, a jovial milionária havia sido recomendada em breve telefonema dos pais a evitar confrontos, pois, eles contrataram uma mulher sertaneja, meio gorducha, chamada Luiza Silva, que era pouco mais que uma mulher solitária que se tornou um apêndice indispensável à família.

Passado um tempo... Mourine se olha no espelho embelezando-se como de costume, logo depois, ela pega sua bolsa que estava sobre uma cadeira de balanço próximo a porta de seu quarto, voltou-se para o espelho, ligeiramente estava ela arrumando os cabelos e, em seguida, borrifando uma suave lavanda pelo corpo. Dirigiu-se para porta, mas, quando ela pegou na maçaneta, lembrou-se da janela que estava aberta, fechou e olhou-se novamente no espelho mas uma vez para se sentir completa quanto sua vaidade em segura autoestima, apressadamente abriu a porta e assustou-se com o gato de estimação que delicadamente passou entre suas pernas e subindo na cama miando. Ela atravessou o corredor sem fazer barulho desceu a escada correndo e quase tropeçaria levemente no tapete da antessala de jantar quando a companhia tocou: “Tim-Dam”!

Era Jorge Maciel quem lhe falava, um fotógrafo do União, único jornal impresso do Estado. Ele queria coversar com a Mourien que estava de saída sobre o assassinato de seu noivo Alexandre Vergueiro.

— Srta. Clermon. Mourien Clermon? virou-se, os olhos esquadrinhando a escuridão lá fora sombreada pelas luzes dos postes e a brisa umedecida que provinha das flores do jardim por causa da chuva, fez com que o sorriso desse oportunidade de continuar.

— Pois não?

— Sou o jornalista que…

Mourien interrompe e pediu para ele acomodar-se: — Já sei. Recebi sua mensagem logo que cheguei de Madri.

— Recebi sua mensagem e vim o mais depressa possível.

Houve um momento de silêncio, que parecia ecoar pelos corredores vazios. Sra. Silva estava paralisado, como que atingida por um golpe físico de metal cortante. Respirou profundamente apenas por um instante e depois prendeu a respiração inteiramente com um gélido olhar nos olhos, suspirou, deu um “boa noite” inesperado de certo, interrompendo-os.

— Com Permissão. — A velha senhora estava de saída porque era seu dia de folga e ela iria ao teatro assistir um texto do Nelson Rodrigues. Mourien e Jorge se assustaram com a entrada silenciosa de uma mulher que usava pó de arroz no rosto, chapéu e vestes pretas a combinar com os sapatos e bolsa de camurça. Perplexa, Mourien vez menção de levantar-se olhando-a, e o jornalista sentiu a necessidade de sorrir mas não sorrir pois estaria deselegante, olhou soslaio.

— Sim?

— O jantar será servido às 21 horas em um Buffet americana com sopa ervilha, salada e torta de palmito. Antes, se os senhores desejares comer algo, há duas jarras com ponche de maracujá e outra com abacaxi e biscoitos amanteigados com sanduíches com pasta de amendoim. Eu poderia servi-los mas estou indo ao teatro, com licença, boa noite, senhores. — Retirou-se lentamente.

O celular de Alexandre toca, era uma ligação de sua mãe que escolhe ele ignorar. Mourien não aprova o comportamento do jornalista mas não demonstra nenhuma atitude porque ela estava ansiosa para conversar com o jornalista sobre a morte de Marcos, seu noivo. Porém, naquela noite não seria mais possível.

Era por volta das 17h56 minutos quando o jornalista deixou a mansão. Mourien agora tinha toda aquele universo para desfrutar solitariamente e também, poderia ela refletir sobre questões que a deixava angustiada e depressiva, não chego a ser transtorno de personalidade como o seu psiquiatra havia descartado a possibilidade remota. Na verdade, ela desejava sair para um barzinho na orla no intuito de encontrar duas ou três amigas, talvez ela quisesse ir a missa na Basílica de Nossa Senhora das Neves para confessar seus pecados, ou até mesmo, se encontrar com a governanta em um teatro porque naquele momento ela se sentia desconfortável e solitária. Mourien largou o tratamento depois de um mês da morte do noivo, decidindo que retornar para João Pessoa, curtir os pais, mesmo sabendo que eles estavam viajando.

Mourien era uma mulher obstinada, ela passou três anos num relacionamento veementemente seguro, amava-o, e fez muitos planos para que os dois pudessem concretizar. Infelizmente, a morte sobreveio e ela não conseguindo superado a perda desse seu amado, deixou a faculdade, amigos, pessoas do convênio social e resolveu fugir de si mesma para uma instabilidade talvez não aparente por que estava passando entre seus conflitos de personalidade que lhe faziam refém de seus traumas.

Mourien resolveu caminhar um pouco no terraço que tinha vista para um dos jardins da mansão, olhou para o céu nublado e sentiu a brisa fresca envolvê-la, depois, acenou suavemente para um dos seguranças que passava desapercebido por entre o jardim cumprimentando-a com um leve abaixar e levantar de cabeça em atenção ao aceno delicado que logo adentra a mansão. Ela contemplava os quadros dependurados em varias partes, os moveis antigos e contemporâneos com desenhos exclusivos, parou diante da escada e se impulsionou para subir para o primeiro andar, no terceiro degrau, ela voltou-se e se dirigiu até a copa no desejo de tomar uma sopa de lentilhas e um ponche, com passos firmes chegou até a cozinha e serviu-se, no canto estava o gato tomando seu leite e miando para sair logo após de se alimentar. Mourien abriu a porta e observou que chuviscava, era uma garoa refrescante, fechou a porta já que não havia passagens para o gato, depois, ela entrou no escritório de seu pai, olhou os livros nas estantes e por alguns segundos pensou no jornalista, tirando-o logo da sua mente e focando seus olhos num livro de Karl Maxilwell Frord, intitulado: “O Encontro da Meia-Noite”.

Naquela noite chuvosa ela não dormiu. Ficou sentado diante das janelas do quarto, contemplando a chuva até passar, depois, sentiu que suas pálpebras estavam pesadas e, em frações de segundos, ela em um grito de pânico sufocado sentiu seu corpo estremecendo, abrindo os olhos para o medo em seu rosto e um grito abafado saiu pela sua boca porque os trovões e os relâmpagos assustaram-na; no entanto, ela teve a nítida impressão de ter visto alguém que a observa, mas como os jardins não estava dormindo e nem as árvores da floresta próxima da mansão, ela saiu apresada do quarto, desceu a escada em direção e ao escritório, entrou abruptamente, pegou um binóculo enquanto sua sombra se multiplicava através do clarão dos relâmpagos, subiu ligeiramente a escada, entrou no quarto e dirigiu-se para a janela no intuito de ver algo na escuridão. A princípio, ela não viu absolutamente nenhum vulto por causa do breu e da neblina que pairava depois da chuva, porém, ela sentia que estava sendo observada, durante alguns minutos ela permaneceu paralisada, tremula, sentia seu coração bater fortemente e com um olhar sem viveza ela percebeu os dois seguranças estava conversando em ronda próxima. Em seguida, Mourien, desmaiou exaurida sobre a cama com um sono profundo.

Na manhã seguinte. Mourien se levantou cedo. Era sábado, como seus pais eram adventistas a prática da guarda do sábado era comum, mas, ela não prestava nenhuma observância e nem questionava porque não exercia a religião dos seus pais, depois do banho, ela comeu algumas frutas, caminhou pelo jardim, questionou Alan sobre o que aconteceu e resolveu ir até os aposentos da Sra. Silva. Deu três leves toque na porta que abriu-se um pouco, ficando entre aberta, curiosa, ela empurrou e não hesitou em entrar, nada tinha de estranho naquele quarto, uma estante com alguns livros, no armário roupas simples e uma imagem de Santa Teresinha sobre uma mesa, saiu e foi dar uma volta pela mansão, desceu uma escada íngreme e percebeu que estava na adega, pegou uma garrafa 750ml de Artea de Haute Provence, se dirigiu para cozinha, pegou uma taça e foi degustar admirando um quatro a óleo que esta próximo da lareira.

Mourien, tomou todo liquido saboreando cada gota que estava na garrafa, levantou-se e se sentiu suave e ligeiramente bebada pela quantidade de álcool no seu organismo e, como uma gota de orvalho que de leve oscila, sorriu e deu vários passos em direção a adega pensando na música tristeza interpretada por Maria Creuza que tocava numa vitrola. E, ao olhar para o tapete, teve a nítida impressão que algo estava rastejando em direção a ela, assustou-se e logo pensou em ser o efeito da bebida. Ela estava desejando beber muito e não hesitou em pecar outra garrafa para descontrair, só que ao subir a escada percebeu que não havia fechado a porta e foi até a cozinha para pegar alguns frios, teve a nítida impressão de estar sendo seguida, parou, olhou ao derredor, nada de estranho, apenas o gato que transitava sempre com ela. Mourine resolveu ir novamente ao quarto da Sra. Silva, quando abriu a porta a velha senhora estava caída próximo a porta do banheiro com um saco na cabeça. Desesperada ela corre para pedir ajuda e tropeça no corpo do jornalista que estava com uma perfuração profunda na cabeça, gritou de pavor, olhou pela janela francesa da sala de estar e viu dois homens no jardim, histérica correu até eles e num grito de tormenta a morte estava em sua frente, dois homens decapitados brutalmente, em pânico ela voltou correndo para a mansão e freneticamente se tremia, o corpo que transpirava um odor de sal através de seus poros deixavam-na com ânsia de vômito, subiu a escada em frações de segundo para pegar a arma de seu pai que estava na cômoda do quarto deles, ao abrir a porta, seus pais estavam mortos, desesperada e exaurida, ela gritava loucamente querendo se proteger no seu quarto, então, ao entrar, ela viu Sheron sentada na poltrona com os olhos e a língua retirados e o gato na cama miando e balançando o rabo ao som de um grito abafado que ecoou: “Meu Deus!!!

Sérgio Gaiafi
Enviado por Sérgio Gaiafi em 08/05/2023
Reeditado em 08/05/2023
Código do texto: T7783082
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