A COR DA SUA PELE

Meus olhos pousam sobre os dois currículos que estão à minha frente. Algumas vezes acho isso chato, mas também sei, que lá no fundo, eu gosto disso. Acho prazerosa a sensação de saber que tenho o poder de decidir quem fica e quem não fica com uma vaga de emprego.

Vejo que um dos currículos é bem razoável e o outro é muito bom, inclusive ostentando um MBA. A vaga é para analista de controladoria pleno. São duas candidatas e devo entrevistá-las agora. Vamos ver quem ficará com a vaga.

Solicito um café para minha secretária, isso sempre me ajuda e relaxar. Peço que entre a primeira candidata.

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Após as entrevistas não restam muitas dúvidas sobre quem ficará com a vaga.

A moça que tem o MBA teve o melhor desempenho na entrevista, porém, devo dizer, não vou escolhê-la. Ela tem um problema.

É uma coisa que não saio falando por aí, porque sei que pega mal. Bem, ela é negra. É isso, não vou selecioná-la porque ela é um pouco escura demais para o cargo.

Não dá para sair falando essas coisas abertamente, lamento por ela, mas também não tenho culpa se o mundo é assim.

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Peço que minha secretária faça posteriormente uma ligação informando a pessoa selecionada. Quando ela viu quem eu tinha escolhido percebi que seu semblante ficou mais carregado. Claro que ela sabe que a escolha correta seria a outra candidata. Sei que ela conhece as minhas, vamos chamar assim, preferências raciais.

Pergunto se há algum problema e a estúpida responde prontamente que não. Um dia ainda vou dar um jeito de transferir ela daqui para um almoxarifado lá no raio-que-o-parta.

Só para mostrar quem é que manda peço que me traga um outro café.

Abaixo a cabeça para ler um documento não sem antes perceber rapidamente que, ao levantar-se para ir fazer o que mandei, ela dirigiu-me um olhar estranho, um olhar de ódio.

Por alguns minutos fiquei sentindo-me meio esquisito. Ainda vou dar um jeito de transferir essa intrometida.

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Deito para dormir. O conforto de meu quarto incentiva um sono gostoso. Sinto-me feliz com o que já conquistei e sei que tenho uma vida boa. O tecido macio da roupa de cama massageia minha pele e rapidamente durmo.

Acordo sentindo o corpo diferente. Meus olhos teimam em não querer abrir. Dores percorrem meus braços, pernas e costas. Estou muito cansado e com uma sede louca que parece querer desgraçar a minha alma. É muito estranho o que sinto agora.

Será que estou sonhando? Que merda de pesadelo é esse?

- Acorda negrinho! Vais fugir novamente?

Finalmente consigo abrir os olhos e o sol arde em meu rosto. Defronto-me com um homem barbudo que ri para mim expondo dentes muito estragados.

O que houve? Que merda de lugar é esse?

Com horror vejo que estou amarrado a um tronco bem no meio de um terreno descampado. Estou sangrando dos vários ferimentos em meu corpo.

O homem com os dentes podres agita um chicote à minha frente.

- Negro fujão, não te disseram o que acontece com quem foge da fazenda?

Mal percebo quando um outro homem levanta um pequeno machado e decepa meu pé direito.

Um grito fica preso em minha garganta ...

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 28/09/2023
Código do texto: T7895896
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