O Pianista, Temor

(Continuação de O Pianista, Início)

...A pior parte foi dormir aquele dia, ficar acordado no escuro pensando, pensando se aquilo foi verdade ou não.

Envolto em pensamentos adormeci.

No outro dia de manha a idéia de um sonho estava me persuadindo. Tomei café e fui ajudar meu pai. Foi ajudando-o que consegui afastar um pouco aquele pensamento.

Já estava chegando à hora de ir para escola e passar pela estrada de onde eu poderia ver a casa. Comecei a ficar tremulo, mas não podia evitar. Conseguiria faltar à escola aquele dia para não passar pela casa, mas hora ou outra teria que faze-lo. Tomei um banho e decidi que não iria olhar para a casa quando passasse pela estrada.

Para as outras pessoas o dia estava como de costume. Meu pai cuidava da fazenda, minha mãe cuidava da casa e minha irmã brincava. Pensei se havia acontecido algo parecido com eles. Algo que não pudessem explicar, algo que não souberam se queriam explicação ou simplesmente quisessem esquecê-lo.

Mantive na cabeça que não iria olhar para casa, para não ser enganadopor mim mesmo. Não sabia se seria difícil ou não. Quando cheguei na altura da estrada em que conseguiria a melhor visão da casa senti como se ela tivesse me olhando, como se algo estivesse me observando, algo ou alguém que eu não tinha coragem de encarar. Caminhei mais um pouco e a sensação aumentou, então corri. Corri e senti como se corressem atrás de mim, que não importava o quanto corresse não poderia fugir.

Na escola não conseguia me concentrar. O tempo não passava e eu só pensava na casa, no pianista e na música. Conversei com um amigo. Tinha que falar com alguém sobre aquilo. Perguntei a ele sobre a casa. Questionou-me sobre o porque da pergunta. Tentando disfarçar ao máximo o meu temor, disse que não passava de mera curiosidade, pois passava por ela todos os dias. Me disse que seu pai lhe contara que lá vivia um homem, um pianista muito rico que sofria de hanseníase. Ele vivia sozinho depois que sua esposa e seus filhos já haviam falecidos. Diziam que a única coisa que ele fazia era tocar. Por muito tempo ele viveu isolado naquela casa, até que morreu. Quando acharam o corpo ele estava caído sobre o piano, a doença tinha afetado seus dedos, de modo que não pudesse mais tocar. Alguns disseram que ele morreu de desgosto por não poder fazer a única coisa boa que ainda lhe restara.

Quando voltei da escola e chegou à hora de passar pela estrada fui correndo novamente. A história do pianista me deixou mais assustado do que já estava. Pensei se nunca mais passaria andando por aquela estrada.

De tarde pedi para o meu pai para ajudá-lo. Ele estranhou. Dessa vez não consegui parar de pensar no que não queria pensar.

Quando menos percebi já estava na hora de ir para escola de novo, de passar pela estrada. Na hora de encarar o meu temor.

Decidi que iria tentar me controlar, que iria caminhar pela estrada. Quando chegou ao ponto que a casa se mostrava senti aquela sensação de ser observado novamente, só que dessa vez era mais forte. Não resisti e olhei para ela. Pude sentir que ela me sentia também, só que dessa vez percebi que não se tratava da casa e sim do pianista. Era ele que me observava. Daquela vez consegui passar caminhando pela estrada, não sei por que, mas não me senti ameaçado.

Conversei novamente com meu amigo sobre o pianista, disse que tinha entrado na casa, que tinha visto o pianista e escutado ele tocar. Ele riu de mim e disse que já havia ido lá varias vezes e nunca viu nada. Eu insisti que era verdade. Chamamos mais um amigo e ele me disse que iríamos lá depois da aula. Neguei entrar naquela casa de novo. Ele gozou-me de estar com medo. Pensei que talvez pudesse ser uma boa idéia, que talvez voltando lá poderia ver que tudo não tinha passado de minha imaginação. Então aceitei.

Um tempo depois pulamos o portão e começamos a caminhar pelo túnel de arvore. Dessa vez podia ouvir o som do vento batendo nas folhas. Pensei que isso era bom, não lembrava disso da primeira vez que estive ali. Pensei também na hora que estava indo para escola e senti-o me observando. Era um sentimento tão forte, como poderia não ser verdadeiro?

Paramos em frente a varanda. Não falamos nada depois de ter pulado o portão. Acho que não era só eu que estava com medo. Não me lembro quem entrou primeiro na casa, ou se fomos todos juntos, mas entramos. Finalmente alguém disse algo, perguntaram onde eu o tinha visto. Apontei para a escada indicando que tinha sido lá em cima. Subimos ficando eu por último. Quando chegamos lá em cima, a porta do quarto estava aberta como antes.

Meus dois amigos entraram e eu fiquei no fim da escada olhando. Eles disseram que não tinha nada naquele quarto só um velho piano. Aquilo me vez sentir um alivio, mas que não durou por muito tempo. Entrei no quarto e vi que eles falaram a verdade, só havia o piano ali. Um deles começou a rir de mim e foi em direção do piano. Ele começou a tocar as teclas que já nem eram capazes de produzirem som.

Ele me chamava de mentiroso e dava risada enquanto apertava aquelas teclas velhas quando de repente elas começaram ecoar um som. Um som agudo que nos deixou paralisados. Ele afastou-se do piano e lentamente se juntou a nós perto da parede oposta ao piano.

Olhamos um para o outro e de repente o meu amigo que havia tocado no piano começou a gritar, sua mão estava com todos os dedos quebrados, a mão que ele havia tocado o piano simplesmente estava toda quebrada. Os dedos estavam quebrados em vários lugares, parecia galhos de arvore. Ele não parava de gritar.

Nós estávamos apavorados. O piano começou a tocar sozinho e entre suas teclas e rachaduras começou a sair sangue. Muito sangue e muito rápido. Uma fina camada de sangue chegava a nossos pés quando começamos a correr.

Corremos que nem loucos para sair daquele lugar. Não sei como o meu amigo conseguiu pular o portão com a mão daquele jeito. Eu corri estrada a cima e os outros dois no sentido contrario. Cada qual para sua casa.

Quando cheguei em casa estava ofegante. Encontrei com meu pai e ele estava chorando. Ele veio até mim e me abraçou e disse que a minha mãe havia morrido...

Idéia de A.S.R.

Recauchutado por M.R.O.

(Continua...)