Nos Portões do Inferno (4): Capítulo 3: O Homem de Branco

Capítulo 3

O Homem de Branco

I

Hugo se encontrava no banco detrás da SUV, espremido entre Daniel e Eilson.

— Então, vocês vão fazer isso aqui no estacionamento mesmo? — indagou o garoto para qualquer um deles. — Tô perguntando porque aqui onde a gente tá passa gente toda hora e...

— O que você acha que a gente quer fazer? — inquiriu Leonardo encarando-o pelo retrovisor.

— Me torturar, né?

— Que torturar o que, moleque? Acha que a gente é o quê? — exclamou Leonardo sobressaltado.

— Ah, não vão? — disse o garoto demonstrando alívio. — Ah que bom, né? Eu pensei que vocês fossem os mesmos caras que bateram na Rai ou, sei lá, alguém que eu tinha hackeado.

— Eu e o Leo aqui — disse Daniel rindo —, somos irmãos dela. O Eilson aí do seu lado é nosso primo. Essa é Leonora, a mãe dele. Essa aqui é Beatriz, minha mãe. E aquela senhora ali na frente é Muriel, minha avó.

— Ah, vocês são a família — exclamou Hugo. — Claro, agora que você falou tô vendo a semelhança. Desculpa. É que ela nunca comentava muito sobre a família. Não sabia que ela tinha irmãos. Então, sei lá, depois do que aconteceu, achei que vocês fossem os agressores.

Leonardo sentiu uma certa mágoa, mas logo a espantou e disse:

— É! A gente não tinha as melhores das relações, mas somos família. Ela se encrencou e aqui estamos. É pra isso que a família serve, não é?

— Garoto — chamou Muriel cortando a conversa, pois já estava ficando impaciente —, até onde sabemos, você foi a última pessoa a conversar com a minha neta. Precisamos que você conte o que sabe.

— Ahn. Tá. Certo. — Hugo limpou a garganta antes de continuar. — Bom, eu tava em casa jogando quando ela ligou. Deu pra ver pela voz dela que alguma coisa tava acontecendo. Então ela pediu pra eu fazer uma ligação pra um número de Portuária, acredito agora que foi pra casa de vocês que eu liguei.

Leonardo assentiu.

— Aí ela pediu pra eu dizer aquela mensagem estranha — prosseguiu Hugo. — O que era aquilo?

— Era uma senha — informou Eilson. — Cada um de nós tem uma, usamos quando estamos encrencados, sabe?

Hugo meneou afirmativamente a cabeça e continuou:

— Depois que eu liguei pra vocês, decidi acessar as câmeras da cidade.

— Como você consegue fazer isso? — indagou Leonora.

— Ah, é muito fácil — disse Hugo empolgado —, o sistema da cidade é uma bos... Digo, é muito ruim. Qualquer um consegue, não é nenhum grande feito.

Os Cartago se entreolharam e o encararam sem entender.

— É que eu consigo fazer umas paradas no computador — justificou Hugo meio encabulado.

— Tipo o quê? — inquiriu Leonardo.

— Ahn... Tipo invadir o sistema de trânsito, mexer nos radares, nos semáforos...

— Tipo nerd? — indagou Eilson.

— Tecnicamente, tô mais pra geek — argumentou o garoto. — Mas pode usar nerd, é um termo equivalente e eu não me incomod....

— Tá legal! — cortou Leonardo. — A gente já entendeu que você é o fodão em tecnologia.

— Certo — disse o garoto corando e ajeitando os óculos. — Eu acessei as câmeras do bairro da Rai pra ver se ela estava bem. Dá pra ver a loja dela de uma das câmeras. Tinha um monte de gente do lado de fora da loja, achei que tinha acontecido alguma coisa, mas eu não sabia que essa alguma coisa eram eles.

— O que eles fizeram? — indagou Muriel.

— Parecia que eles não conseguiam entrar. Não porque a porta estivesse trancada, mas parecia que eles não conseguiam encostar na porta, nos vidros, sabe? Aí um deles se jogou contra uma das janelas e a câmera parou. Não sei mais o que aconteceu. Eu liguei pra polícia, acho que eles devem ter salvado a Rai, senão ela estaria morta agora.

Os Cartago se entreolharam novamente.

— Reconheceu alguma das pessoas que estavam lá na frente da loja dela? — inquiriu Daniel.

— Não tive tempo de reparar, fiquei preocupado com a Rai, nem anotei a placa dos carros.

— E foi só isso que você viu? — indagou Leonardo.

— Não, tem outra coisa — informou Hugo. Eu acessei o banco de dados e consegui retroceder a gravação. Não aparece o momento em que os agressores chegaram, as câmeras meio que bugaram na hora, mas teve uma coisa estranha.

— O quê? — questionou Leonardo.

— Mais ou menos uma hora e meia antes — continuou o garoto —, parou um carro em frente à loja da Rai. Eu consegui ver a placa, mas nem precisaria. O cara que desceu seria reconhecido em qualquer lugar. Existe um monte de meme dele por aqui, inclusive. Chamam ele de O Homem de Branco.

— Quem é ele? — inquiriu Daniel.

— Deputado Sampaio Cabral.

— Tinha que ser um político, não é? — comentou Leonora.

— O que mais você viu? — indagou Leonardo.

— Bom, ele entrou na loja, uns quinze minutos depois saiu apressado, entrou no carro e se mandou. A Rai saiu logo depois e foi atrás dele, ela deixou a loja aberta. Acho que ele pegou alguma coisa da loja e fugiu. A Rai volta quase uma hora depois e não demora muito pra chegar o pessoal que deve ter agredido ela.

Os Cartago se entreolharam mais uma vez.

— Vamos fazer uma visita a esse tal de Sampaio Cabral — decretou Leonardo.

— E o que eu faço agora? — indagou Hugo.

— Vai pra casa — disse Leonardo. — Os adultos assumem daqui e...

Beatriz estendeu a mão em sinal para que o filho se acalmasse e disse para Hugo:

— Você veio ver como a Raiane estava, certo?

O garoto assentiu.

— Então, por que não entra comigo para vê-la?

O garoto esboçou um sorriso que iluminou seu rosto.

Todos saíram do carro. Beatriz e Hugo se encaminharam para o hospital.

— Vamos atrás do deputado — enfatizou Leonardo.

— Precisamos descobrir o endereço — disse Daniel.

— Eu descubro — disse Eilson puxando o smartphone do bolso.

— Desde quando você tem isso aí, hein? — inquiriu Leonardo.

— Uns três meses — disse Eilson. — Não é tão ruim assim. Lembra que eu descobri quem era o garoto por aqui. As pessoas colocam tudo na internet, sabe? A gente devia começar a usar mais tecnologias, pode nos ajudar e...

— E vai ter um bando de corporações e IAs monitorando nossos passos — cortou Leonardo. — Sei bem como isso funciona. Já falei mais de uma vez e vou repetir de novo: o tipo de coisas que a gente faz não é compatível com esses troços aí!

— Talvez ele tenha razão — disse Muriel.

— Como é? — admirou-se Leonardo, pois a avó era uma das mais ferrenhas contra o uso de novas tecnologias.

— Se tivéssemos um desses troços aí, como você diz, talvez as coisas tivessem acontecido de uma forma diferente. Talvez tivéssemos chegado a tempo.

— Mas Vó...

— Acho que essa é uma pauta para uma reunião de família — sugeriu Daniel cortando o irmão. — Podemos deixar essa discussão para depois.

— Concordo — disse Leonora.

— Encontrei! — disse Eilson balançando o smartphone. — Não sei se vai ser fácil entrar. Ele mora em um prédio no bairro Goiabeiras.

— Certo. Vamos lá — disse Leonardo. — A gente dá um jeito. Quem mais vai?

Daniel assentiu.

— Vou também – disse Leonora. — Não posso mais entrar no hospital mesmo.

— Eu fico. Vou falar com o Hugo. Pegar umas dicas, sabe? — justificou Eilson apontando para o smartphone.

— A gente ainda vai discutir se vai incorporar isso ou não — bufou Leonardo.

— Eu não preciso de reunião para decidir por mim. Já adotei!

— Fala sério — exclamou Leonardo franzindo o cenho.

Eilson despediu-se da mãe e saiu sorrindo de modo provocador para Leonardo.

II

— A gente tem que passar pelo porteiro. Como vamos tirar ele de lá? — reclamou Daniel.

— Eu finjo que é um assalto, faço ele sair de lá e vocês entram — sugeriu Leonardo.

— Arriscado demais, pode acabar chamando muita atenção — alertou Leonora. — Estacionem mais perto e fiquem a postos. Tenho uma ideia pra ele sair de lá e abrir o portão ao mesmo tempo.

Leonardo manobrou o carro e atravessou para a outra pista. A tia desceu. Leonardo e Daniel confirmaram se as pistolas estavam carregadas com sal e se tinham água benta suficiente nos bolsos e esperaram. Viram Leonora caminhando em frente ao prédio e logo em seguida ela foi ao chão simulando uma queda. Em poucos instantes o portão abriu e o porteiro saiu da guarita correndo para acudi-la.

— Ainda bem que tem gente generosa nesse mundo — disse Leonardo abrindo a porta do carro. Daniel o imitou. Rapidamente correram para a entrada do prédio. Passaram pelas costas do porteiro que ajudava a tia a se levantar e sequer os notou. Logo na recepção, localizaram as caixas postais. Encontraram o nome de Augusto Sampaio Cabral na caixa postal correspondente ao nono andar.

— Só pode ser ele — disse Daniel.

Sem demoras, se adiantaram para o elevador. Chegaram ao nono andar, o corredor estava vazio. Correram até a porta do deputado. Bateram. Nenhum som se fez ouvir lá dentro. Daniel bateu novamente. Nada. Caso ninguém atendesse, arrombariam. Contudo, ouvira passos no interior do apartamento. Leonardo tapou o olho mágico. Logo em seguida ouviram um clic e uma fresta da porta se abriu. Um homem grisalho espiou para fora com seu olho azul.

— Quem são vocês? — indagou confuso. — É manutenção de alguma coisa?

Leonardo se enfureceu e empurrou a porta fazendo com que o homem caísse estatelado para o interior do apartamento.

— Vocês têm a mania de achar que estamos sempre fazendo a manutenção de alguma coisa pra vocês, não é?

— Mas o que é isso? — inquiriu o homem caído ao chão, perplexo. — Vou chamar a polícia — disse puxando um smartphone do bolso.

— Solta isso — ordenou Leonardo sacando a pistola.

Sampaio Cabral se apavorou e largou o dispositivo enquanto erguia as mãos. Daniel correu até as janelas e afastou as cortinas para iluminar o ambiente. Quando a claridade solar se esparramou pelo aposento, puderam ver que Sampaio Cabral usava um terno branco todo sujo; faltava-lhe um dos olhos, em seu lugar havia apenas uma órbita vazia.

— Onde esteve noite passada? — inquiriu Leonardo ainda apontando a arma.

— Em lugar nenhum — disse o deputado cauteloso.

— Ah é? Tenta de novo! — Leonardo engatilhou.

— Estou dizendo, não estive em lugar algum!

— E por que isso daqui estava na cena de um crime, seu escroto? — Leonardo jogou em seu peito o olho de vidro que encontrara no antiquário da irmã.

— Você está fedendo a enxofre — disse Daniel. — É melhor começar a falar.

— Mas do que é que vocês estão falando...

— Fala logo — bradou Leonardo aproximando-se com a pistola.

— Eu não sei de nada — berrou Sampaio Cabral estremecendo-se. — Não me lembro de nada. Eu saí da assembleia e acordei no carro. Já era de madrugada!

Sem paciência, Leonardo ergueu o deputado do chão desceu a coronha da arma contra seu nariz, no momento em que ele se desequilibrou, o empurrou contra a janela. Vidros se estilhaçaram e antes que o homem despencasse, o agarrou pelo tornozelo. O deputado berrava coisas ininteligíveis.

Alarmado, Daniel se aproximou.

— Leo, isso é mesmo necessário?

— Se ele sabe de alguma coisa, vai lembrar rapidinho!

Esperou mais alguns instantes para puxar o deputado de volta. O rosto do parlamentar era uma máscara de puro horror e desespero. Leonardo acocorou-se ao seu lado e o homem se encolheu feito uma criança contra a parede.

— Demônios — disse Leonardo com a voz calma. — Conta tudo o que sabe, senão da próxima vez você voa de verdade.

Sampaio Cabral tirou um lenço do paletó e limpou o melhor que pode o sangue que escorria do nariz sem tirar seu único olho de Leonardo.

— Tá... Tá legal — gaguejou o deputado. — Eu tenho alguns flashes.

— Você fez um pacto? — inquiriu Daniel.

— O quê? — espantou-se o parlamentar. — Claro que não.

— Então conta pra gente aqui por que você foi possuído? — disse Leonardo. — Se não fez um pacto, algum convite você fez, palhaço!

— Não... Não. Não convidei nada. Tem um grupo onde fazemos alguns trabalhos.

— Que grupo? — indagou Daniel.

— Um grupo de pessoas. Tem gente de todo tipo, empresários, policiais, outros políticos. Nós, políticos, vamos lá pedir coisas específicas.

— Especifique o específicas? — ordenou Leonardo.

— Manutenção do poder, ser reeleito, sabe? Coisas assim... Mas cada um vai lá com suas próprias intenções.

— Que tipos de trabalhos esse grupo faz? — continuou Leonardo.

— Rituais de um modo geral — explicou Sampaio Cabral já mais calmo. — Não tem uma linha específica, tem sacerdotes de todo tipo, tem padre, mago, pai de santo, pastor.

— Quem abriu as portas para os demônios? — questionou Leonardo.

— Ninguém. Não é esse tipo de trabalho... Nunca vi nada relacionado com alguma força maligna ou algo do tipo por lá.

— Tá. Descreve melhor o grupo. Onde é? Quem comanda? — pediu Leonardo.

— Instituto Aeon Dourado — informou Sampaio Cabral. — Está na internet! Não tem nada de sociedade secreta ou coisa assim, é aberto. Qualquer um pode ir lá. Foi montado por um grupo esotérico caoísta, mas não tem nada de demônios.

— Como pode ter certeza? — inquiriu Daniel.

— Porque existem seções particulares, onde a gente se reúne para estudar estruturas de rituais e fazer adaptações... Pegar as estruturas sem precisar da religiosidade, entende?

De repente o homem parou de falar e fitou o vazio.

— O que foi? — indagou Leonardo.

— Estou pensando agora, será que talvez alguns desses rituais podem ter dado errado? Sei lá, deixando alguma porta aberta, como vocês falaram?

Leonardo e Daniel e entreolharam.

— Vocês fazem algum tipo de banimento? — questionou Daniel.

— Banimento? — indagou o deputado confuso. — O que é isso?

— Ah, tá explicado, ô espertão! — ironizou Leonardo. — Todas as portas estão abertas, imbecil. Qualquer coisa pode entrar e sair na hora que bem entender, tá ligado?

Perceberam que um brilho misto de dúvida e medo dançou no único olho do homem.

— Conta os flashes que você disse que tem — pediu Daniel.

— Como eu disse, me lembro de estar na assembleia, isso era por volta das dezoito horas. Acordei quase duas da manhã na rua. Lembro de perder o controle do corpo, como se eu tivesse sido chutado, sabe? Empurrado pro lado. Cai para um lugar escuro. Vez ou outra conseguia ver alguma coisa, como se olhasse por uma janela. Mas logo tudo escurecia de novo. Nessa escuridão eu sentia uma presença.

— Era o demônio — disse Daniel —, ele jogou sua consciência para o lado e assumiu seu corpo.

— Como sabe disso? — indagou Sampaio Cabral.

— É nosso trabalho saber disso. Continua — pediu Leonardo.

— Os flashes que me lembro são de quando eu consegui olhar por essa janela: dirigindo, uma loja cheia de coisas velhas... Tinha uma moça lá. Ela me bateu! E... Eu peguei um diário ou livro, não saberia dizer.

— Como era esse livro? — inquiriu Daniel.

— Capa preta velha, de couro... Não tinha nada escrito, nenhuma informação na capa. Depois de pegar o livro, lembro de estar dirigindo de novo... Muita dor. Depois acordei no viaduto. E só.

— Sabe o nome do demônio que te possuiu? — indagou Leonardo.

— Não... Tem outra coisa. Toda vez que eu conseguia olhar por essa janela, tinha pensamentos e intenções que não eram naturalmente minhas, entendem?

— Isso é importante — disse Daniel. — O que se lembra sobre esses sentimentos?

— Toda vez, a ideia de encontrar aquele livro ou diário estava presente, mas não tinha imagens nesses pensamentos, compreendem? Só a ideia de encontra-lo e, quando ele fosse encontrado, eu saberia que seria o objeto certo. Assim que peguei esse livro velho, essa ideia, ou intenção, foi substituída por outra, pelo lugar para onde eu deveria levar o livro.

— Pra onde? — indagou Leonardo.

— Pra uma cidade fora do Brasil.

— Qual cidade?

— Não tenho essa informação. Mas essa ideia veio acompanhada por uma imagem: uma zona rural, um complexo de fazendas, sete no total... É isso. Não lembro de mais nada.

— Certo — disse Leonardo —, se descobrirmos que você escondeu alguma coisa, a gente volta, e aí você voa, canalha!

— É só isso — reafirmou Sampaio Cabral.

Os irmãos se encaminharam para a porta. Antes de sair, Daniel voltou-se para o deputado e lhe atirou algo. Uma moeda caiu perto dos pés de Sampaio Cabral. Ele a recolheu. Era pesada e gravada nos dois lados com símbolos que ele desconhecia.

— Isso é uma cortesia — disse Daniel. — Um selo de Salomão. Use isso e vai evitar que outro demônio se apodere de você.

— E vê se pesquisa sobre banimentos antes de fazer qualquer ritual bosta por aí — disse Leonardo.

Os dois saíra e bateram a porta enquanto Sampaio Cabral ainda observava a moeda.

III

Hugo estacou na porta. Ver Raiane daquele jeito o abateu na hora. Caminhou lentamente até o leito e passou a mão pelo rosto dela. Tinha a cabeça enfaixada e várias escoriações no rosto e nos braços. Seus olhos marejaram.

— Como vocês se conheceram? — indagou Beatriz comovida.

— Ela... Ela foi na escola uma vez — contou Hugo com a voz embargada. — Foi no dia da consciência negra. Ela é do movimento, sabe?

Beatriz meneou negativamente a cabeça.

— Pois é. Ela está sempre lutando — prosseguiu o garoto. — Acha que foram as pessoas que são contra o movimento que fizeram isso? Os racistas, sabe?

— Não. Não foram os intolerantes dessa vez. Pelo menos sabemos disso.

Hugo tirou o smartphone do bolso e colocou uma música para tocar baixinho perto do ouvido da amiga inconsciente.

"Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão..."

— É uma das preferidas dela — explicou Hugo.

Beatriz sorriu comovida e ficaram os três ali ouvindo a música.

IV

— O que você acha? — indagou Daniel fechando a porta do carro. — Vamos até o Instituto Aeon Dourado?

— Não — disse Leonardo dando a partida no carro. — Deve ser só um bando que faz rituais de forma negligente. Como eu disse: deixam todas as portas abertas!

— O que faremos então? — indagou Leonora no banco detrás.

— Precisamos descobrir onde fica esse complexo de fazendas — enfatizou Leonardo. — O demônio que possuiu o deputado tinha um objetivo bem claro: pegar o livro que, por algum motivo estava com a Rai, e leva-lo até esse lugar.

— Têm algum palpite de que livro estamos falando? — indagou Daniel.

— Talvez algum grimório antigo com rituais que interessam aos demônios — disse Leonora.

— Aposto em algo parecido — concordou Leonardo.

— Por que será que o deputado foi usado como veículo? — questionou Daniel.

— Ora, é simples — disse Leonardo —, você mesmo ouviu o cara falar, eles estudavam estruturas de rituais e retiravam a religiosidade deles. Deixaram a porta aberta! Tem motivo para alguns rituais não serem desligados de determinadas religiões.

— Entidades religiosas protegem rituais específicos — completou Leonora —, se você pegar só a estrutura e retirar o guardião desse ritual, você abre espaço para que qualquer outra entidade se instale. E sem banimento, é como se escancarássemos a porta, demitíssemos o porteiro e jogássemos a chave fora.

— E no caso dos políticos — disse Leonardo —, eram rituais em busca de poder. Quer coisa que atraia mais demônios do que isso? No fim é sempre assim, políticos fodendo com a nossa vida!

V

Os Cartago estavam reunidos novamente no estacionamento do Hospital Municipal. Leonardo se encarregou de colocar a Mãe e a Avó a par da situação.

— Precisamos descobrir onde fica esse complexo fazendário — disse Muriel. — Pra ontem!

— Sim — disse Leonardo —, vamos achar uma biblioteca e ver em alguns mapas...

— Não precisa — cortou Eilson.

— Como é? — indagou Leonardo.

— Já achei — disse o jovem mostrando o smartphone.

— Tá ficando bom nisso, hein? — comentou Daniel.

— Estávamos perto e não sabíamos — disse Eilson. — Tem um complexo com sete fazendas em Matangueira.

— Fala sério — exclamou Leonardo.

— Chama-se Complexo Rural Bauernhof — informou Eilson. — Fundado por imigrantes alemães durante a Segunda Guerra.

— Só falta serem os malditos Thule — esbravejou Leonardo.

— Como sabemos que é esse complexo em Matangueira? — indagou Beatriz. — Podem ter outros espalhados pelo mundo, certo?

— Tenho quase certeza que é esse — disse Eilson —, por conta dessa notícia.

Ele passou o smartphone para Beatriz que leu em voz alta para os demais uma matéria no site do Diário de Vila Magnólia.

"Nesta madrugada a polícia de Matangueira solicitou a ajuda do corpo de bombeiros para uma ocorrência no Complexo Fazendário Bauernhof. De acordo com as informações que nos foram passadas, moradores relataram um ‘clarão’ seguido de uma explosão em uma das fazendas. Ao chegar ao local, a polícia encontrou uma cena de horror.

‘Ainda não sabemos quantas pessoas viviam na casa’, disse um dos oficiais, ‘mas eles literalmente explodiram, estão por toda parte’.

A fazenda em questão estava registrada no nome de Heidi Glauer, mas ainda não foi confirmado se a Sra. Glauer estava em casa, uma vez que as fazendas costumam ser arrendadas por temporada para pequenos produtores.

Qualquer informação nova você ficará sabendo aqui, em primeira mão, no Diário de Vila Magnólia."

— Não é todo dia que pessoas explodem — comentou Muriel.

— É. Isso é coisa de demônios — disse Leonardo.

— Voltamos para Portuária, então? — indagou Daniel.

— Com certeza — disse Leonardo enfático.

— Leo e Dan, vocês conduzem isso — decretou Muriel —, têm mais experiência de campo. Ficarei aqui até a Rai acordar.

— Também ficarei — disse Beatriz. — Quero estar aqui quando ela despertar.

— Quero ir junto pra Matangueira — disse Eilson empolgado. Fizera poucos trabalhos em campo e esse aparentava ser um dos mais importantes para a família.

— Bom, se meu filho vai, também vou — disse Leonora abraçando Eilson.

— Certo — disse Daniel —, se tiver bruxaria envolvida na parada, além dos demônios, vai ser bom ter a senhora com a gente.

— E como eu já disse, não posso entrar no hospital — enfatizou Leonora.

— Tomem cuidado — disse Muriel. — Nunca é demais reforçar isso. O último caso grande com demônios que tivemos nos custou a vida de seu avô, pais e maridos. Todo cuidado é pouco.

— Pode deixar, Vó — disse Daniel.

Leonardo observou Eilson guardar o smartphone no bolso.

— Até que esse troço aí serve pra alguma coisa, não é?

Horas depois, quatro membros da família Cartago voavam de volta para Portuária.

Continua...

ISBN: 978-65-00-92694-1

Raphael Rodrigo Oficial
Enviado por Raphael Rodrigo Oficial em 02/02/2024
Código do texto: T7990305
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