Namoro Virtual

- Louco! – berrava a voz do outro lado da linha – Louco! Completamente ensandecido! Pense no que você dizendo Guilherme!

- Louco? Sim, louco de amor por ela! – dizia serenamente o rapaz que segurava o telefone. – Será que você não entende? Apesar de parecer pouco tempo, sinto como se nos conhecêssemos há muito...

- Conhecer? Conhecer? Conhecer quem por Deus! – berrava novamente a voz do outro lado da linha – Quem você conhece??? Você conhece a mim, a seus amigos,a seus pais... agora ela? Ela é um nick, um nome, um mero apelido que você leu na internet! Você não a conhece, entendeu? Não a conhece!

- Ah meu amigo... eu a conheço sim... – respondeu o rapaz ainda sereno – Eu a conheço mais talvez do que conheça a mim mesmo... E não adianta, por mais que você tente, eu estou decidido: irei ao sul para conhecê-la.

- Mas seus pais Guilherme... – disse a voz, dessa vez em um tom um pouco mais brando – Como eles reagiram a isso meu amigo?

- Eles não entendem – a voz transparecia um pouco de ressentimento – assim como ninguém. Minha esperança era de que ao menos você me entendesse e me ajudasse a planejar essa viagem.

Guilherme no fundo sabia que sua paixão não era por uma pessoa, mas por um nick. Um belo nick, Silvia; simples, compacto, que ele encontrara perdido em meio a um turbilhão de nomes estranhos em uma sala de bate-papo pela internet. Algo meio trivial, conversando primeiro sobre futilidades de atualidades. Logo depois vieram os comunicadores instantâneos, as trocas de fotos e as conversas mais pessoais, que logo viraram verdadeiras confissões até que um belo dia o pedido, ambos se tornaram namorados virtuais.

Meses se passaram e ele já não queria apenas o virtual e sim o real. Ela dizia que ainda era cedo, que haveria implicações em virtude da reação dos pais dela e tudo mais, mas a verdade é que o desejo era tamanho que para ele pouco importava a reação dos pais dela ou dele próprio. Ele a amava e a queria no seu mundo.

Reunindo suas economias e sem qualquer apoio da família, apenas de seu melhor amigo, Guilherme então embarcou rumo ao Rio Grande do Sul, onde morava sua pequena. O endereço, as fotos haviam todas sido enviadas tempos antes do assunto vir à tona, por isso seus planos puderam ser efetivados sem nada dizer a amada. Seria uma surpresa e tanto!

Foram três dias de viagem dentro de um ônibus de viagem, até a extenuante chegada à rodoviária da cidade. Era pouco mais do meio dia e um sol escaldante brilhava sem piedade no céu. Sozinho, ele pediu informações a um, pediu informações outro e por fim achou o endereço de sua amada e para lá rumou, mas não a pé. O local parecia ser longe, e ele achou por bem tomar um táxi.

- Para o jardim do éden! – disse Guilherme exultante ao entrar no táxi.

- Animado, hein meu amigo? – respondeu de maneira cortês o taxista.

- Animado? Animadíssimo! Vou para lá encontrar com minha pequena!

- Que bom meu jovem! Minha família há muito tempo mora por aquelas bandas. Diga-me o nome de sua menina, talvez eu até a conheça!

- Marques, meu bom homem. Silvia Marques.

- Mas ora! – gritou o taxista brecando bruscamente o carro – Isso é alguma brincadeira? Anda! Saia agora! Agora!

Guilherme assustado agarrou sua mala e saiu do táxi, que partiu em arrancada. “Mas que diabos”, ele pensou. Seria ele parente da menina? Seria essa a reação que a menina temia enfrentar quando seu namorado virtual chegasse a cidade?

Por sorte, o táxi o deixara mais próximo de seu destino. Foram pouco mais de 15 minutos de caminhada e lá estava à casa de sua amada, branca a se estender sobre um abismo de frente a serra. Não era bela nem parecia tão imponente como na foto. As telhas estavam sujas, uma ou outra janela quebrada, um estado maltrapilho, claro resultado de meses de abandono ou simplesmente maus cuidados.

Com o coração a lhe saltar pela garganta, ele se aproximou pouco a pouco atravessando calmamente o cercado branco, o gramado até por fim chegar a porta e tocar a campainha. Em um primeiro momento nenhum barulho, ao tocar pela segunda vez ele escutou claramente o barulho de coisas caindo, panelas provavelmente. Depois de apertou uma terceira vez, uma pequena janela no centro da porta se abriu, e um rosto vacilante apareceu e perguntou: “quem é”?

- Guilherme! Meu nome é Guilherme, e procuro por Silvia Marques – respondeu confiante o rapaz.

A janela se fechou. Guilherme escutou o barulho de vários trincos sendo abertos, quando por fim a porta se abriu revelando uma senhora, já na casa dos seus 50 anos, usando uma roupa já rota e um cabelo preso por fazer. Era uma aparência semelhante ao da casa.

- Guilherme? Não é possível? O namorado de Silvia? – a velha senhora olhava o rapaz de cima abaixo, ora admirando, ora temendo. – Mas vejam só essa menina, ela sequer me avisou que você estava a caminho!

- Pois ela não sabia senhora. – respondeu de maneira cortês – Vim de impulso, ansioso por conhecer sua filha pessoalmente. Não sei se é de seu conhecimento, mas há tempos nos correspondemos pela internet.

- Sim, sim. Sei quem é você. – Ela se afastou, fazendo sinal para que o rapaz entrasse – Ela... bem, ela fala bastante sobre você. Pois bem, sente-se. Deve estar cansado.

Guilherme afastou alguns jornais velhos que cobriam os jornais e sentou. A casa se encontrava na mais perfeita desordem. Pilhas de coisas se amontoavam pelo chão, pelos móveis e as únicas coisas perfeitamente arrumadas eram os quadros de uma menina que, ele não demorou muito a reconhecer, eram sua amada Silvia em diversas fases da vida.

- Linda minha menina, não é mesmo? - A velha senhora acabara de regressar à sala, trazendo uma bandeja com duas xícaras de café. Acredito que você esteja ansioso por conhecê-la, não?

O Rapaz acenou com a cabeça, enquanto mais uma vez fitava as fotografias.

- Uma pena apenas que esse encontro deverá tardar por alguns dias meu jovem. Silvia contraiu uma gripe fortíssima e deverá passar alguns dias de cama, sem qualquer contato. Você entende, germes e anticorpos. Não queremos que ela piore nem que você adoeça certo meu jovem?

Bastou um aceno com a cabeça para concordar. Concordar da boca para fora, pois infelizmente Guilherme já havia adoecido a muito tempo de uma que não era gripe, mas amor. Amor esse quase doentio pois não era direcionado a uma pessoa, nem a um objeto, e sim a um nome, o nome Silvia. Não havia como protestar que era um paciente terminal cuja única salvação era encontrar a pessoa por de trás daquele nome. Sem escolha ele aceitou aguardar alguns dias até que sua amada se recuperasse. Afinal, foram tantos obstáculos, tantos quilômetros, não seriam agora que ele estava tão próximo de seu objetivo, a apenas alguns dias e poucos metros entre os quartos, que ele se daria por vencido.

Os dias transcorriam lentamente. Tanta calma, tanta paz, que chegavam a causar certa agonia a um rapaz criado na cidade grande. O som dos pássaros que vinham cantar à janela, o som do vento cortando a grama e passando pelas frestas da casa. Sons puros e naturais, impossível de serem escutados na grande São Paulo. Era um clima bucólico, o cenário perfeito para uma paixão; uma paixão real, não virtual. Uma paixão que renderia frutos e mostraria aos pais de Guilherme quão tolos eles haviam sido ao não acreditar no coração de seu filho e mostraria ao amigo o quão tolo era não levar fé nas certezas do coração.

Tanta paz e ainda assim algo o incomodava. Não era a mobília gasta, não era o velho gato que se colocava a miar por toda a madrugada em frente a janela do seu quarto e principalmente não eram os hábitos sinistros da velha sogra, que vez ou outra Guilherme encontrava parada, estática, observando-o com um olhar que parecia o despir. Todos esses eram signos sombrios, mas não eram eles o motivos mais de sua preocupação, e sim o fato dos dias passarem sem que ele ouvisse um pio, um oi, ou qualquer outra palavra que viesse de sua amada. Que maldita gripe era essa que obrigava a pessoa a ficar totalmente reclusa, sem qualquer outro contato?

Por várias e várias vezes Guilherme tentou iniciar uma conversa com a velha senhora, porém por algum motivo esta não conseguia manter o olhar fixo nele por mais de um minuto. Fora isso qualquer assunto que não fosse sobre Silvia era bruscamente interrompido. A necessidade de se socializar, de conversar, aumentava com o fato de não existir qualquer vizinho a um raio de quilômetros da casa. Tão afastada que era da cidade não havia meios de Guilherme sair para curtir a noite. Sozinho ele acabava por se dedicar a ler todos os livros que eram da menina, assim dessa maneira eles teriam muito assunto para conversar quando se finalmente fossem se encontrar.

Mais de uma semana havia se passado desde que Guilherme chegara ao Rio Grande do Sul e até então ele não havia tido qualquer sinal de vida de Silvia. Sem vizinhos, sem conversas, sem ninguém, Guilherme já estava prestes a explodir. Sem sono, tomado pelo tédio da noite ele resolveu se conectar à internet pelo seu smartphone e qual foi a sua surpresa ao encontrar Silvia on-line.

Seu coração disparou ao finalmente encontrar um sinal de vida dela. Oi ele disse, e oi ela respondeu. A conversa então transcorreu de uma maneira tão normal que chegava a ser anormal, afinal ela não sabia que ele estava na sua casa? Quando finalmente Guilherme tocou no assunto, silêncio. Nenhuma resposta, apenas a de que Silvia acabara de ficar off-line.

Guilherme ficou confuso. O que estaria acontecendo? O gato começou a miar janela afora. "Maldito bichano", ele pensou, quando lá estava Silvia on-line novamente e uma nova conversa se iniciou como se nada houvesse ocorrido antes. Eram as mesmas perguntas e respostas de antes, e ele começava a ficar nervoso com isso. Que brincadeira era essa? Em sua testa, gostas de suor desciam, e em suas mãos os dedos tremiam.

Sua mente focava tentava entender as peças aleatórias que se apresentavam, sem qualquer sucesso em entender aquele quebra cabeça. Em determinado momento um baque: o vento forte soprou pela janela defronte a porta do quarto onde Guilherme estava abrindo-a abruptamente. Quietude, apenas quietude de uma paz mórbida tomavam o local. Gato havia parado de miar.

Ele deixou o smartphone e mirou a escuridão que tomava o corredor. Seus ouvidos relaxaram e começavam a perscrutar o ambiente; ao longe, era possível escutar, ao menos agora com a porta aberta, o som de teclas sendo digitadas. "Só pode ser Silvia", ele pensou.

Levantou-se rapidamente de sua cama e silenciosamente se pôs a andar seguindo o som. Cautela era o seu nome, afinal ele não queria ser pego andando pela casa no meio da noite. O silencio predominava o ambiente de forma sepulcral naquela noite, o que fazia com que o menor dos sons pudesse ser escutado a distância, tanto que Guilherme precisou caminhar até a entrada do porão para finalmente chegar ao local de onde vinha o som das teclas.

Ele parou e olhou para a porta que, por acaso, não estava fechada, apenas encostada. As dobradiças davam a impressão de serem antigas, e por entre elas uma luz, vinda provavelmente de um televisão, serpenteava no ar. Seu coração palpitava com mais força, quando ele ouviu o som de teclas sendo digitadas e a mensagem “onde está você?” apareceu na tela do smart.

"Silvia...", ele pensou e correu em direção a porta, abrindo-a de sopetão para se deparar com uma cena, terrivelmente assustadora que quase matou do coração. O porão era pequeno e mal iluminado. Pelas paredes fotos e mais fotos penduradas a esmo que, ele não notara, eram de Silvia em diversas fases da vida. No canto oposto havia a porta uma mesa com um computador, cujo monitor provinha a maior parte da luz no interior do ambiente. Na cadeira enfrente ao computador estava sentada a dona da casa, completamente nua, postada de maneira bizarra em frente ao computador, escrevendo com uma mão e se masturbando com outra.

Guilherme estava chocado, completamente inerte com aquela cena bizarra que transcorria frente aos seus olhos. O mais grotesco Guilherme não notara de início, era que junto a mesa havia uma cama, onde nela um corpo em avançado estado de composição repousava, atraindo sobre si toda sorte de vermes e insetos. Era difícil dizer que algum dia aquele corpo havia sido de uma pessoa, mas fora e pior, apesar das partes destruídas, o rosto permanecia intacto, revelando traços da bela face de sua antiga dona Sílvia.

- O que você está fazendo aqui??? – berrou a velha se levantando da cadeira. – Saia! Saia!

Os olhos mortos de Silvia miraram os olhos de Guilherme, que ignorando os berros caminhou a passo a passo em direção a cama. “Silvia”, ele sussurou.

- Minha filha... – a velha se acalmou – Sim minha filha... sim – a velha caminhou até a.

A mente de Guilherme estava perdida. Choroso ele se ajoelhou e beijou a mão de Silvia, abraçado ao braço comido.

- Você a ama? – perguntou a velha

- Sim – Respondeu o choroso Guilherme – Mais que tudo... mais que tudo.

A velha então se abaixou e Guilherme a abraçou. Ela então afagou seus cabelos e lhe disse ao ouvido. “Eu também, meu filho... eu também...”.