Sonho

Quando meus olhos se abriram, naquela noite escura no alojamento, me vi perdida, longe de casa, com o corpo tremendo sem ter a quem pedir ajuda, eu senti sua presença, e temi, como nunca antes.

Te amei. Amei com toda a inocência de uma adolescente, mas com a volúpia doentia de quem desejava loucuras que não podia fazer, que voei dentro dos seus olhos, e te ensinei a ver poesias na simplicidade de uma sonhadora, em seus olhos pagãos eu via a paz negra de um cemitério, mas eu jamais temi você. Sonhei com você, era você, um vampiro assustador, que um dia me amou, mas que hoje, certamente nutre um ódio doentio por mim. Você não me quis, foi embora sem dizer por que e quando voltou era tarde, machucou, mas não poderia dar certo, uma cristã e um pagão? Loucura!

Do lado de fora do alojamento do acampamento ouvi passos, as mãos tremiam, a porta, que antes trancada, agora estava aberta, um vento frio entrava por ali, e do lado de fora a lua cheia deixava tudo claro, mas enevoado, ao som de morcegos, grilos, mas era o cortante silencio da ansiedade que me tirava o fôlego, que fazia meu estômago doer. Todos dormiam, e eu caminhava, descalça, com uma camisola maltrapilha, com a pele arrepiada de frio.

O alojamento ficava muito próximo da mata. As árvores próximas davam a sensação de que, a qualquer momento, algo sairia dali, meus olhos atentos buscavam algo, talvez alguma luz entre aqueles galhos escuros...

Passos às minhas costas, cheiro de pele, cheiro de homem, cheiro de suor, de mato, cheiro de noite úmida, cheiro de loucura... Viro devagar, como um animal me sinto ameaçada, mas me paraliso de medo, seus olhos estão tão negros, seu corpo não é só humano, sinto a boca seca, sim, vejo que realmente você não mentia quando dizia que era possível mudar. Oh como meu coração bate rápido dentro do peito! Mas o pavor vai se amansando, pois quando vem em minha direção seus olhos perdem a maldade inicial.

-Eu te chamei... Entrei nos seus sonhos e chamei.

-E eu vim...

Você volta a ser humano, com os olhos grudados nos meus, sua mãos tocam minha pele, abaixo os olhos, não tenho medo, tenho quase pena, pois você transpira infelicidade...

-O que faz aqui?

-Estou acampado aqui por perto... Senti sua proximidade, vim te procurar...O que faz aqui?

-Curso...

-Você está diferente, está brilhando mais – os olhos ficaram pequenos, como se alguma luz de fato incomodasse.

-Hummm, impressão sua...

Sorriu docemente, segurou minhas mãos e as beijou, podia sentir um leve tremor, não sei se vindo de mim ou dele.

-Acho melhor eu ir, antes que eu te faça algo minha cara.

-Algo?

-Sim, estou com sede esta noite...

No fundo de minha alma em compreendia, mas a lua estava linda, a noite silenciosa, e a vida parecia parada então eu estendi meu braço.

-Mate a sede então.

Os olhos em chamas se acenderam, foi rápido demais, tão rápido que eu não pude me desvencilhar, a dor que senti em meu braço era incomparável, estava sendo sugada, as forças iam acabando, as pernas bambeando. Cai desfalecida ali, em meio à grama verde...

Acordei no hospital, todos do acampamento estavam nervosos, meus pais tinham sido chamados, meu braço enfaixado ainda doía, notei que meu pescoço também estava dolorido. Ninguém sabia que animal teria me feito aquilo, me olhavam com espanto, eu disse que não me lembrava sequer de ter saído, voltei para casa, e fitei o teto por horas e horas, tudo parecia rodar.

Não é como nos contos, não me tornei vampira, nem lobisomem, nem zumbi, mas daquele momento em diante minha alma ficou ligada à dele, estranhamente, e agora, depois de tanto tempo posso me lembrar como se fosse ontem, vendo fotos de pessoas encontradas mortas em florestas... Sei que me odiava, pois só o profundo ódio permite que alguém seja tão mal, você ligou minha alma a sua para que eu fosse infeliz, talvez fosse melhor que tivesse me matado, pois já me cansei de tê-lo povoando meus sonhos, me liberte, se for possível, mas desprenda-me de seus laços oníricos!

Quando a lua cheia entrou por minha janela, e um uivo por meus ouvidos, e o pavor me percorreu a espinha, era um chamado para a morte, foi ali, naquela rua escura que te vi, e que veio correndo em minha direção, em quatro patas, e se levantou, ficando sobre os pés e chegou até ter apenas alguns centímetros entre você e eu, e em seus olhos tinham lagrimas e nos seus lábios palavras proibidas, talvez de amor, talvez de ódio, e eu ali, te amei com um ódio sem igual, e foi quando nossos lábios se tocaram, e suas garras perfuraram minha barriga então vi, em seus olhos, e ouvi pela ultima vez doces versos que o vento espalhou...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 25/01/2008
Reeditado em 26/01/2008
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