FIM DE MUNDO

A noite era cinzenta, um vendaval prenunciava a qualquer momento. A pequena cidade se recolhia, pois já eram altas horas e o chuvisco já caía na noite. A única casa que permanecia movimentada era a do Seu Ernesto, pois esse acabara de morrer e as pessoas faziam vigília. Todos estavam amedrontados, pois o morto era uma pessoa estranha e vivia sozinho. E todos comentavam que a casa dele era mal assombrada. Ele morava no Fim de Mundo, rua da cidade. E parecia um fim de mundo mesmo, as casas eram separadas umas das outras, numa distância de cinqüenta metros. Quem passava por lá, pela porta dele, dizia que ouvia coisas de outro mundo. Gritos, vozes esquesitas, coisas se quebrando...Era um terror! O morto estava no caixão de olhos bem abertos, todos tantavam fechar, mas não conseguiam. Dona Violeta, carola da cidade, tentava de todas as formas fechar os olhos do falecido, mas nada. Chamaram o Padre Olegário para rezar, enquanto tentavam fechar os olhos. De repente o vento começou a gemer, a abrir as janelas da casa, acompanhando o vento, a chuva pesada descia, todos tentavam fechar as janelas e os olhos do velho Ernesto. O vendaval caía, alangando as ruas mal calçadas. As janelas de tábuas estragadas fecharam, mas os olhos... Resolveram deixar o morto com os olhos abertos. Parecia que ele esperava alguém. Dona Violeta fez um café para aquecer, e serviu as pessoas. Chovia torrencialmente, tinham pessoas que queriam ir embora, mas a chuva impedia. Resolveram ficar até o amanhecer. Começou o rajar de trovões e o relâmpago rasgava o céu. O vento era forte, que escancarou a porta. Celso, um rapazote correu para fecha-la, mas estremeceu de medo quando na porta apareceu súbitamente uma mulher toda de negro e um véu cobrindo o rosto, também negro. O rapaz se esquivou para um canto, enquanto a mulher adentrava. Silenciosa, ela foi até o morto, ficou ali parada, mas não levantou o véu. As pessoas que estavam lá, ficaram sem entender e sem fôlego, olhando para a desconhecida. Ela ficou meia hora, parada e silenciosa e ninguém se mexia, depois saiu embaixo da tempestade sem dizer nada. Celso correu pra fechar a porta e viu a mulher sumir. Estonteado ele voltou pra seu lugar, sem nenhum comentário. A casa possuía seis cômodos e um quintalzão. Duas salas, dois quartos, a cozinha e um sanitário. Às pessoas se locomoviam sempre acompanhadas, tinham medo de saírem pra outros cômodos da casa sozinhas.

No quintal um raio caiu numa mangueira, derrubando-a e fazendo um enorme barulho, deixando o povo mais amendrontado ainda. Laura a fofoqueira da cidade era a única que conversava:

-Vejam, os olhos do velho fecharam! Falou boquiaberta.

Dona Violeta ficou pasma. Ela tentou de todas as maneiras fechar os olhos do morimbundo mas não conseguiu e agora, a derrubada de uma árvore fez com que se fechasse. Ninguém arredava o pé do lugar. Uns cochilavam e outros cantavam um hino da igreja. O padre Olegário fazia suas orações. Já era tarde. Era madrugada e o velório continuava assombrando o pessoal. Alguém gemia no quintal, mas ninguém tinha coragem de ir até lá.

Momentaneamente, alguém bateu na porta do quintal, todos ficaram paralisados, faltou luz, a escuridão tomou conta da casa. O padre parou a reza e pediu uma lanterna. Conseguiram achar uma lanterna no armário da cozinha. O padre chamou Cardoso, o valentão da cidade:

- Vamos lá Cardoso, vamos ver quem bate na porta.

Cardoso, foi até a cozinha e pegou uma faca, escondendo do vigário. Os dois foram até o fundo e abriram a porta. Um gato gritou e entrou, assustando todo mundo. Olharam e não tinha ninguém. Tudo era escuridão. Entraram e se acomodaram até o dia amanhecer. O sepultamento seria às dez horas. A chuva passou, o vento silenciou, mas as ruas continuavam alagadas. As pessoas começaram a se movimentar. Cardoso, resolveu ir até o quintal vê o estrago da chuva. A mangueira caiu sobre outras árvores e ele pode ver algo esquesito, onde a mangueira escavou. Ele desceu e foi até lá. No chão tinha uma roupa escura e um véu escuro também, que ele já tinha visto e tentava se lembrar. Voltou na casa e chamou Celso:

-Olha, Celso, o que eu encontrei.

Celso se abaixou e pegou o véu caído e ainda molhado.

-Esse véu é daquela mulher que esteve aqui! Mas, porque está aqui, se ela saiu por lá?

-Não sei. Respondeu Cardoso.

-O vestido também é dela.

E quando ele se aproximou mais para pegar o vestido, o chão se abriu, deixando à vista ossos enterrados naquele lugar. Eles escavaram mais e encontraram um corpo já em decomposição. Antes do enterro, chamaram a policia para desvendar o que sucedia. O enterro começou a sair e a policia começou a remexer no lugar.

Enquanto isso, uma linda moça descia do ônibus e se dirigiu até aquela casa da rua Fim de Mundo. Ao chegar lá, encontrou a polícia remexendo em tudo. Ela apresentou-se dizendo ser filha do falecido e que seu nome era Laudicéia. A policia a inquiriu sobre seu pai e ela contou-lhe que sua mãe queria se separar dele para casar com outro, mas seu pai não queria, pois amava-a muito. Então a mãe veio fazer uma visita para conversar com ele amigavelmente e depois disso desapareceu. Ela escreveu para o pai, querendo saber da sua mãe e ele disse que ela esteve com ele e depois viajou, mas não disse pra onde. A policia levou-a até o corpo, mas ela não reconheceu, porque estava desfigurado. Mas, reconheceu a roupa e as fotos que estavam em mãos da policia. Depois tudo se desvendou. Por ciúmes ele matara a mulher e enterrara no quintal, e ela reapareceu em seu enterro. Todos viram, na rua Fim de Mundo.