Satisfeito

Ele jogou o cubo no chão tão logo avistou o que queria. Não, não era bem o que queria, mas a criatura que lhe daria o prazer final em sua vida, que lhe permitiria dormir uma noite completa e aliviada, sabendo que estava satisfeito.

Mesmo no ambiente escuro, visualizou bem a face pálida, quase azulada, daquele ser nefasto. Desesperado, não se importou em olhar para os anzóis que puxavam as pálpebras do Cenobita, mantendo os olhos arregalados como gente assustada e louca. Viu-o se aproximar mordendo os lábios com caninos pontudos e arrancando gotas de sangue e lascas de pele em volta da boca. Parou diante dele, trajando uma túnica negra que tilintava a cada passo. A criatura andou lentamente e sorrindo e chorando de maneira horripilante. E o medo não vinha dos modos afetados, mas pela maneira ensandecida como o sorriso e o choro do Cenobita eram desprovidos de emoção. Aquelas demonstrações do sentimento humano escancaradas de maneira tão vazia causavam um paradoxo em tudo que o homem aprendera a crer.

Parou diante dele, ainda rindo e chorando. Levantou as mãos e pela manga da túnica, o homem notou os anzóis e pregos presos no tecido. Eles prendiam-se à pele mórbida, arrancando pedaços durante os movimentos mais bruscos.

- Qual é seu prazer? – perguntou.

O homem se ajoelhou para pedir, mas o Cenobita não pareceu se importar com o ato. Repetiu a pergunta em um tom ainda mais frio.

- Quero me satisfazer. Quero encontrar minha paixão!

O Cenobita riu, gargalhou, depois chorou e então agarrou a cabeça do homem, segurando as orelhas e espremendo os dedos entre os cabelos. Beijou-se a testa com lábios frios e machucados, deixando uma marca ensangüentada. Era a morte aproximando sua frieza em tons azul, negro e vermelho. O homem fechou os olhos e quando os abriu, a criatura já fora embora. Pegou o cubo e o beijou, agradecendo.

Sentiu-se liberto e foi com a coragem e confiança que a liberdade dá a um homem que correu até o carro, ainda com o cubo na mão. Não ousaria deixá-lo. Era como se a liberdade estivesse atrelada a ele, por mais paradoxal que fosse a idéia.

Parou em frente à casa dela quase tremendo de alegria e a encontrou saindo de casa, diante da porta, preparando-se para colocar a chave e trancar. Era linda com aqueles cabelos loiros e os olhos azuis. O corpo fazia-o passar os dias desconcentrado, imaginando apenas a oportunidade de possuí-lo. Disse com uma coragem única:

- Eu te amo e te quero!

Havia a certeza satisfeita de que ela o beijaria e entrariam para o sexo ardente que esperava há anos. Foi por isso que a risada sarcástica dela soou tão má, arranhando os ouvidos dele e destruindo-lhe a vontade.

- Já falei para você sumir – respondeu ela, petulante, virando-se para acabar de trancar a porta.

O desejo dele continuava, mais forte do que a compulsão de antes. Foi então que ele entendeu qual a liberdade que tinha o que o Cenobita havia lhe dado. Ainda com o cubo na mão, girou o braço e acertou uma das arestas finas do objeto metálico na cabeça dela. Não sentiu nenhuma pontada de culpa quando a viu cair. Olhou-a inconsciente, talvez morta. O sangue pingava do cubo quando o jogou para dentro e em seguida a arrastou para a casa. Teria o que queria e nem se sentiria mal com isso. O Cenobita havia lhe dado a liberdade para que a consciência nunca mais refreasse sua satisfação.