1985 -Face a Face

Ivan está sentado no chão com os braços cruzados sobre as pernas.

Fita Saturno com os olhos frios. Esconde mal a fornalha de ódio que arde dentro de si.

Aos seus pés, o bebê dorme docemente.

Se um humano visse o Prussio a noite, com suas belas roupas alinhadas, nos ricos bares de pinheiros, nunca imaginaria que se tratava de um poderoso vampiro.

Terno de ombreiras e calças de linho preto feitos sob medida, e no pulso direito, um relógio e pulseira de ouro branco.

Brinca displicentemente com os cachos castanhos do bebê.

O pequenino suga a chupeta com suavidade, sem noção alguma do perigo que corre, pois com apenas uma mão o loiro pode esmagá-lo.

Saturno está junto ao batente da janela, com as mãos nos bolsos da calça jeans, aparentando uma calma que não tem.

Apenas observa.

Seu meio-irmão de sangue, Ivan, aprendeu a bloquear seus pensamentos. O que o torna duplamente perigoso.

O ódio que nutre por Saturno é antigo, pois este matara seu mestre e criador, Euronnimous, e pior: foi considerado inocente pelo tribunal vampírico em 1969.

- Por que machucar um bebê? O negócio é entre nós dois... – diz o índio quebrando o silêncio.

Ivan não responde. Apesar de ser mais velho que Saturno, por algum motivo desconhecido este é mais poderoso.

Pela lei mais antiga dos Noturnos, é expressamente proibido o assassinato de semelhantes da mesma raça.

A não ser em caso de defesa da vida, claro.

Um vampiro que mata outro (sem uma boa razão) é preso no poço negro, onde, é aplicada a lei de Talião. A luz do sol brilha apenas uma vez a cada ano bissexto.

As paredes do poço são revestidas de prata, impossibilitando a fuga de qualquer imortal com menos de mil anos.

Filipe, o bebê de um ano e seis meses, fora raptado de sua mãe, uma famosa atriz de novelas alguns dias antes.

Seu seqüestro causou uma comoção nacional.

Policiais de três estados acionaram seus esquadrões anti-seqüestro. Não encontraram nenhuma pista.

Passando por uma banca 24 horas na Avenida Paulista, o vampiro de longos cabelos negros, vê na manchete de um jornal sensacionalista a foto do quarto do bebê raptado.

Na parede, acima do berço, escrito com o sangue da babá, a seguinte mensagem:

- SATURNO, VENHA.

Ele fica espantado com a mensagem, que confunde psicólogos forenses, policiais e estudiosos do comportamento criminoso.

Com certeza, pois o recado é para ele.

Mesmo após quatrocentos anos, ainda reconhece a caligrafia de seu odiado inimigo, Ivan.

Fura com facilidade o bloqueio da polícia e entra no quarto.

Lá dentro, o cheiro do Prussio está em todo lugar.

- Droga... – sussurra o imortal.

Ele tem que seguir a pista de seu pior inimigo para salvar aquela pequena e inocente vida.

Passa algumas noites perambulando pelo submundo de São Paulo, que ele conhece muito bem.

Após duas noites, as almas desgarradas da cidade já sabem: O misterioso Saturno está atrás do empresário da noite, Ivan.

Só então o indígena percebe que a aura de medo em torno de seu nome é muito grande. Tornara-se uma lenda urbana.

Nem por isso foi mais fácil conseguir a informação que deseja.

Certa noite no MADAME SATÃ, após se apresentar (algo que definitivamente não costuma fazer) finge tomar uma cerveja, quando um homem senta ao seu lado.

Ele beberica o álcool por alguns instantes. Sem ao menos se virar avisa:

- Se você tem algo a me dizer diga. Ou então caia fora antes que eu te mate.

- Se... Senhor Saturno... Eu sei aonde tá o Ivan... – murmura o homem.

Pela primeira vez o vampiro se vira e o encara com seus penetrantes olhos frios.

- Fale. – ordena em voz baixa.

- Calma aí meu! Tá ligado que isso não vai saí de grátis! – replica o homem abanando a mão sugestivamente.

Saturno ia responder. Seus olhos começam a ficar rubros, quando nota um brilho vindo velozmente em direção à cabeça de seu interlocutor.

Por reflexo põe a mão sobre a nuca do homem.

Sua mão é perfurada por uma faca, assim como a cabeça do homem. A lâmina penetra a base do crânio.

Em minutos o informante estará morto. Alheio aos berros dos freqüentadores do bar, que assistem à cena macabra com horror, o índio faz apenas uma pergunta:

- Onde está o Ivan?

Com os olhos já vidrados, ele tenta falar, porém engasga com o sangue.

Não precisa dizer nada. O vampiro de longos cabelos negros já tinha roubado a informação da mente que se esvai.

- “Casa do Grito”. – capta o imortal.

Ipiranga. Ele precisa se apressar, pois cada segundo que se esvai é um tempo precioso que ele perde em busca da criança.

Desce em direção ao terminal de ônibus do Parque Dom Pedro I.

Um bando de Punks o intercepta no caminho.

- Aê seu metalêro bicha!

O vampiro os ignora, tem coisas mais importantes para resolver.

Leva uma correntada nas costas. Seus olhos inflamam-se de raiva.

Com agilidade impressionante, agarra a corrente, puxando o punk para perto de si.

- Quer morrer é? – grunhe.

Com o rosto coberto de espinhas e o moicano de três cores arrepiado, este não se intimida. Parece estar drogado.

Tira uma machadinha do cinto e com ela acerta o braço de Saturno.

O filho da noite não grita. Não geme. Apenas retira a arma do membro ferido e decepa a cabeça do humano ousado.

Vendo isso o resto da gangue foge em pânico.

Bebendo com voracidade, o vampiro não desperdiça o sangue de sua vítima.

Pega o ônibus jardim Hélia e chega até o alto do Ipiranga.

Com muito cuidado invade a Casa do Grito. Abre o vidro cuidadosamente, e entra.

Pensa se aquela não seria a ratoeira perfeita para ele.

É uma armadilha.

No momento em que entra na casa, sente o cheiro de três vampiros.

Um deles é grande e corpulento. Segura uma grossa barra de ferro.

O menor parece ser o mais velho e tem nas mãos um tipo de lâmina circular. Parece com o Gandhi.

E um mulato de aparência perigosa, ex-escravo com duas facas de ticum.

- Alguém pode me dizer onde está o Ivan?

Já imagina a resposta.

- Gor, Jão... Peguem-no! – grita o nanico.

Certifica-se do que já sabia: o vampiro menor é o mais poderoso, pois mandou os outros dois atacarem primeiro.

O mulato gira as lâminas em alta velocidade, e Saturno tem certa dificuldade em acertá-lo e desviar dos golpes da barra ao mesmo tempo.

Apesar dos vigorosos chutes que acerta no rosto do grandalhão, este continua a atacá-lo.

A faca de madeira do imortal mulato faz um corte na sua jaqueta.

- Eu vou te retalhar! – grunhe Jão.

Saturno pula alto e com as duas pernas chuta o peito do mulato, que cai alguns metros para trás.

- Já cuido de você. – avisa para o vampiro alforriado.

E de volta para o chão, chama o grandalhão para a briga.

- Ei! Seu cão branco! Venha!!

Gor, furioso corre na direção do índio franzino.

- VÔ TRITURÁ VOCÊ!

- Hulk esmaga hein? Experimenta isso!

Quando o gigante o ataca, Saturno usa a velocidade dele para derrubá-lo.

Desvia da barra e agarra o braço dele, jogando-o ao piso do apartamento.

- Dá isso aqui! – Saturno toma a barra de aço dele.

Com toda a força que tem, crava o brucutu no solo, prendendo-o pela cabeça decepa-lhe os braços e as pernas, deixando-o como uma imensa larva se contorcendo no chão.

João, o imortal mulato já tinha se levantado e mostra sua destreza com as facas de palma, retiradas do tucunzeiro.

- Quero ver você me acertar! Fui mestre do mestre do “Besouro” e melhor que eu não há!

João move as facas de tucum, tão velozmente que Saturno não consegue chegar perto.

Os dois se movem muito rápido que não podem ser vistos por olhos humanos.

Enquanto batalham, parecem dois borrões.

Além das armas o ex-escravo também lhe aplica formidáveis golpes de capoeira, e escapa de seus ataques mortais gingando o corpo com flexibilidade extrema.

Derrepente, o índio para a alguns metros de Jão. Este continua movendo as facas, não permitindo que o rapaz de longos cabelos negros se aproxime.

Saturno não pensa duas vezes. Pega seu punhal pela ponta da lâmina e o atira contra o mulato, perfurando-lhe o olho direito.

O alforriado perde a concentração e larga uma das facas.

- Me lembro de você em Sorocaba. Foi julgado em 1767 não? Onde está seu patuá? Pensei que tinha o corpo fechado...

Pega a lâmina, antes que ela toque o solo. Enquanto Jão está vulnerável, enfia-lhe a faca de madeira no coração, o que o paralisa Instantaneamente.

Saturno abaixa e arranca seu punhal do olho do mulato capoeirista.

O vampiro mais antigo continua imóvel, mas agora sorri.

- Eaí? Vai chamar o Ivan agora?

- Não. Mas pela diversão que você me proporcionou, vou matar você lenta e dolorosamente... – ri o imortal.

Quando o nanico se move é tão rápido que surpreende Saturno.

A lâmina circular chamada entre os indianos de Chakram abre um talho profundo no braço esquerdo do indígena.

- Me chamo Kabir. O Noturno mais rápido do planeta.

Saturno tenta pegá-lo de surpresa, mas o indiano é muito veloz, mesmo pelo padrão dos vampiros.

O pequeno imortal gargalha correndo ao redor do rapaz de longos cabelos negros, golpeando-o com o Chakram.

Cada vez que passa a arma, um novo corte aparece em Saturno, e não há nada que ele possa fazer para se defender.

O corpo do vampiro índio trabalha dobrado para regenerar os ferimentos e novos aparecem imediatamente.

A jaqueta de couro de Saturno é agora um monte de tiras sanguinolentas dependuradas, assim como sua carne.

- Que rosto bonito você tem, mas eu dou um jeito nisso! – ri Kabir levantando a arma novamente.

Faz um oito com a arma em pleno ar e um “X” sangrento aparece no rosto do índio.

Este sente o Chakram roçar os ossos de sua face.

Saturno abre os olhos, furioso.

- E agora “voilá”! O golpe de misericórdia! Acredito que sua cabeça será um belo troféu na minha estante!

O desprezo na voz do indiano é evidente e ele toma impulso contra seu inimigo.

Atira a lâmina para decepar o pescoço de Saturno.

- Acho que não! – grunhe o brasileiro com ódio na voz.

Milésimos de segundo depois está atrás de Kabir, seus olhos brilhando como fogo.

A lâmina, como um frisbee faz uma curva no ar e o surpreso indiano a apanha tentando atingir, seu oponente.

Saturno apara o golpe entre as palmas das mãos e quebra a lâmina em duas partes.

- Não pode ser! – berra o pequeno ser da escuridão.

O Chakram era feito do mais puro aço.

Saturno crava Kabir na parede com as duas pontas da lâmina.

Lentamente, tira seu punhal da cintura.

- Ei, ei! Calma! Eu te digo onde está o Ivan ... – suplica o indiano.

O indígena se aproxima, ameaçador.

- Tarde demais. Já roubei a informação de sua mente...

Agarrando os ralos cabelos de Kabir, seu punhal se move violentamente centenas de vezes em alguns segundos.

Quando solta os cabelos, a cabeça do indiano cai pesadamente. O rosto uma massa disforme e sangrenta.

Sai da Casa do Grito e pega um táxi.

O motorista, um senhor cearense muito falador, tenta de qualquer maneira conversar com o vampiro índio.

- Que que cê tá triste rapaz? A vida é muito curta pra ficar assim!

Saturno não seixa de sorri.

- Curta? Eu tenho a eternidade pela frente...

Foi a vez de o homem grisalho rir.

- Vocês jovens... Acham que a vida é pra sempre! O negócio é arrumá uma mulhé, casá e ter muitos filho!

O imortal nota que ele carrega uma peixeira na cintura.

- Pra que a faca?

Batendo a mão na proteção da lâmina o senhor lhe responde um tanto sério:

- Isso é pros ingracadinho que tenta não pagá as viagem!

O vampiro suspira. A vida dos humanos é tão curta e, no entanto eles mal a aproveitam.

Às vezes Saturno pensa que o homem moderno não sabe viver. Ele medita em silêncio, quando escutam um barulho na capota do carro.

Os dois olham sobressaltados para o alto.

- Acho que jogaram uma pedra! – reclama o motorista com raiva.

- Acho que não...

Para espanto do taxista, o imortal começa a sair pela janela do passageiro.

Com um barulho de metal sendo rasgado, o condutor do veículo olha para cima, assustado.

Um vampiro mulato havia feito um talho com as unhas e alarga a abertura com as mãos.

- Oi... Homenzinho! – ri Jão, com os caninos completamente expostos, o cabelo black ao vento.

Mas quando olha para o banco onde deveria estar Saturno, vê que este sai pela janela e se levanta rapidamente.

Com seu punhal afiadíssimo o índio abre um corte que vai do ventre ao tórax de seu inimigo.

O imortal ex-escravo grunhe, enquanto corta o ombro do rapaz de longos cabelos negros com lâmina de palma dura como aço.

- Ai Deus! Só pode ser uma piada! – choraminga o taxista acelerando.

Sobre o carro os dois filhos da escuridão continuam lutando.

- Como escapou da madeira? Era para você estar paralisado!

- Hahahaha! Eu sou capoeira! Ginguei o corpo e a faca de ticum passou ao lado de meu coração!

O vampiro mulato faz um corte no rosto de Saturno, que enfurecido, passa o afiado punhal no braço de seu antagonista.

O membro fica pendurado por fiapos de tendões.

Antes que o inimigo possa voltar a atacar, eles escutam um tiro.

O taxista, armado com um calibre trinta e oito, dá um tiro na perna do vampiro negro.

- Desgraçado! – murmura o mulato.

- Desce do meu táxi, seus filhos da putaaaaAAAA!

Agachando sobre o capô, o vampiro alforriado enfia seu braço no vão do teto e desviando de mais dois tiros atravessa o pescoço do motorista com sua faca de ticum.

Enquanto seu oponente está agachado, Saturno lhe faz um profundo ferimento entre as costelas com seu punhal.

Agonizante, o taxista perde o controle do carro.

Saturno segura vampiro mulato pelo braço ferido, ajoelhando-se também sobre o teto do veículo.

O índio entra no táxi desgovernado e retira a peixeira da cintura do taxista.

Improvisa uma tesoura com seu punhal e a peixeira, força as duas lâminas contra o pescoço do vampiro.

- Qual o andar? – grita Saturno.

Jão fica em silêncio, porém o índio lê em sua mente a localização de Ivan e o bebê.

Ele sai do veículo rapidamente com as duas facas prontas para decepar a cabeça do lacaio de Ivan.

- Você conhece a piada do vampiro que foi a praia sem bronzeador? – ri Saturno.

O mulato o olha espantado.

- Não...

Subindo a guia, o carro voa em direção a um poste.

- E nem vai conhecer! – gargalha o indígena.

O táxi bate, lançando os dois aos ares.

Saturno cruza os braços, fechando a tesoura improvisada.

A cabeça do ex-escravo voa longe. O rapaz de longos cabelos negros cai no chão quebrando algumas costelas que logo se refarão, e rasgando mais um pouco suas velhas calças Lee.

- Idiota... – resmunga ele, atirando a peixeira longe.

Alguns segundos depois o carro começa a pegar fogo, atraindo as pessoas que moram próximas.

Joga o corpo em um terreno baldio onde certamente a luz do dia o desintegraria.

- Estou indo Ivan... Me aguarde. – murmurou consigo mesmo.

Após roubar um Chevette, começa a dirigir rapidamente para a região nobre de São Paulo.

Quando chega próximo ao hotel Macksoud Plaza, dispensa o carro em uma esquina.

A ditadura ainda está em vigor no país, perdendo sua força dia a dia, por isso os militares querem uma transição pacífica para a democracia. Com um presidente escolhido por eles.

O futuro presidente do Brasil está hospedado no mesmo hotel que o prussio, por este motivo o lugar está muito bem guardado.

Entra sorrateiramente, saltando de sombra em sombra até chegar à porta dos fundos do Hotel.

Deixa um segurança morto com apenas um toque. Entra no edifício.

O lugar cheira a limpeza, mas com seu olfato apurado o imortal sente algo mais.

Outros vampiros.

E entre eles o ser que mais odeia na terra. Ivan, seu meio irmão no Sangue.

O Prussio está no décimo terceiro andar, no apartamento treze. Infelizmente o presidente está no apartamento quatorze, em frente ao de Ivan.

O corredor está repleto de agentes.

Sabendo que seria arriscado tentar entrar pela porta da frente, sobe ao décimo quarto andar e entra em um apartamento qualquer.

Atravessa como uma sombra o casal que dorme e vai até a sacada. Pula.

Impulsiona seu corpo levemente, de modo a cair exatamente na sacada do apartamento treze.

O vidro está fechado. O vampiro índio tenta ver o interior do enorme apartamento, mas este parece vazio.

Grande parte dos cortes e ferimentos que sofrera já haviam se regenerado, e Saturno segue por um comprido corredor. Abre uma porta de nogueira dando de cara com seu inimigo mortal, Ivan.

Saturno fica encostado ao batente da janela, com as mãos nos bolsos da calça jeans, aparentando uma calma que não tem.

- Por que machucar um bebê? O negócio é entre nós dois... – diz o índio quebrando o silêncio.

Após alguns segundos tentando arrancar alguma informação da mente fechada do Prussio é que o indígena percebe o perigo que corre.

É mais uma armadilha.

- “ Apenas um passo a frente...” – pensa o vampiro loiro, ao mesmo tempo em que se ocupa escondendo tal pensamento.

Ivan deixou armado uma poderosa bomba a um passo de onde está seu meio irmão de Sangue. Uma de várias que plantou por todo o apartamento.

- Sabe de uma coisa... O bebê que se dane! Vim aqui , pois acreditei que ou você ia tentar me matar ou acabar com esta guerrinha ridícula!!

Saturno, para espanto do Prussio, vira as costas e se dirige para a saída. Este se levanta exasperado:

- Ei! Seu amante de humanos! Vou matar este bebê! – grita fazendo um cone com a boca.

- Que se dane! É bom mesmo que ele não viva neste mundo podre...

O rapaz de longos cabelos negros sente ímpetos de voltar, mas se controla, continuando o blefe. Quase volta ao escutar o ruído de uma lâmina sendo desembainhada.

- Saturno! Eu já avisei! – chama desesperadamente o prussio.

Ivan sente que sua presa está escapando de suas garras.

Abrindo a porta que dá para o corredor, o indígena vê dezenas de armas engatilhadas, apontadas para ele.

- Desculpe senhor. O trânsito neste andar está proibido! – avisa o agente falando em seguida em seu comunicador usando um código.

- Eu... Eu sei. É que eu preciso sair...

Mal o vampiro indio dá quatro passos e Ivan aparece na porta.

Com o rosto vermelho de raiva e vergonha, o prussio chama seu inimigo mortal:

- Acho que precisamos dar um fim nisso não?

Saturno olha para trás.

- Tem razão...

O loiro convida seu meio irmão a voltar para o apartamento.

No momento em que o filho da noite está quase entrando, o rádio comunicador do agente toca.

Alguém de dentro do quarto do presidente, pergunta o que ocorre lá fora.

- É apenas uma briguinha de namorados! – responde o agente sorrindo maliciosamente.

Saturno detém um forte desejo de estripar o agente, mas se contém. Tem coisas mais importantes no momento.

Ivan o espera na grande sala do apartamento.

- Ei cara, não precisamos ser inimigos... – pede o índio.

- Nós somos inimigos desde que você matou meu mestre! Hoje apenas um de nós sairá vivo! – grunhe Ivan.

- E o barulho? Os agentes vão escutar?– tenta argumentar Saturno.

- Todo o apartamento é a prova de som, e se escutarem, acha que iriam se importar?

O prussio desembainha uma longa espada.

- Se é assim... – o vampiro de longos cabelos negros saca da cintura seu temido punhal.

Os dois atacam-se mutuamente. Um ódio de séculos se confronta aqui.

Para cada golpe de Ivan, dois este defende de Saturno, que apesar de poderoso, não é tão experiente como seu inimigo.

Os dois estão quase empatados.

Mas Ivan tem um trunfo na manga.

As faíscas são arrancas do aço frio sem dó ou piedade. Os dois avançam e recuam no calor da batalha, algo a que nenhum mortal seria dada a honra de assistir.

A velocidade é notável, um espetáculo mortal. Uma dança bela, selvagem e macabra.

Ivan empurra Saturno, e antes que este possa reagir encosta uma peça metálica, pouco maior que sua mão no peito dele.

Ao apertar um botão o aparelho se crava no indígena e uma poderosa descarga elétrica paralisa o vampiro.

- Ora, ora, ora... Parece que a tecnologia derrota o selvagem! – ri o prussio.

Saturno se move lentamente, com extrema dificuldade. Sente como se tivesse sido atingido até a medula.

Seu corpo queimou com a intensidade do choque. A pele tostada começa a se abrir, expondo a carne ferida.

- Bem, eu vou embora. Dentro de trinta segundos esta bomba vai explodir! Fui contratado pelos militares de extrema direita, para dificultar o processo de abertura e vou matar dois coelhos com uma cajadada só hehe! Boa morte!

Ivan confere seu cronômetro no relógio e ativa o explosivo.

Saturno escutou a voz dele com os tímpanos derretidos. Parece que vem de um quilômetro de distância.

Imediatamente percebe o perigo que corre, porém só consegue pensar na segurança da pequena criança.

Com a força vinda do desespero arranca um pedaço do próprio peito queimado, junto com o abominável aparelho.

Escuta o “Clic” da porta sendo aberta e com os olhos brilhando de ódio vê o prussio.

- Por que a pressa cara?

Largando a porta, o loiro se vira, espantado. Encara a figura queimada e raivosa de seu meio irmão no Sangue.

Saturno aproveita os instantes de hesitação e ataca Ivan selvagemente. Com o punhal abre um profundo corte no peito de do seu inimigo.

Bate a porta trancando-os na sala.

- Seu desgraçado! Esta bomba vai explodir! – grita o prussio desesperado.

Saturno pensou em responder muitas coisas irônicas, mas no momento está furioso.

Enfia a mão no rombo que tinha feito no peito de Ivan. O explosivo fica bem preso dentro do vampiro.

Gritando, Ivan, passa a espada rapidamente, decepeando a mão de Saturno na altura do antebraço.

Grunhindo, o índio dá um passo atrás. Esta não é a primeira mão que perde. Sabe que em alguns meses seu corpo vampírico produzirá outra.

Palta no ar. Dá seu chute mais potente com as duas pernas, atingindo o peito do prussio.

Sem defesa, Ivan, voa pelos ares, derrubando a porta da frente de seu apartamento, atravessando o corredor apinhado agentes de segurança, que veêm espantados, o vampiro loiro derrubara porta do futuro presidente da nação e seus surpresos ministros em reunião.

Pela porta arrancada dos batentes do apartamento treze, Saturno não pode ver o que acontece dentro do apartamento presidencial. Apenas escuta a confusão lá dentro.

- Que porra é essa? – grita o futuro presidente do Brasil, indignado.

Ivan não perde seu tempo discutindo. Apesar da dor, enfia a mão dentro do próprio peito, arrancando gritos de pavor dos ministros.

Retira a bomba ainda segurada pela mão do rapaz de longos cabelos negros.

- Segura aí idiota!

Ivan atira a bomba e começa a correr em direção à janela.

O explosivo bate contra o peito do presidente, que por reflexo o segura.

Ele olha o objeto ensanguentado em suas mãos. O contador mostra três segundos em ordem decrescente.

- Oh bosta! – sussurra o homem.

Ivan recebe uma rajada de balas nas costas. Após saltar pela janela a bomba explode.

Quase todos morrem esmigalhados na explosão.

Além dos cacos de vidro que cobrem seu corpo, uma perna de cadeira atravessa o céu como um projétil, perfurando seu ombro direito.

Ivan cai do décimo terceiro andar, quebrando muitos ossos. Quase grita ao arrancar a perna da cadeira, e logo some mancando na noite.

A explosão joga Saturno de volta ao apartamento do prussio. O estrondo acorda o bebê que chora muito. Asssutado.

O índio vai pegar a pequena criança, quando sente um puxão na perna e olha para baixo.

É o agente que tirou sarro da cara dele, ou o que sobrou dele. Do tronco para baixo é apenas um mar de sangue e um de seus braços também fora arrancado na explosão.

Implora ajuda para si e para o presidente.

O filho da noite o olha bem nos olhos vidrados:

- Foda-se idiota! Ninguém votou no seu presidente!

Chuta longue os restos do agente e corre para pegar o bebê.

- Cretino... – murmura entredentes.

Arromba a porta do quarto e vê a pequena criança chorando.

O indígena tem a sorte de não pisar nos dois primeiros explosivos sob o assoalho, preparados por Ivan.

Quando está quase tocando o bebê, ouve um singelo “Clic” sob seus pés.

Estando em alta velocidade, ele não consegue parar e acaba saltando.

Agarra a criança com uma mão e a protege com o corpo, enquanto a explosão o joga através da janela.

Cai dop décimo terceiro andar, gira o corpo tentando cair de pé.

Consegue, mas o impacto esmigalha a base de sua perna. Alguns cacos e destroços chovem sobre ele.

Saturno e o bebê se olham por um instante. O pequenino solta uma risadinha e pega o nariz do vampiro.

O rapaz de cabelos negros queimados, sorri, rachando a pele carbonizada. Arranca o toco da orelha queimadae dá na mãozinha do bebê.

- Pode brincar! Tava caindo mesmo! Só não põe na boca! – sorri o imortal.

Uma série de explosões faz o filho da noite olhar para cima. Ivan enchera o apartamento de explosivos e o edifício está vindo abaixo.

À distancia, já se ouvem os carros de polícia, e o vampiro some na escuridão.

Caminhante noturno, atravessa bairros sombrios. A criança cada vez mais pesada entre seus braços queimados.

Saturno percebe que seu corpo não está se regenerando mais. A Sede começa a tomar conta.

Tenta evitar, mas volta e meia olha o pescocinho alvo e macio do bebezinho que adormecera em seu colo.

Sem querer passa a língua pelos lábios ressequidos. Seus começam a crescer lentamente.

O pensamento de que o neném não chegaria sentir dor, passa como um relâmpago em sua cabeça.

Um cão uiva para alua cheia.

Com os olhos vermelhos e os dentes expostos, o vampiro abaixa a cabeça sobra a criança.

É meia-noite quando ele chega ao bairro do Morumbi.

Às cinco da manhã, um grito de criança acorda a atriz que dorme um sono inquieto e agitado.

Ela olha em volta e começa a chorar, pois achou que tinha imaginado seu filhinho chamando.

No momento em que, desconsolada, encosta a cabeça no travesseiro de seda, escuta o chorinho novamente.

A mulher levanta de um pulo e corre em direção ao quarto de seu bebê.

Abre a porta, desesperada e vê, incrédula, seu pequeno Filipe, em pezinho no berço.

Arranca-o do berço e o abraça apertadamente, chorando.

O bebê segura ainda a orelha na mãozinha, que se desfaz em pó ao primeiro raio de sol.

No cemitério do Morumbi, dentro deu um antigo mausoléu, Saturno sorme sobre os ossos de diversas gerações. Em suas mãos queimadas, um sapatinho de crochê azul.

Jornais, revistas e toda a mídia noticiam o retorno do bebê mais amado da nação.

Em um jornal de baixa tiragem, uma discreta nota sobre um assassino decães, que na noite anterior matara mais de quinze animais nas imediações do bairro mais nobre da cidade.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 03/03/2008
Código do texto: T884944
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