Cria da Noite - parte 2

MEDO E ACEITAÇÃO

Lucas viu o chão se desfazer sob seus pés e nunca antes sentiu o coração batendo na garganta como naquele momento; justamente quando seu coração já não batia mais. Olhou a imagem de Laura refletida no espelho: uma ruiva linda, de formas perfeitas e os olhos mais verdes que podiam existir. Ela estava nua e o abraçava mansamente.

- O que você fez comigo?

- Apenas realizei o seu desejo.

- Meu desejo? Você é louca! – Ele empurrou-a para longe e socou a parede, evitando olhar para o corpo de Olavo, como se isso fizesse com que tudo o que aconteceu fosse apenas um sonho, como se olhar para ele fosse a única coisa que tornaria tudo real.

- Sabe Lucas, foi por isso que eu gostei de você a princípio. Você não tem medo de dizer o que pensa. Mesmo nesse caso, quando eu poderia arrancar sua cabeça em dois segundos sem fazer esforço.

- Por que não faz isso então? Seria melhor do que ter que conviver com a morte de um dos meus melhores amigos!

- Porque é normal passar pela fase da negação. Todos nós passamos por ela algum dia, e continuamos sentindo algumas vezes. É isso que nos faz permanecer humanos, que nos faz suportar a eternidade e não sucumbir à existência monstruosa a qual nós fomos condenados. Você sabe disso.

- Eu? Como eu poderia saber? Eu era um homem como outro qualquer até você me transformar... nisto!

- Tem certeza de que nunca havia pensado nisso? Acho que era você quem dizia noite após noite que sempre imaginou como seria viver para sempre, que sempre achou a vida humana medíocre e curta para se fazer tudo o que se tem vontade. E agora você reclama de poder viver eternamente e se culpa por acabar com uma vida humana medíocre? Quantos anos ele ainda viveria se você não o tivesse matado? Cinco anos, dez? Trinta talvez? O que é isso frente à eternidade que seu sangue proporcionou?

- Eu não posso acreditar! Você é completamente insana! Não vou ficar aqui nem mais um segundo!

O rapaz pegou o que encontrou de suas roupas em uma breve olhada e saiu ainda nu pelo corredor do motel, vestindo as roupas no caminho. Desceu pelas escadas e já estava a caminho da rua. Usava calça jeans e uma camisa de malha branca justa no corpo. As meias e o tênis haviam ficado no quarto, bem como as chaves do carro e sua carteira e documentos. ‘Como ela pôde?’ – Lucas pensava, mas não obtinha resposta, principalmente porque a pergunta mais evidente seria ‘Como EU pude?’.

Lucas alcançou a entrada do motel. Tudo de repente pareceu sumir de sua mente. Seus sentidos ampliados estavam ainda mais evidentes ali, em um espaço aberto. A lua nunca pareceu tão brilhante e ele nunca havia visto tantas estrelas. A cidade trazia todos os odores, bons e ruins, cheiros de cerveja, sexo, violência, miséria, perfumes, lixo, pessoas... Era uma mágica que acontecia, como se tudo fosse possível.

- Você esqueceu suas coisas. – A voz de Laura à suas costas.

- Desculpe ter fugido. Eu me desesperei.

Laura estava vestida e trazia o que Lucas havia esquecido no quarto. Logo atrás dela o recepcionista.

- Vocês querem fechar a conta? – O homem falou com a clara intenção de perguntar se eles estavam tentando fugir.

- Você sabe que tem outra pessoa lá em cima?

- Sim, mas...

- Você sabe que um homem alugou o 708, – a voz de Laura parecia macia e penetrante – ele entrou com uma loira e ainda não pediu para fechar a conta. Você nunca viu nenhum de nós dois. Vai voltar a fazer seu trabalho agora.

O homem foi andando em transe, de volta ao balcão da recepção.

- O que você fez com ele?

- Vamos. Você tem muito que aprender.