Conselhos

- Você tem que contar – disse a mulher escondida atrás do tecido pesado, enxergando o mundo através da pequena abertura da burca. O pouco que via não lhe prestava muito, já que o que havia adiante era apenas outra integrante do sexo feminino, vestida do mesmo modo, com as roupas cobrindo-lhe da face aos pés com apenas aquela abertura estreita e coberta por um véu denso.

Estavam sentadas dentro de casa, protegidas do calor do sol lá fora, um calor tão forte que poderia secar as lágrimas abundantes daquela de burca azul esmaecida. Essa última somente chorava derramando no interior de suas vestes o sofrimento que despedaçava-lhe a alma. Era ainda pior do que quando seu corpo fora despedaçado, humilhado e tratado como o objeto mais vil da existência.

- Você tem que contar... - a amiga repetiu, estendendo um braço e tocando o joelho da outra.

- Mas é haram... – respondeu, encolhendo-se e incapaz de sentir o toque alheio. Estava suja. O mundo estava sujo e o Senhor via essa sujeira correndo por seu corpo e se espalhando na terra sagrada.

- Conte. Saia lá e conte. Os outros estão reunidos. Eu vou testemunhar a seu favor e seu marido também.

Chorou de novo, pensando no pecado que cometera. Era difícil testemunhar pensando que estava tão suja. A alma dela vivia lhe dizendo que o que acontecera fora errado, mas o coração insistia que o erro não fora dela. Era tão estranho que ficava difícil falar e raciocinar. Não sabia explicar a história.

- E seu marido? – perguntou a mulher lacrimejante a outra. Essa retirou a mão do joelho da amiga e encostou-se à cadeira. Ereta, olhou lá para fora pela fresta da janela, vendo os homens conversando em voz alta.

- O que ele fez foi errado. Vá lá e conte e mostre que todos eles estão errados e o Senhor observa...

Agora as duas olharam para a janela e aquela que chorava finalmente criou forças para compreender que o que acontecera não tivera erro da sua parte. Não adiantava o que o senso comum, o que o povo, o que os religiosos dissessem, o Senhor, sua melhor amiga, seu marido sabiam que ela estava certa. Assim ela se levantou e saiu decidida, andando com passos rápidos para que a coragem não lhe deixasse.

A outra observou-a saindo e respirou aliviada. Finalmente conseguira convencer a amiga a tomar a atitude que mudaria sua vida. Levantou-se bem devagar enquanto ouvia a outra gritar e contar como fora estuprada, espancada e estuprada de novo pelo marido da melhor amiga e ainda alguns de seus comparsas. Acusou, apontou os dedos e chorou. Gritava cm todas as forças e chamava a amiga e o marido para defendê-la.

Aquela que não chorava apareceu na porta, vendo os olhares surpresos dos homens. Olhou em volta e parou bem discretamente os olhos disfarçados sob o marido da outra. Sorriu e depois balançou a cabeça negando tudo e disse só uma coisa:

- Só sei que ela teve um caso com meu marido que quis roubá-lo. Vocês fizeram isso junto com ela? Concordaram com a mentira? – perguntou para os outros homens.

Surpresos, negaram veemente, mas apontaram o culpado de adultério. Os dois culpados. Arrastaram-nos para a rua com tanta violência que a burca da mulher se rasgou. Quando as pedras voaram atingindo cabeça, olhos, queixo e seios, aquela ainda de pé observou e teve um pensamento apenas. Adorava a burca. De dentro dela, sorria deliciada com a cena, enquanto emitia olhares deliciosos e cobiçosos para o novo viúvo. E não sabia o que lhe deixava mais excitada, aquele pensamento pecaminoso que lhe aquecia entre as pernas e fazia promessas sobre a noite ou a visão do sangue brotando da burca esmaecida e os gritos femininos de ajuda.