Lar doce lar.

Clarissa estava sentada na escada em frente à sua casa, braços ao redor das pernas encolhidas e os cabelos castanhos deslizando pelos ombros. O olhar permanecia penetrado e fixo observando o chão, contrastando com a realidade mórbida dos seus pensamentos.

O cenário estava de acordo com cada linha de raciocínio da adolescente e aqueles olhos que se fechavam pouco a pouco pelo vento cortante demonstravam rancor. Ao tempo em que seu sentimento congelava Laurinda surge pela porta da frente.

- Filha, está tarde, venha para dentro. - A senhora de estatura baixa e pele com manchas senis, cabelos curtos e ondulados em um complexo grisalho mostrava a face preocupada e observava a menina ainda sentada, que não se pôs a fazer sequer um movimento.

Laurinda balançou a cabeça com sinal negativo, mostrando sua inquietação e entrou em seguida deixando a garota que continuava pensativa. Um vento ainda mais forte levantou algumas folhas secas e o balanço da árvore da entrada remexeu de forma sinistra.

- Acabou – sussurrou Clarissa para si mesma enquanto um sorriso sarcástico brotava em seus lábios e os braços soltavam-se lentamente.

Seus olhos observaram um carro negro se aproximar do portão da entrada e o sorriso fechou-se subitamente.

- Ele chegou – continuou sussurrando ao tempo em que seu coração tremia incontrolavelmente. No mesmo instante levantou-se e correu para dentro da casa. Seus olhos percorreram os quatro cantos da sala, talvez na procura pela mãe e rapidamente seu raciocínio a impulsionou para cima. Subiu as escadas silenciosamente entrando em seguida no seu quarto que ficava quase ao final do corredor. Certificou-se que ali estaria segura e ainda sentindo um tremor em seu corpo aproximou-se da janela, sentando-se em um baú que ali estava. Puxou a cortina velha e observou um homem sair do carro calmamente, pegar algumas sacolas e dirigir-se à porta. Clarissa fechou seus olhos negros.

O homem segurava as várias sacolas e caminhava vagarosamente. Olhou o relógio de pulso antigo e o percebeu parado, porém isso não o surpreendeu. Esticou o braço até a porta, girou a chave e tocou o trinco.

- Ah, mas o que é isso? – Gritou o homem no mesmo momento, olhando na palma de sua mão uma marca de queimadura.

As sacolas caíram e a porta se abriu. O cheiro podre se dissipava no ambiente e o homem não se preocupou com as sacolas caídas ao chão nem mesmo com a mão recém-queimada.

- Mas que cheiro é esse? – Questionava-se ao tempo que levava as mãos ao nariz. Franzia a testa observando a sala e se perguntava mil coisas que permaneciam em seu pensamento. Olhou na parede um quadro de uma família e um sorriso instintivo estampou-se em sua face.

- É meu irmão. Aqui estamos. – balbuciava como quem falasse com o quadro e o sorriso agora insinuava ironia. Seus olhos presos na imagem do irmão mais velho o transmitiam o sentimento mais estranho que a essa altura se misturava a sensação gélida que lhe corria o corpo. Um calafrio lhe percorreu e ele virou seu rosto direcionando-o ao andar de cima.

Notou as escadas e começou a subi-las devagar sem mesmo entender o porquê fazia aquilo. No final da escada sentia o cheiro ainda mais forte e avistou no corredor decorado a sangue o corpo da garota e da senhora mutilados. Cena deprimente e forte que impactou o homem bruscamente. Seus olhos estalados observavam cada centímetro do corpo das duas e na sua mente o único pensamento era a lembrança do seu irmão. Olhou a mão que doía imensamente e novamente encarou o corredor. O coração já pulsava rapidamente e ele sentia a adrenalina em cada pulsar. Pouco a pouco sua visão ficava turva e o tempo parecia não passar. Então sentiu a presença de mais alguém e logo atrás dele surgia seu irmão com lágrimas nos olhos e a arma na mão.

- Seja bem vindo ao lar doce lar meu irmão.

O cenário permaneceu mórbido. Em algum cômodo ainda continuava viva a essência daquelas pessoas, porém naquele apenas havia o som fúnebre da insanidade e a imagem dos corpos como objeto decorativo. O nada ocupou a mente do homem no mesmo momento e ele apenas sentiu o preço da loucura. Olhou o irmão e o abraçou dizendo:

- Obrigado. Fez um bom trabalho meu irmão.