Pequeno Conto

CENA 1

ATO ÚNICO

Todos os personagens parecem estar dentro de uma espécie de catedral de gelo

CICLOPE: (Dirigindo-se a Caetano) Tolo. Expõe-se dessa forma e acaba aí assim: ferido, triste. Te preocupas com os outros em demasia. Não precisas deles, quantas vezes eu já te disse isso? Sois fraco.

MIGUEL: (Dirigindo-se a Ciclope) Pega leve com ele, Fantasma, é só uma criança.

GUILHERME: Uma criança tola, por certo. Ciclope tem razão, ele se importa demais e isso o torna fraco. Se não fosse por mim...

GABRIEL: Se não fosse por ti e por tuas palavras vis ele seria detentor de uma alma certamente mais bela. Mas tu teimas em macular-lhe a pureza com tuas palavras, Guilherme. Tal qual Ciclope.

CICLOPE: (Olhando para Gabriel como se olhasse um verme) Olha que fala, por certo achas que ele estaria melhor sendo bom como tu. E olhas tua paga por ser bom: sofres. Negas?

GABRIEL: Melhor o conforto de achar sentido em minha tristeza do que a indiferença vazia de Guilherme.

CICLOPE: Melhor a minha suficiência. A mim, me basto. Não preciso dos outros, eles me agradam, mas não me são importantes. Bastar-se, assim é que se deve ser. Se nota quanto os outros são fracos quando tu te tornas forte.

DIEGO: Sem os outros não tem graça, Ciclope! Não dá pra jogar xadrez sem peças!

MIGUEL: Nem sem um adversário.

GABRIEL: (Dirigindo-se a Ciclope) Sois patético! Será que não vês...

CAETANO: (Olhar vago, mirando lugar nenhum) Deixa, Gabriel. (Suspira) Ele está certo. Ciclope está certo. Eu me realmente me importo demais. Eu sinto demais.

GUILHERME: Viu, Gabriel, até o próprio garoto concorda conosco!

CAETANO: (Dirigindo-se a Guilherme) Com Ciclope. Não falei de ti. Tu me causas repulsa.

GUILHERME: Criança tola. Não passas de um verme lamurioso, tua lamúria, esta sim, causa repulsa! Não sei quem é pior, tu ou Gabriel!

MIGUEL: (Dirigindo-se a Guilherme com indignação) Cala a boca, idiota! Tu é dentre nós o mais fraco. Esconde-te atrás de tua arrogância por medo. Gabriel, que tanto desprezas, vale infinitas vezes mais que tu! Ele pelo menos não é um covarde que mente pra si mesmo, que age como os outros por puro comodismo, que fere sentimentos por pura covardia.

GUILHERME: (Extravasa fúria no olhar, parece a ponto de agredir Miguel) Como ousas.

DIEGO: Isso, Guilherme! Parte à violência! Dá razão às palavras de Miguel! (Ri)

MIGUEL: Mas diz, Caetano, quê te aflige? Geralmente estás a sorrir, doce como só tu sabes ser. Não me agrada, como sei que a ninguém aqui, ver tua face transtornada. O que é? Amor não correspondido?

CAETANO: Antes fosse, meu amigo, antes fosse. Amor não correspondido ainda é amor e assim sendo não é em vão. Sei amar sem se correspondido. O amor se basta e se paga por si só.

CICLOPE: Conheço essa expressão. Já te vi assim uma vez. Amor se paga por si só, mas a tua face é a mesma de quando sofrestes traição. E a traição não se basta. A esta se paga com vingança.

Todos os rostos se voltam em direção a Caetano, atentos. Este apenas baixa a cabeça com ira contida no olhar.

MIGUEL: Traição?! Que foi o tolo que ousou?! Pois é um tolo, se ousou te trair, enfrentará a fúria de todos nós. Exceto de Gabriel, creio que este não tenha fúria pra emprestar. (Olha em direção a Gabriel, como que em dúvida)

CICLOPE: (Levanta a manga do braço direito tornando visível a tatuagem em forma de serpente) Era uma vez uma serpente que aprendeu a confiar... Ela fez amigos e se tornou dócil. Mas nem por isso deixou de ser venenosa...

GUILHERME: Se é traição, a coisa muda. Meu desprezo se converte em pena. Não te faz menos patético, mas me comove a te ajudar. Conta-me tudo e eu te direi como proceder.

DIEGO: (Às gargalhadas) Te resguarda, Guilherme! O Garoto não precisa da tua piedade!

CICLOPE: Deixa isso em minhas mãos. Farei se arrepender o pobre tolo que ousou contra ele.

CAETANO: Não posso me opor, Ciclope, a situação é delicada, isso que me revolta. Se atentar contra ele serei atingido lateralmente pelos golpes que eu desferir. Sei muito bem que sabes ser cruel, mas não posso me opor a meu algoz, não dessa vez. Ele é próximo demais de mim.

DIEGO: (Como sempre, sorrindo, parece se divertir com a situação) Deve ser por que cheguei a pouco e vocês ainda não me conhecem bem. Mas eu sei lidar com esse tipo de situação. Deixa as coisas correrem por minha conta, verás que onde mesmo o Terrível Ciclope falha, eu sei sobressair.

CICLOPE: (Dirigindo-se desconfiado a Diego) Que pretendes, Bufão? Que engenhos pode engredar que eu não supere mil vezes? Sois nada mais que uma criança diante de mim. Eu posso destruir qualquer um.

DIEGO: Mas o garoto já não disse que destruir seu algoz é selar sua própria decadência? Deixa comigo Ciclope, tu estás acostumado a ser poderoso demais. Sabes agir sem se importar com as conseqüências, mas o garoto se importa e é ele quem precisa de ajuda, lembra? Vou usar arma melhor que tua espada, Fantasma.

CICLOPE: (Descrente) E qual seria, bufão? Tua canastrice?

DIEGO: Não. (Sorri de modo debochado) Meu sorriso.