Fantasmas

Hoje acordei sentindo falta de algo. Olhei em baixo do travesseiro e não encontrei. Fui ver se não havia caído ao lado da cama, também não estava lá. Abri as gavetas da cômoda, fui até a sala olhar na estante e como não achava, comecei a me preocupar. Embaixo do sofá, no terraço, lata de lixo e até na geladeira eu procurei, não encontrei em parte alguma. No desespero sai pela rua, descabelado, sem camisa, descalço e com a bermuda de dormir.

Agachei ao lado do primeiro carro e não estava lá. Mexi nas plantas da rua, nos cacarecos do mendigo e nada. Onde eu teria perdido? Pergunta idiota. Se está perdido, está implícito que não se sabe onde está. Perguntei para os transeuntes e nada. Porra !! Essa foi a primeira palavra que me veio a mente. Tentava recordar de todos os detalhes do que procurava. De alguns eu até recordei, porém , outros eu nunca reparei e sei disso. A busca estava me perturbando e voltei pra casa.

Como se já não fosse o bastante, em meio a confusão, ouvi um barulho em meu quarto. Peguei uma vassoura e caminhei cautelosamente até a porta. O barulho vinha do armário. Existem fantasmas aprisionados lá, e o que se agitava era um que estava preso há algum tempo. A intenção era castigá-lo, tudo por ignorância e desespero meu. Os urro não me deixavam dormir há tempos. O castigo era duplo, o fantasma gritava, eu fingia que não ouvia, porém, não sou surdo.

Penso ser este o momento de abrir a porta do armário e libertar-me do castigo. O fantasma também sairá. Percebo que meu medo não é que ele saia do armário, porém, que ele parta e vá para junto dos seus e me deixe. Se abrir o armário, não terei de quem ter rancor, não terei em quem pensar. Abrir o armário significa se livrar de vários cacarecos antigos.

Estou sentado na cama de frente para o espelho. A porta trepida com os socos do esqueleto. Olho com duvida. Penso ser a hora da limpeza, pra limpar tem que ter coragem de jogar fora. Esse fantasma é lembrança, é uma reunião de momentos. Momentos que não tenho uma foto que seja, só a memória que não me deixa esquecer. Não quero esquecer, minha vontade é de me apegar, mesmo que sofra, só pra ter certeza de que tudo aconteceu.

Num ímpeto fui lá e abri a porta do armário. O susto foi enorme, esperava qualquer coisa, menos aquilo. Estava ali o que eu procurava, o que me pus em cabelos para achar . Encontrei a mim mesmo, minha paz. Pensei que pudesse prender algo que não era meu, ali, no armário, não podia, ninguém pode. Toda alma é livre, coitado do homem que tenta aprisionar algo consigo. Eu achava que o fantasma eternizaria a história, não foi assim. NA realidade fui provado de viver outra. Como não pude prendê-lo, atei-me ao cárcere e fui meu cativo, carrasco e juiz.

Consegui tirar a primeira caixa de coisas que não me servem, pus no portão. Espero fazê-lo regularmente, respiro mais aliviado. Finalmente posso ter paz comigo mesmo. Fantasmas meus, eu os liberto!

Símio
Enviado por Símio em 10/07/2008
Código do texto: T1073289
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