Simplesmente Guerra

(Conto publicado vencedor do concurso 1º Concurso de Contos, Crônicas e Poesias Decic Escreve”, promovido pela empresa Dedic para os seus colaboradores. Os melhores trabalhos foram publicados)

Não era mais a mesma. Abriu as asas em direção a um novo horizonte. Foi ao mais alto grau do universo, visitou o Sol. Era assim que Laura Guerra se sentia.

O olhar triste retomou seu tom azul profundo, e os cabelos ruivos, antes sem vida, reluziram em chamas. Pura de coração, rosto angelical e uma alma infernal. Estava em um momento de glória, rainha soberana e imponente, que tomou seu trono na trama do destino e se fez notar diante de um público de 400 pessoas, sentadas em alvoroço, barulheira e correria.

Um estampido ensurdecedor e os cabelos perdem o brilho, os olhos profundo agora são um mistério. A última imagem que teve foi de algo vindo em sua direção. Cravado no peito, atravessa seu corpo. Ela cai, em meio ao gélido oceano. Pesadelo ou realidade?

Com um baque, volta-se de frente para um portão. Abre-o. Uma sala arredondada, iluminada por velas e um tapete vinho circular. Seus passos são calmos e diretos. Pára no centro, olha. Uma figura surge, imponente, à sua frente. Foi imediata a paixão, ardor novamente. Anda mais firme e decidida a seu encontro, beija-o envolvendo seu corpo ao dele. E, mais uma vez, adormece. Acorda: normal, real.

Tudo que passou foi mero devaneio. A única recordação era ainda a sensação de todo esse movimento intenso, como um anjo fazendo festa no céu, dançando e bebendo como se fosse só isso. Agora, nada. Uma louca, lunática. Mais nada.

Mais um dia é anunciado como raiar do sol. Levanta-se, ainda com aquela expressão de quem mal dormira à noite. Faz o ritual matinal diário, veste-se e sai. Ao caminhar pela rua, observa atentamente, conforme o cansaço e o sono permitem, todo o movimento, lugares por onde passa, pessoas, carros, raros pássaros em meio a natureza acanhada pelos prédios menores. E continua caminhando, até chegar a floricultura. Laura Guerra, como sempre foi e será conhecida, adentra discretamente; não queria mais uma vez, causar tumulto a sua volta. Logo encontra o que veio procurar: rosas.

- Doze rosas por favor.

- Aqui estão.

- Quanto custa?

- Vinte e três reais, senhora.

Paga e continua sua caminhada. Ninguém a para. Isso é bom, era exatamente o que desejava durante todo o trajeto.

Um bom tempo andando, calada e pensativa, nem a si mesma se atreve a dirigir a palavra. Até que chega diante de um portão de metal discretamente aberto. Entra devagar, olhando os crucifixos e anjos de pedra, com suas mãos unidas em oração. Silenciosa, acima de lápides entalhadas com letras, nomes e datas. Seu corpo se torna cada vez menos pulsante e tomado por uma dose de tristeza que percorre cada veia.

Uma pausa, era do que precisava. O destino desta jovem dama, nesse momento de seu percurso, deveria ser bem tramado, para que não virasse um excessivo dramalhão nem fosse demasiadamente demorado. Ele retoma a caneta, pensativo, e prossegue com a idéia. Ela entrega as doze rosas, timidamente, oferecendo-as em oração, sussurrando palavras ao léu, repetidamente.

- Por que isso tinha que acontecer, por que com você e comigo?

E tem a sensação de espadas sendo cravadas em seus pontos vitais. É tão ruim que precisa de algo mais positivo, para dar um sinal de alegria, mesmo que pequeno, a seu cérebro, para que volte a respirar aliviada.

A caneta mais uma vez cai sobre a mesa, paralisada por descrever um momento tão triste. Mas não pode desistir, tem que terminar isso de qualquer forma.

Só tem um desejo em sua mente: não estar ali. Em dois segundos, ela está caminhando rumo a saída. Nada mais aconteceu dali por diante.

Tanto tempo ela fora deusa, santa, anjo, mulher, amante. Sentia-se como um universo. A poesia que seu coração carregava eram palavras de um reino desencontrado, repleto de pétalas espalhadas pela grama fresca.

Que chato tudo isso se tornara! Tão demorado! Muita caracterização, exagero absurdo, sem necessidade. Mais um momento, a caneta fica parada. Olha pela janela, reflete, fuma um cigarro e volta.

Por ter sua arte apreciada, muitos a viam como um quadro detalhadamente desenhado por finos pincéis e cores suaves, que causavam a sensação de uma figura imponente. Uma dama em ferro, ouro e seda. Agora, ficava o dia, por vezes inteiro, á janela, ensimesmada, olhando, na expectativa de que tudo voltasse, de que ele retornasse. Vivia como se não tivesse mesmo mais vida. E, mais uma vez, recolheu-se a seus aposentos. Era só o que fazia. Então, adormece.

Afinal de contas, depois de um dia cheio e depressivo, com um clima tétrico, até a mão que tece o destino adormece.

Uma coisa que todos conheciam era sua paixão por cartas. Adorava um bom carteado, só com baralhos bons. Em sua casa havia uma coleção, centenas deles, de diferentes nacionalidades e formas. Desde aquele dia, Laura Guerra nunca mais tocara em uma carta sequer. Perdera, inclusive, o interesse por sua paixão metódica, de colecionadora antiga. Simplesmente ninguém mais a viu em carteados entre amigos e amigas.

- E Laura Guerra, por onde anda?

- Ninguém mais a viu por essas bandas, não se tem muitas notícias. E, de repente, ela sumiu. Perdeu contato com seus amigos e admiradores.

- Estranho! Uma mulher como ela, brilhante, sempre adorava estar em público, jogar cartas com os velhos companheiros...

- Realmente, muito estranho.

Voltando a sua coleção: existia um baralho interessante criado por Laura em uma noite inspirada. Era o que mais apreciava de sua coleção. Criara tudo em torno de cinco cartas, sendo três reis e dois ases, dos quatro naipes tradicionais: paus, espada, ouro e copas. O que intrigava a quem conhecia esse misterioso baralho era que o restante das cartas, conforme organizadas, formavam um quebra-cabeças inteligente, que contava uma história. Laura Guerra criara uma história sobre um rei, que perdera a força, tesouros, espada e se rendera a uma luta perdida, sem prosseguir, e dois ases, que até então não eram nada. Ao longo da saga, o coração do jovem rei torna-se dois, seu tesouro se multiplica, a espada é empunhada novamente. Intrigante.

Não, espere um momento! A mulher imponente de outrora parece uma louca. Desenhando baralhos e cartas. Perda de tempo. Esse ponto requer algo diferente. Vamos ver o que pode ser feito.

Laura era paciente. Ouvia a todos os tipos de comentários e respondia a todos com uma clássica resposta digna de uma mulher com seu status.

- Ora, simples, caros amigos. Eu criei um passatempo para minha mente fatigada. Nada como uma paixão para acender em mim essa criatividade, unindo o que adoro, um bom carteado, com arte, literatura, coisas de minha vida particular que poucos ou ninguém sabe, mesmo porque não comento tais assuntos supérfluos e insignificantes com pessoas tão cultas, nobres e antigas companheiras, pois não é nada que realmente os interesse.

- Ela é insensível demais.

- Temos que respeitá-la, não está em um bom momento.

- Todo mundo sabe que ela odeia interferências e comentários em sua vida, mas isso não é motivo para tal desprezo.

E ela continuava com seu baralho, afinal, tudo só girava em torno dele ultimamente. Ninguém que visitara sua casa entendeu a história e o sentido desse jogo de cartas, tão fora do comum, entretanto o entusiasmo e a riqueza de detalhes com que sua dona, e criadora, contava história, fazia a pessoa ouvi-la com todo afinco, sem perder uma descrição sequer, como uma criança ao ouvir sua mãe contando uma história fantástica antes de dormir.

Assim como veio, a mágica se foi. Ninguém nunca mais ouviu a história do raro baralho. E os poucos que conheceram-na guardaram consigo. Ordens de Laura Guerra. Quem a contrariasse, encontraria destruição, rancor e raiva.

É, não é grande coisa, mas deu para contornar bem a situação, saindo de um ato de insanidade para algo menos desconexo e sem sentido. Prossiga, então, companheira de longa estrada. Vamos escrever.

- Ela não faz mal sequer a uma mosca.

- Já ouvi dizer que ela fez um jovem se retratar diante de alguns de seus amigos, por ter zombado de seu baralho. Ofendeu e humilhou o pobre rapaz, como um rato de esgoto, ou um integrante qualquer da escória da sociedade.

- Laura não é do tipo de pessoa que se deva contrariar mesmo. Todos nós sabemos disso muito bem e, se gostamos realmente dela, devemos respeitar sua vontade e não fazer algo que a deixe zangada.

Laura Guerra sempre gostou da praia no final da tarde. Caminhava descalça, pelas areias já frias, tomando a brisa suave e vendo o sol se pôr. A sensação era a de uma escultura de areia se desmanchando por dentro. Não sabia mais se o amor incandescente que abrasa as terras frias de uma alma existia nela, ou se tinha esperança de reencontrá-lo. Só estava cansada disso tudo, dessa sensação de se sentir péssima, inútil. Decidiu ressurgir e a escultura de areia ganhou vida novamente, formando uma mistura nova, jovem, bela, com um formato perfeito, apreciado por ela mesma. E, mais uma vez, só isso. Era de poucas palavras e poucos sentimentos, breve e objetiva. Só se utilizava do que era estritamente necessário e útil. De resto, mais nada.

Laura Guerra, antes de tudo, era uma poetisa. Não das mais comuns e modestas, como se considerava.

- Não sou uma dessas amadoras que se arrisca a fazer versos medíocres e rimas chulas. Sei que isso não é ser humilde, isso todos sabem, é o que me faz ser quem sou. Sou mesmo uma poetisa da noite, influenciada pelos poderes que a escuridão exerce sobre as criaturas, e é para esse poder que me entrego ao escrever minhas obras poéticas, belas, perfeitas. Faço fluir do fundo de minha alma cada palavra, tornando-a única e incomparável.

Nossa, que mulherzinha mais arrogante! Nem eu suportaria estar ao lado de alguém como ela. Lembra-me muita coisa do passado que não cabe aqui. Ainda temos trabalho a fazer e o momento não serve para nostalgia. Adiante!

E também era solitária. Sempre buscara um verdadeiro amor para se tornar uma poetisa mais perfeita ainda. Durante muito tempo se inspirou na solidão, que a tomava em todos os momentos, sentada em um pequeno aposento de seu humilde apartamento. Olhando pela janela, sentia que alguém estava a sua procura. O céu, as nuvens negras, a lua cheia mostravam que, em algum lugar, encontrava-se o ser que traria aquilo que tanto desejava, e há tanto tempo.

Contudo, Laura Guerra era apenas uma personagem fictícia, dona de uma extensa coleção de histórias, poemas e contos, escrita por um jovem poeta, a única parte real de tudo. Seu nome: Jefferson Dias Guerra, criador de uma personagem única, exclusiva, cativante. O próprio.

Uma obra feita como uma autobiografia disfarçada sob a alma de uma mulher. Mas tudo começou a desmoronar quando Laura já não era suficiente para ele. Aproveitando-se do instante de solidão, deu uma guinada em seu momento de depressão e tédio, e começou a discorrer em breves palavras sobre as criaturas que o estavam deixando extasiado: vampiros. Descreveu-os como os senhores da noite, imortais, poderosos e fortes.

Com um olhar capaz de penetrar a alma de qualquer ser humano, assim como seu amor pode incandescer uma chama no mais solitário dos corações. Com suas presas cravadas no pescoço de sua vítima, esse amor pode tornar-se eterno. Será que seria capaz de suportar tamanho amor por tanto tempo? Se eu pudesse, arriscaria me atirar nos braços do mais belo de todos eles, me deixaria tomar por seus robustos e fortes braços, e, depois de um longo beijo, me entregaria para o destino. Teria, fluindo nas veias, o poder da vida eterna. Porém, que ser da noite desejaria um mero mortal ao seu lado, com tantas dessas criaturas vagando por aí? Tolices de um coração solitário!

Então, mais uma vez, Jefferson Dias Guerra cria, por meio de sua literatura, um novo personagem: Max Millian, e narra seu encontro com o senhor da noite, a mais sedutora criatura da escuridão, Eduard Liodore. A caneta em punho, a carga perto do fim, a companheira de crises e lapsos de idéias está prestes a contar uma nova história.

- Talvez possa ter seu desejo realizado.

- Quem é você?

- Sou um vampiro solitário. Há séculos vago por esta terra, lançado na escuridão da morte e da solidão. E, durante dias, paro em sua janela para apreciar as mais belas palavras que alguém poderia proclamar com tanta graça.

- Pensei que vocês, seres da noite, jamais se encantassem pelos mortais.

- Aí é que se engana, jovem poeta. Depois de toda uma existência, só sinto falta de um consorte para me acompanhar em minha jornada pela morte. Uma ironia do destino: viver morto para encontrar alguém que o faça sentir-se vivo. Engraçado, não? Como um ser como eu, superior e imponente, tendo aos meus pés qualquer mortal como você, continue só? Pois já tive todos os seres imagináveis nesta posição, mas nenhum que tornasse minha morte digna de ser vivida.

- Entendo como é difícil uma existência sem amor, sem alguém.

- Não sabe, jovem Max. O destino faz da minha existência uma eterna ironia.

- E posso saber por que está aqui a me fazer tais confissões?

- Talvez haja um motivo maior do que a sua mente possa alcançar, meu jovem. Pode parecer uma piada para você, mas suas palavras soam como melodia para meus ouvidos. Foi você o primeiro mortal que conseguiu me fascinar. Não digo que foi um grande fascínio, pois sou uma criatura fascinante por natureza. Não me encanto pelos outros, os outros é que se encantam pela minha beleza. É estranho o que sinto por você, é algo novo.

- Talvez tenha encontrado o consorte que tanto procurou em sua vida inteira, caro Eduard Liodore.

- Seria muito sofrimento.

- E por quê? Não pode tornar sua morte mais digna de ser vivida, ao lado de alguém, assim como você, está buscando um sentido para continuar vivendo?

- Fala com o coração do jovem que é, mas como se tivesse a sabedoria de uma pessoa vivida. Meras palavras, jovem Max Milliam. Não sabe nada sobre amor, solidão, sofrimento.

- Sei mais do que pensa. Meu mundo tem sido a solidão, e meu consolo, apreciar a lua cheia, sentindo autopiedade, sofrendo porque não existe alguém a quem dirigir minhas palavras.

- Foi perda de tempo achar que seria ao menos capaz de reconhecer o que estou fazendo aqui, mas como disse, ainda é jovem e não percebe.

- Percebo com tanta clareza que sua beleza não é como um feitiço, que depois acordarei sem me recordar de qualquer palavra, menos ainda deste momento. Sua beleza me fascina naturalmente, desejo que me tome em seus braços e me aqueça com um beijo mais incandescente, abrasando meu coração e acendendo a chama em meu peito. Sentia que alguém me procurava, só não sabia quem. Agora que encontrei, meu desejo é dedicar meus poemas eternamente a você, nem que para isso eu tenha que morrer e renascer, para que minha vida tenha algum sentido.

- Todo esse jogo de sedução não seria suficiente para me convencer de que é digno de ser meu eterno consorte, Max.

- Se isso não é suficiente, talvez deva me deixar nesse momento e continuar sua existência sem sentido, senhor Liodore. Sem a vida que busca na morte. Não merece um poeta como eu, que se entregaria de corpo e alma a você. Entregar-me-ia de corpo e alma a você, ouviu bem? Acha que vai encontrar alguém disposto a isso? E, se encontrar, será um mortal qualquer por aí.

- É ousado, meu jovem. Arriscaria mergulhar na morte por um amor? Tem coragem, mas ao mesmo tempo é um tolo, se acha que faria alguma coisa para lhe tornar igual a mim.

- Não faça nada então, e retire-se. Deixarei de declamar meus poemas, se isso o incomoda. Após escrevê-los, lerei para mim mesmo e os guardarei só para meu deleite.

- Acha que cairei nesse jogo de sedução?

- E por que ainda perde seu tempo, então? Só não sei quem aqui está jogando mais.

- Como ousa falar assim comigo, como se fosse qualquer um?

- Sou um mero poeta que conseguiu ir além do escudo gélido que cobria seu coração nessa morte sombria, e apenas peço por amor. Como se recusa, não vou sequer sofrer, mesmo já sentindo a dor, em meu peito, de viver sem você.

Um silêncio cai sobre o pequeno apartamento. Trocam olhares profundos e penetrantes. Por mais frio que o vampiro Eduard seja, o jovem realmente conseguirá fasciná-lo. Ambos estavam apaixonados, mas com receio de assumir os riscos. Então, para concluir de vez essa situação interminável, o jovem poeta levanta, caminha na direção do vampiro com a certeza do destino que o aguarda – e tanto deseja -, pára na frente dele e diz, olhos nos olhos:

- Então?

- Então, o que?

- Sabe o que deve fazer comigo.

- Deixou-me confuso, Max Milliam, o poeta. Estou a refletir se o que quer vale a pena eu lhe dar.

Sussurra em seu ouvido:

- Sabe que estou preparado para me entregar a você.

O vampiro, incapaz de resistir, repleto de prazer com aquelas palavras, aproxima-se e, com um beijo ardente, o toma em seus braços fortes. O tempo pára e ambos flutuam no teto do humilde apartamento, beijando-se e amando-se. O próprio Jefferson se enche de felicidade, ao criar a cena tão desejada para sua história. Seria o triunfo de sua carreira, com certeza. E a caneta, claro, vibra por proporcionar tal momento.

- Ousado, diferente de tudo que já fiz, prometo a vocês, caros amigos. Aguardem, e verão o resultado desse novo trabalho.

- Me dá medo saber o que ele está aprontando.

- Depois de tudo, não sabemos mais se ele realmente tem consciência do que está fazendo, ou tentando fazer.

- Ora, mais uma vez, repito, deixem-no escrever o que quiser, devemos estar prontos para o que virá. Não se esqueçam: ou se está do lado de Jefferson Dias Guerra, ou contra ele. E isso vocês sabem que não é boa coisa.

- Não mesmo!

Mas voltando a escrever, Jefferson prossegue com sua inovadora criação, mais um personagem seu completamente inspirado em sua vida, colocada no papel sob o disfarce de Max Milliam.

Descendo, o belo vampiro diz:

- Confesso que, pela primeira vez em séculos, senti arder em mim uma chama. Nunca tive tal sensação antes.

- Tenho a certeza de que foi por você que esperei a vida inteira. Em mim também acendeu a chama do verdadeiro amor, pela primeira vez.

- Preciso saber se agora está preparado.

- Sempre estive, só esperava encontrá-lo para que pudesse viver eternamente ao seu lado.

Com essas palavras, o vampiro se transmutou, fazendo crescer seus dentes. Seus olhos passaram do azul profundo para um verde tão claro que era quase branco. O jovem, então, vira de costas para o vampiro, fechando os olhos e se entregando completamente ao sedutor Eduard para que ele o faça um eterno ser da noite. O vampiro crava seus dentes pontiagudos, com calma para que seu amado não sinta dor. O que Max sentiu foi algo inexplicável. Ficou completamente molhado, seu corpo transpirando com um prazer delirante. Não só ele, mas Eduard também sentiu uma onda de calor que o fazia transpirar com a mesma intensidade. O amor de ambos crescia cada vez mais e, definitivamente, estavam ligados para sempre.

Jefferson era do tipo que se entregava a sua escrita. Parou por alguns instantes, pois também estava suado. Refrescou-se um pouco na varanda, sozinho. Não por muito tempo, pois seu personagem o chamava, precisava concluir. Então Jefferson Dias Guerra, despojado de si, e novamente tornando-se novamente Max Milliam, prosseguiu com sua saga.

Instantes após ter se deliciado com o tão esperado beijo do vampiro, Max apenas se lembra de haver caído em um profundo sono. Só veio a saber, depois, que adormecera nos braços do amado. Eduard o levou para a cama, deitou-o, e o cobriu com uma manta. Muito tempo depois, nem ele sabia quanto, ao despertar reparou que o sedutor vampiro estava deitado ao seu lado, segurando sua mão e descansando.

Anos depois, o que se soube foi que se mudaram para um mausoléu em algum lugar de Londres. Os poemas do jovem escritor viraram juras de amor dedicadas ao amado, que enfim encontrou um sentido para viver na morte. Como ele mesmo diria:

- Uma ironia do destino: encontrar a felicidade de viver na tristeza de morrer.

Jefferson conclui, assim, sua obra. Como ainda era dia, não dormira nem um instante sequer. Vai às pressas até seu amigo e editor, e entrega o documento. Marcos Filipe de Almeida, o diretor da editora, lê rapidamente e muito animado. Ao menos era o que seus olhos transpareciam.

- Bem, você sabe o que isso pode causar.

- Tenho certeza, e será muito positivo, se você confiar em mim.

- Eu confio. Não sei se isso vai emplacar em vendas como o recorde conquistado por Laura Guerra. Mas se é sua vontade, considere feita.

- Tenho certeza de que não vai se arrepender.

- Assim espero.

O que se sabe é que O poeta da noite, assim o livro foi intitulado, após o sucesso de Meu nome é Guerra, causou polêmica e discussões. Mais uma vez, Jefferson conseguira o que buscava: reconhecimento e motivação para continuar e agraciar seu público com sua escrita, voltando a freqüentar os carteados, mas jamais se esqueceu de levar rosas ao túmulo de sua musa inspiradora eternizada por ele com o nome de Laura Guerra, até os últimos dias de sua vida. Seu corpo reside no mesmo cemitério, em frente a sepultura de sua personagem, e ao lado de uma outra, da qual nunca se soube se esta teria relações com Jefferson. Jefferson Dias Guerra, seja ele Laura Guerra ou Max Milliam, foi eternizado como o escritor motivado pela dor.

- Escrevi o que quis, leiam os que quiserem ler, pois só assim as minhas obras serão eternas.

Ninguém entendeu suas últimas palavras, até que uma jovem estudante, ao analisar sua biografia e suas obras, encontrou sentido do que ele queria dizer. Ele escrevera o que desejava escrever, então ela leu e interpretou cada uma das suas obras com diferentes olhares. Desenvolveu uma teoria para sua literatura e para o título do livro Simplesmente Guerra: ele fora escrito por Laura Regina Dias Guerra, sua irmã mais nova.

Gu Oliveira
Enviado por Gu Oliveira em 16/09/2008
Reeditado em 06/02/2009
Código do texto: T1180529
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