Um Parágrafo e Várias Estórias

Depois de setenta anos ele respondeu a pergunta que seu amigo lhe fez. Numa segunda-feira chuvosa Artur e Gabriela se casaram, foi por volta das cinco horas da tarde num cartório que teve como testemunhas um carteiro que passara por ali e um farmacêutico que acabara de sair da vigilância sanitária municipal e que entrou de curioso para ver a estranha cena em que um rapaz de calça jeans e uma moça com calça social e camisa se casavam. Toda vez que Júlia sofre por causa de amor, ela provoca uma ressaca indescritível na praia dos Anjos que fica a setecentos quilômetros de onde vive Júlia que nunca viu o mar nem por fotografia. Estevão diz que foi ele quem deixou aquela mensagem dentro do livro de seu amigo Bernardo que esperava tanto para saber. Artur conheceu Gabriela na fila para comprar um jazigo em promoção no Cemitério Esperança; ambos com 25 anos já queriam garantir seu pedaço sob a terra, porém do cruzamento de seus olhares surgiu uma paixão tremenda, dessas que só o poeta poderia entender e o pedido de casamento foi feito e respondido no ato, desistiram da fila e foram se casar. Leonardo é um surfista profissional que escolheu a praia dos Anjos para surfar por três dias; já no primeiro dia ouviu dos surfistas locais que o mar é tranqüilo, mas que de uma hora pra outra fica bravo provocando ondas gigantes, não há oceanógrafo que entenda esse fenômeno, porém Leonardo resolveu encarar e no começo nada de onda, até que Júlia derramou a primeira lágrima e uma onda de dois metros se ergueu diante do surfista – as lágrimas rolaram do rosto assim como Leonardo rolou e caiu de sua prancha; Júlia gritou e o mar engoliu o grande surfista. Certa vez Bernardo emprestou um livro para seu amigo, ficou com ele por uns meses e depois o devolveu; Bernardo folheou dias depois o livro que tinha emprestado e encontrou um papel com algo escrito: A vitória foi derrotada e a derrota venceu / O guerreiro largou a espada e a memória se esqueceu – Foi você quem escreveu isto? O amigo não respondeu ao ser perguntado, continuou calado no dia seguinte e nos dias, meses e anos posteriores. O casal que tinha largado a fila da casa funerária para casar voltou na mesma rua onde se conheceram e ao atravessar a rua foram atropelados por um caminhão que ilegalmente passava por aquela rua; a morte foi instantânea. Júlia que depois de muito sofrer conseguiu se casar e foi morar justamente na praia dos Anjos, seu marido, o prefeito da cidade, implorou tanto ao mar por uma resposta e este lhe deu o nome daquela que o fazia se revoltar; como ele a teria encontrado? Pouco se sabe, mas a busca foi incessante e ela com setenta anos e ele com oitenta anos se casaram na areia da praia num dia de mar tranqüilo. Eu escrevi aquilo porque alguém me mandou. Quem? Um senhor que ficou muda ao dizer essa frase. Mudo depois de uma frase? Sim. Seu nome era Tilo, tinha uma filha que ele não sabia o nome e pediu para que um faquir o desse: Gabriela; a enfermeira do hospital onde sua filha tinha nascido saiu correndo atrás dele dizendo que ela tinha uma irmã gêmea. Qual será o nome dela? Pergunte a este beduíno que passa. Júlia, disse ele. Lindos nomes. Tilo foi até uma praia sem nome e lhe deu o nome de praia dos Anjos e ao dar esse nome o mar se revoltou e quando a onda recuou da areia deixou a enigmática frase e ficou sensibilizado pelos sentimentos da filha daquele que o nomeou. Depois que respondeu a pergunta de Bernardo, Estevão soube da morte do seu filho que foi atropelado, Bernardo também sente a falta de seu filho Leonardo que foi tragado pelo mar. O farmacêutico, na verdade, queria mesmo saber se a fórmula que ele tinha feito para o juiz estava correta, ele acha que exagerou na quantidade de...

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 06/10/2008
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