Carpe Noctum.

Não vou mentir, minhas noites são bem parecidas, assim, em linhas gerais.

Assisto TV até todos desistirem, e quando vem o silêncio, se não tenho nada para ler, eu rabisco. Quase um transtorno obsessivo compulsivo: me levanto do sofá, e na cozinha, um golinho de café (a essa hora quase morno), acendo um cigarrinho, pego o caderno no quarto e vou para o banheiro. Acendo a luz, entro e olho pro teto à procura da ARANHA. No começo havia apenas ela, mas agora existe OUTRA, menor, talvez uma cria. Na teia dela parece haver suprimento para o mês todo.

Eu me sento, e sempre olho ao redor do vaso, à procura de sabe-se lá o que. Nunca tem nada. Então eu começo a rabiscar, mas a cada pausa, a cada ponto final, eu olho pro teto, ela está lá, elas estão lá, a comida do mês delas está lá. Então continuo, até concluir ou descartar o que estava fazendo.

Comecei a escrever no banheiro numa outra casa. Nos fins de noite, cada um acabava ocupando um cômodo, e era o que me sobrava. Confesso que já perdi muitas idéias no caminho entre a sala e o banheiro, e vice e versa. Mas já me aconteceu de recuperar algumas, que, de alguma forma estranha estavam lá, pairando entre as aranhas no teto e o nada atrás do vaso.

Volto para a sala, sento no sofá e releio o que escrevi. Por vezes acho lindo, por vezes acho uma merda. Por vezes acho lindo primeiro e logo em seguida concluo que é pura merda. Ossos do ofício, eu acho. Quem foi que disse: “escreva primeiro, arrependa-se depois”?

Enfim, isso feito, eu deixo cair o caderno e a caneta no chão e vou até a cozinha. Golinho de café (a essa hora já meio frio), cigarrinho, sofá. Aí começo minha sessão de autoanálise, repassando minhas coisas mal-resolvidas, meus dilemas existenciais mais profundos, etc. O mais interessante, é que, na maioria das vezes eu pareço encontrar soluções simples e viáveis que poderiam alterar todo meu futuro, só que mais ou menos às seis e meia da manhã, tudo aquilo que havia pensado parece já não fazer sentido algum, não passam de rascunhos mentais descartáveis, não passam de algo perdido entre o sofá e a garrafa de café.

Ainda volto uma vez mais ao banheiro e olho pro teto. Ainda lá. Olho-me no espelho, as vezes digo algo pro reflexo. Água no rosto e volto pra sala, ligo a TV e deixo o sangue escorrer dos noticiários, ativo o timer, deito e durmo.

Não vou mentir, algumas noites são bem parecidas.