Correndo da Onça de Verdade

CORRENDO DA ONÇA

Aconteceu de verdade. Foi em 1992, quando ainda nem tinha passado no vestibular. Morava na cidade de Uberlândia, bem no centro, em uma pequena casa sem forro, com apenas um quarto, sala, cozinha e banheiro, toda de piso vermelhão.

Erli, grande amigo, desde a época de Ariquemes RO, e eu procurávamos uma casa para dividirmos o aluguel com o Saulo, outro colega de Ariquemes. Achamos a referida casa num jornalzinho de classificados da cidade de Uberlândia.

Quando chegamos para falar com a dona do imóvel, que morava do lado desta casinha, já estava um rapaz negociando a casa. O nome dele não me lembro agora, mas seu apelido dado por nós, foi de Peixe. O Peixe já havia alugado a casa, por isso, Erli e eu propusemos ao peixe dividirmos o aluguel. Idéia de girico, visto que não o conhecíamos.

O fato é que o Peixe também não tinha Juízo, e acabamos morando juntos: Peixe, Erli, Saulo e Eu.

Saulo, rapidamente, desistiu da aventura, e voltou para Ariquemes. Sabe-se hoje, que mora da Inglaterra e está muito bem de vida.

Permanecemos na casa, Peixe, Erli e eu. Sempre em nossa casa aparecia o Janilton, amigo do peito, que, diga-se de passagem, foi responsável por Erli e eu escolhermos Uberlândia para morar.

Bem, para adiantar a história e falar da onça, apenas digo que foram dias de muita alegria os primeiros seis meses que moramos nesta casa. Até quando briguei com o Erli por conta de um pão. Sei lá, tava com fome, só tinha dois pães, um dele e outro meu, comi os dois. O Erli não entendeu, e paramos de conversar. Morávamos na mesma casa e não conversávamos (ridículo).

Ocorre que mesmo sem conversar, continuávamos a sair os quatro: Erli, Peixe, Janilton e eu.

Um dia, o Peixe que era filho de um administrador de fazenda lá em Santa Vitória, mais ou menos 180 KM de Uberlândia, nos fez um convite para irmos a fazenda que seu pai administrava.

Legal. Todos nós achamos ótimo. Sempre sem dinheiro, iríamos de carona, e comeríamos de graça, andaríamos de cavalo e tomaríamos banho de represa.

Saímos nós quatro com mochila nas costas para pegar carona. Evidente, quatro machos pedindo carona, ninguém parou pra nos levar, ficamos no sol das 14:00 às 17:00 horas. Foi quando tive a idéia óbvia de nos dividirmos em dois grupos. Como não conversa com o Erli, ficou o Erli e o Peixe de um lado, e Janilton e eu do outro.

Combinamos o seguinte: encontraríamos no trevo de Ituiutaba, 60 KM antes da cidade. Até aí tudo bem, seria exigir demais de nós quatro pensar em encontrar já em Santa Vitória, evitando desperdiçar carona, como aconteceu comigo e com o Janilton, que despedimos de um caminhoneiro que iria para Santa Vitória, para descer na cidade de Ituiutaba, conforme havíamos combinado.

Janilton e eu, chegamos a Ituiutaba uns dez minutos antes de Erli e Peixe. Quando nos encontramos em Ituiutaba já era umas 19:00H . Tomamos um café e comemos um pão com manteiga, pois nenhum de nós tinha mais do que uns R$ 12,00.

Na minha cabeça, só existia uma possibilidade para aquela hora, e foi o que propus: ver as meninas em Ituiutaba, talvez uma danceteria, um boteco ou coisa do gênero.

Ocorre que o Erli, propôs outra coisa: continuar pedindo carona. Pusemos em votação as propostas e perdi por 3 a 1.

Pegamos uma carona até um posto de combustível próximo do trevo que estávamos. Neste posto, além de churrascaria, ainda tinha música ao vivo. Neste ambiente foi até bom, ficamos até 01:00 h da manhã do dia seguinte.

Quando a música acabou, à 01:00 h da manhã, estava claro pra mim, que dormiríamos naquele posto, até o dia amanhecer, mas de novo, o cretino do Erli, tinha uma proposta diferente: ir andando até Santa Vitória. Não acreditei, quando votamos a proposta, perdi novamente por 3 a 1.

Com base nesta deliberação, começamos a caminhada, com uma lua linda e um céu super claro. Saímos os quatro em direção a Santa Vitória. Como dizíamos da época “fudido, fudido e meio”. Acabei me divertindo nesta caminhada, cantando e brincando, caminhamos uns 10 KM, ou mais. Foi quando o Erli, num gesto de esperteza e falta de caráter subiu numa plataforma de madeira que encontrou na frente de uma fazenda. Deve ser uma destas estruturas para colocar latões de leite.

Já com um bom lugar para dormir, ele propôs que descansássemos naquele local. Claro que não concordei, pois Janilton e eu teríamos que dormir no chão de terra. Novamente votamos e perdi por 3 a 1.

Tentei dormir no chão, mas não dava. Ficamos conversando e maldizendo a situação por algumas horas. Como a noite estava muito clara, comecei a achar que o dia já estava amanhecendo e propus ao Janilton que fossemos caminhando sozinhos. Medroso, relutou, mas aceitou.

Os dois que estavam bem instalados riram de nós e nos desafiaram dizendo que não teríamos coragem, pois éramos “mulherzinhas”.

Saímos, Janilton e eu, cantando e desprezando a zombaria. No entanto, Janilton, assim que andamos uns 2 Km, me fala o seguinte: “Igino, você já viu filme americano de jovens aventureiros?”, eu falei “já”, então ele disse: “quando os jovens se separam, sempre alguém morre. Vamos voltar?”.

Tive que ceder aos argumentos e voltar. Quando voltamos foi um inferno: “mulherzinha”, “mulherzinha”, “medroso”, “falei!”. Foram dezenas de minutos de gozação.

Nós, Janilton e eu, não poderíamos estar pior, deitados no chão e sob chacota.

A lua, as estrelas e toda a claridade daquela noite, fizeram Janilton e eu acreditarmos que já estava amanhecendo, que o sol já estava apontando. Daí fizemos um acordo: Vamos caminhar sozinhos e desta vez não voltamos.

De novo, Erli e Peixe, disseram que voltaríamos em minutos e que não tínhamos coragem de continuar a viagem a pé.

Debaixo de muita gozação, partimos novamente, cantando e conversando alto. Andamos, 1, 2 e 3 Km. Logo após atravessarmos uma pequena ponte... Aqui começa a história da onça.

O Janilton, do nada, pede pra eu ficar quieto. Em princípio eu não entendo. O Janilton torna a me mandar calar a boca, mas desta vez gritando.

Eu me assusto, e fico quieto. Ele fala: - Escuta o Leão. Daí eu comecei a rir.

Ele manda eu calar a boca de novo, e desta vez eu escuto: URRRRURRRR...

Fico completamente assustado, e ouço de novo o urro do leão: URRRRURRRR...

Na hora, faço a seguinte reflexão: - Não é possível um leão aqui no Triângulo Mineiro, que uma das regiões mais desenvolvidas de Minas. Além do mais no Brasil não tem leão solto.

De qualquer forma, o barulho continuava. Além do grunhido do animal, ainda sentimos um cheiro fortíssimo de carniça, igual cheiro de onça ou leão de zoológico.

Nós decidimos correr para frente. O Janilton perdeu o controle rapidamente. Pulava na frente dos carros, tentava subir em árvores, queria acordar pessoas em casas na margem da rodovia. Eu tentava ajudar o meu amigo a se controlar.

De qualquer forma, corríamos. O cheiro e o grunhido continuavam. Foi quase uma hora de desespero, que só diminuiu quando um caminhão de gás parou. Pegamos carona voltando para o posto em que dormimos.

Em menos de três minutos depois que chegamos, todo os funcionários já riam de nossa história, ninguém acreditava. Só um jovem balconista falou que poderia ser uma onça, que ele conhecia a região e sabia que esses bichos poderiam ter nos seguido na estrada.

Bem, pegamos nosso único dinheirinho e compramos uma passagem para Santa Vitória. Chegamos de novo, uns 5 minutos antes de nossos companheiros na cidade combinada.

Da entrada da cidade de Santa Vitória até a fazenda que o pai do Peixe administrava, deveríamos pegar uma estrada de terra e andar.

Nós andamos, andamos e andamos. Janilton e eu já estávamos mortos. E tivemos que andar das 07:00 da manhã até umas 11:00, quando o pai do Peixe aparece e carro e nos pega no meio do caminho. Andamos mais uns 20 ou 30 minutos de carro, e finalmente chegamos na fazenda.

Janilton e eu fizemos um pacto de nunca contar esta experiência para ninguém. Com esta promessa feita, paramos de falar no assunto e aproveitamos a comida. Um espetáculo: porco assado, arroz, feijão tropeiro, torresmo, coca-cola, verdura ... Enfim, tinha de tudo.

Depois do almoço, tomamos banho de represa, andamos a cavalo, e aproveitamos até a noite.

Quando anoitece, jantamos e Janilton e eu vamos para a área da casa. Ótimo, varanda de roça, barriga cheia. Daí, começamos a cochichar sobre o assunto. Quando, de repente, escutamos o mesmo grunhido da estrada: URRRRURRRR.

Travamos. Ficamos brancos de susto. De novo: URRRRURRRR. Chamamos todos para ouvir. Todos da casa para ouvirem o rugido do animal.

Todos ficaram quietos e o animal: URRRRURRRR. Janilton e eu falamos: ouviram, ouviram?

Todos ouviram, então perguntamos: que é isso? Um leão, uma onça, que é isso?

O Peixe, que estava acostumado com o som, falou: Cê bobo sô, que onça, que leão que nada, isso é boi “rotando”.

É, até hoje, meu companheiro e eu, não sabemos se corremos de um leão, de uma onça ou se corremos de bois arrotando.

Igino Marcos da Mata Oliveira