A arma

Caminhando pela praia deserta dos seus pensamentos ia aquela mulher, vestida de camisa amarela amassada como uma roupa de dormir, um olho azul e outro preto, olhando o nada, sem perceber o que passou ou o que virá.

Entra no consutório médico, pedindo socorro, mas sem saber por que teme. Estremece ao toque da enfermeira, quase corre à voz do médico. Senta e começa a falar, sonâmbula, perdida nas queixas que nem sabia ter.

"quando nasci,doutor, nasceu uma arma poderosa de destruição, que, desde então, vem me consumindo, embora eu cresça e amadureça".

O médico, entre preocupado e estarrecido, só faz olhar e esperar o que virá, de repente ela tira do bolso um lápis, risca e rabisca no papel imaginário e conclui:

"tenho em mim a terrível arma da escrita, com ela posso destruir o mundo, posso destruir uma pessoa, posso fazer qualquer coisa".

Levanta, caminha pela sala e, pela primeira vez, desde que entrou, vê onde está, sorri, sem jeito, só com os lábios e prossegue:"veja, doutor, o que me trouxe aqui, já tentei matá-la, apagá-la, esquecê-la, mas a arma me persegue, não me dá sossego, não me dexa dormir, só quero usá-la, contra tudo, contra todos, e a favor de tudo e a favor de todos."

"Olhe, doutor, já cortei meus dedos, já arranquei um olho, já fiquei bêbada, já fiz quase de tudo para destruir a arma, por isso estou aqui, para ver se o senhor me dá um remédio que a arranque de mim, que me dê a paz do esquecimento, que me impeça de usá-la..."

Chora com seu olho azul, gesticula com sua mão sem dedos, balança a cabeça, incrédula quando o médico tira da gaveta o seu pior pesadelo: caneta e papel. Êle escreve, grande, trêmulo mas bem legível:

EU TAMBÈM...

nadiaestrela
Enviado por nadiaestrela em 22/03/2006
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