A menina no vaso de flores

Sou incompleta. Uma figura monótona, amorfa e muda que se desloca por ruas imaginárias, num outono murcho. Meus olhos estrábicos refletem meus pensamentos ao meio dia. Céu nublado, brisa amena e morna. Sinto aromas no ar, de vidas que não posso tocar. Vidas longas, curtas; vidas não vividas. Um silêncio enorme se desprendendo da morte que se desfaz em folhagem, poeira, soluços, vertigem, medo.

Uma parede invisível me protege do mundo que não posso sentir. É primavera apenas em meu coração. Em meus lábios, olhos, nariz, orelhas e sonhos, o outono continua tão gélido que se despedaça com o mais suave toque. As estações não existem. São metáforas. Sentimentos. Fragmentos de um eu indeciso, esquecido, na esperança de tomar um chá cheio de vida. São horas perdidas em bueiros de ruas sóbrias.

Sento-me em minha cabeça. Escorrego em meus cabelos de um liso castanho cheirando à lembranças redivivas.

Confesso ser nati-morta, porém sonhei que me suicidava na árvore genealógica de minha família. E havia todos aqueles anjos dos quais as pessoas falam, inconscientes de que elas mesmas não passam de fantoches de asas quebradas e sujas.

Minha letra é negra. Rabisco garranchos surdos em muros. Tudo em volta é branco. Silêncio. Outono. Outubro? Início. Trem que não volta e só pára quando não há mais qualquer estação.

Elton Veloso da Silva
Enviado por Elton Veloso da Silva em 13/12/2008
Código do texto: T1333856