A ÚLTIMA BARCA

A última barca sai às cinco da tarde.
- Podemos tomar café com calma.
- Mas não dá para facilitar. É quase certo que vai chover. - A voz dela soa preocupada.
Às nove e meia rumam à divisa com a Argentina. Paulino, Anita, as duas crianças e o tio Abílio viajam no fusca 83 há uma semana. A passagem pelas Cataratas foi o ponto alto do passeio. Agora é só entrar na Argentina e estar em casa à tardinha.
Chegam na aduana. Paulino apresenta os documentos do carro e os pessoais.
- O senhor tem o formulário preenchido?
- Não! Que formulário?
- Um assim! – O funcionário mostra um papel impresso preenchido à mão. – O senhor precisa adquiri-lo na livraria “Sacrales”, fica na avenida Brasil, em frente ao restaurante “Sabores do Oriente”.
- Mas não posso atrasar!
- A pressa é sua!
Sem outro remédio Paulino volta ao centro de Foz do Iguaçu em busca do dito formulário. Encontra a livraria e adquire-o. Ali mesmo, no balcão, preenche-o com o auxílio da vendedora. Às dez e quinze pisa outra vez na fronteira. Agora uma extensa fila de carros aguarda liberação de passagem.
Pelas onze horas conseguem entrar em Puerto Iguaçu. Rodam cerca de um quilômetro quando são parados por uma dupla de soldados da Gendarmeria.
- Para onde vai?
- Alba Posse!
- Documentos do carro e Carteira de Motorista?
Paulino apresenta o solicitado. Está tudo OK. Um dos gendarmes fala:
- Dá carona até Eldorado para o senhor Sanches!?
Paulino hesita um instante mas prefere não fazer objeções. O caroneiro embarca. Abílio senta o menor dos meninos no seu colo para ajeitar um lugar.
Seguem, agora, tranqüilos rumo a Eldorado onde deixam o senhor Sanches que esteve mudo em todo o trajeto e no desembarque não dispõe de um agradecimento sequer.
Nuvens grossas e escuras avolumam-se no céu para os lados do Rio Paraná. Tio Abilio brinca:
- Não vai chover muito. São nuvens falsificadas.
Pela primeira vez o fusca todo consegue rir.
Em pouco dão-se conta do engano. Paulino liga as luzes. É uma da tarde e parece noite escura. Lufadas de vento sopram fortes. Um dilúvio mesopotâmico desaba e acaba com a parca visibilidade. É impossível andar por risco de acidente. A muito custo encontram um espaço para estacionar fora da pista.
A claridade volta mas a chuva forte continua. Apenas as faixas que separam as pistas do asfalto são visíveis. Arriscam-se a continuar.
Por momentos o tempo amaina para logo chover forte outra vez. Em uma hora percorrem parcos quarenta quilômetros.
- Periga chegarmos tarde demais na barca.
- Se a chuva parar conseguiremos.
Ao sair da Ruta 12 falta menos de uma hora para a barca. Agora cai apenas uma fina garoa. O carro ronca firme subindo e descendo as serrinhas rumo a Oberá. Súbito, próximo à cidade, a pista da Ruta 14 está obstruída por um caminhão tombado e um carro batido. Homens da “Policia” desviam o trânsito rumo à cidade.
Na saída, próximo ao trevo para Alba Posse, uma barreira policial. Outros preciosos minutos perdidos e menos de meia hora para chegar no porto.
Liberados, seguem. O sinal no painel indica pouco combustível.
- Merda! Ainda temos de abastecer!
Pouco antes de Alba Posse, Paulino encosta o fusca no único posto de gasolina do lugar.
- “Non hai nafta”!
A frase soa apocalíptica. Faltam cinco minutos para a última barca. Anita começa a chorar dizendo que não quer pousar na Argentina. Paulino tenta acalmá-la. Ela está desconsolada. Tio Abílio apenas ri.
- Dormir na Argentina não é o fim do mundo!
- Amanhã pode ter Estado de Sítio! Aí ficaremos dias.
A cem metros da aduana o fusca pára. Terminou a gasolina.
- Desçam rápido e vamos a pé pegar a barca. Amanhã trago gasolina do Brasil e pego o carro.
Chegam no posto de identificação, quase sem ar.
Paulino explica a situação. A barca apita chamando para a travessia do Rio Uruguai.
- Vá e peça ao barqueiro trazer um galão de gasolina. Dá para vocês passarem com a última barca que sai às cinco e meia.
Todos respiram aliviados.
No receptor de rádio da repartição ecoa uma voz: “Atenção, atenção: O presidente da Argentina acaba de decretar Estado de Sítio em todo o território nacional. A partir deste momento está suspensa a movimentação migratória nas fronteiras do país”.