Mulheres Perdidas – Perdida em A...
 
       
  Faço parte de um grupo de escritoras que de vez em quando aceita o desafio de escrever sobre um determinado tema. Desta vez o tema foi Mulheres Perdidas em um determinado lugar. Eu poderia escrever mil histórias sobre este tema. Sou basicamente uma mulher sem nenhum sentido de direção. Eu já me perdi em todos os lugares possíveis de se perder. Cidades grandes e pequenas. Dentro de hotéis. Em parques e reservas. Já me perdi dentro de uma igreja. Até na cidade em que vivo há tanto anos eu me perco de vez em quando. Mas o problema é que nunca me senti perdida. Quando descubro que estou, paro e reflito. E acabo dando um jeito, pois tenho alguns ditados permanentes em minha mente. Sou movida a ditados. Nesses casos o que primeiro aparece é: Quem tem boca vai a Roma. Então paro e pergunto. Muitas vezes a quem pergunto está mais perdido do que eu. Então penso: Todos os caminhos levam a Roma e embora meu destino não seja Roma acabo chegando nele porque quem procura acha.

        Uma única vez eu me senti perdida.Foi em A... a cidade onde nasci.  E não foi só perdida no espaço, foi perdida no tempo também. Eu sei que ninguém vai acreditar porque ninguém acreditou quando aconteceu. Mas vou contar assim mesmo. Acredite quem quiser.
 
        Não faz muito tempo o acontecido. Cinco mulheres dispostas a se divertir: quatro amigas e eu.Estávamos de férias e saimos rodando qual Telma e Louise. Fomos parar em A..., Um carro possante e confortável e lá fomos nós para uma festa fora do perímetro urbano. Bem fora.Éramos as convidadas de honra. Eu, a boa filha que a casa retornava. Elas, porque eram minhas amigas. E eram também mulheres bonitas e animadas. Como a   noite  com estrelas no céu sem núvens.Tudo era bonito. A  festa com gente feliz  e muita bebida. Bem, usualmente bebo pouco. Sei o que o álcool faz com minha cabeça. Vodca temperada com açúcar e limão então é um terror. Eu bebi umas cinco, nada mais do que isso. E comecei a falar inglês. Quando bebo vodca falo inglês. Só falo inglês quando bebo. No final da noite, quando já não tinha ninguém a fim de prosa, muito menos em inglês, praticamente arriei. Minhas amigas quase tão bêbadas quanto eu precisaram me arrastar para o carro. Colocada na frente, no banco do carona, assim que a porta foi fechada eu me recostei nela e nada mais vi ou senti. Se é que eu estava vendo ou sentindo qualquer coisa até então. Dormi, desmaiei, apaguei? Sei lá. Foi aí que tudo aconteceu...
 
        Um toque suave em meu braço acordou-me. Abri os olhos e vi um homem sentado ao meu lado, ao volante. Ele sorriu, reclinou-se para bem junto de mim e beijou-me. Na boca! E eu retribuí e gostei. Parecia que eu estava no céu embora só tenha pensado isso mais tarde. Naquele momento eu estava no céu e não pensava. Então, ele pegou minha mão direita e colocou em meu dedo anular um anel. Depois me mostrou sua própria mão onde brilhava um anel semelhante. Para que nos reconheçamos, quando chegar a hora.Eu ouvi ele dizer mas não me lembro dele ter movimentado a boca. Percebi que havia algo de estranho nele. Suas roupas pareciam de outra época embora estivesse escuro, muito escuro para ver bem. Nem mesmo seu rosto eu consegui reter na mente por causa das sombras da noite. Ele saiu do carro, deu um longo assobio e logo ouvi um relincho e os cascos de um cavalo que se aproximava. Ele subiu no cavalo e partiu engolido pela noite. As estrelas tinham desaparecido, nem sinal da lua. Eu estava sozinha, onde estariam minhas amigas? Desci do carro e para todo o lado que eu olhava só o breu da noite. Como se eu estivesse presa em uma caixa escura. Comecei a andar ao redor do carro porque não tinha coragem de afastar as minhas mãos e perder o único contato que eu ainda tinha. Gritei, ai, como gritei! Chamava por minhas amigas: Zélia, Marília, Ângela, Nena! Ninguém respondia. Chamei por socorro, chamei por Deus! Rezei rezas esquecidas. Prometi deixar de fazer tudo que eu considerava culpado pela minha situação como, por exemplo, beber vodca. Amaldiçoei Deus e o mundo, a Rússia e todos os russos. Como resposta eu só tinha os barulhos da noite, da mata fechada que eu só percebia. Medo e desespero. Não sei quantas vezes entrei e saí do carro. Tentei acender os faróis e as luzes internas, inultimente. Tentei telefonar, mas quem disse que o telefone funcionou? Sem sinal, sem sinal, sem sinal... Procurei as chaves do carro, eu tinha que fazer alguma coisa, tinha que sair dali e achar minhas amigas. O que poderia ter acontecido com elas? Mais de uma hora se passou nessa agonia quando comecei a ouvir vozes que aos poucos iam se aproximando.Quase virei um tatu bola para me esconder dentro do carro, não sabia quem poderia ser.Cheguei a pensar ter sido abduzida.  Graças a Deus eram elas. Apareceram, exaustas. Às apalpadelas encontraram o carro e foram se acomodando. Foi então que viram que eu estava ali e começaram a chorar me abraçando.

         A história que me contaram foi incrível. Disseram que estavam indo tranquilamente pela estrada afora quando o carro parou. Assim, sem mais nem menos. Tentaram resolver o problema, mas não conseguiram. Avistando a luz de uma casa ao longe resolveram pedir socorro. A casa parecia próxima, tentaram me acordar para que eu fosse junto. Nada conseguiram.Eu dormia como uma pedra. Resolveram me deixar para trás. Como estavam mais para lá do que para cá só pensaram no perigo que tinha sido me deixarem no meio da estrada dentro de um carro com os faróis apagados quando já tinham andado por meia hora. A caminhada tinha lhes feito bem, dissolvendo a névoa de suas cabeças irresponsáveis. Vendo que de onde estavam a casa continuava na mesma distância de quando tinham saído do carro ainda brincaram: parecia que a casa estava correndo de nós. Quando mais chegávamos perto mais ela ficava longe. Optaram então para voltar ao meu encontro. Foi aí que Marília gritou: êpa, o carro não está no meio da estrada. Está no acostamento! Em uníssono todas falaram: mas não foi aqui que deixamos o carro! Foi Ângela quem teve a brilhante idéia: Ora, foi Pia que o colocou aqui. Mas Zélia com um fiozinho de voz falou:- mas como se ele não estava funcionando e além de tudo eu levei a chove comigo?  Nena disse então: tente outra vez, Zélia. Precisamos sair daqui. E Zélia tentou e saímos. Foi como se saíssemos de um quarto escuro. Logo o carro rodava por estrada clara e iluminada, o sol ameaçando sair para reinar em um domingo radiante. Ficamos caladas até  chegarmos a porta de minha casa porque na verdade ninguém sabia o que dizer. Eu seria a primeira a descer e quando o carro parou para que isso acontecesse, não me lembro mais quem foi, mas uma delas perguntou: o que você ficou fazendo lá esse tempo todo? O que aconteceu realmente? Como o carro foi parar no acostamento? Bem, eu contei o que sabia. O que tinha acontecido comigo. Do movimento do carro eu não podia dar conta. Mas nem mostrando o anel elas acreditaram. Não as culpei. Eu também não acreditaria. Mas nunca mais tirei do dedo o meu estranho anel. E quando perguntam onde   comprei anel tão delicado e diferente, falo a verdade. E aí dizem: é, você é mesmo uma boa contadora de histórias!.Inventa cada uma! Ligo não. Sigo contente da vida exibindo o meu anel. E olhando as mãos de todos os homens interessantes que encontro. Quem sabe um dia ele e eu nos reconheceremos? Afinal, quem espera sempre alcança. 



Este texto faz parte do II Desafio Recantista de 2009.
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