O SUCURI

A vila, no coração de Goiás, adormecera. Assim, tão silenciosa e banhada apenas pelo luar, parecia mais que morrera já há tempos. As ruas poeirentas e desertas eram poucas e estreitas. O vento por elas passeava e penetrava pelas frestas das janelas carcomidas espalhando um silvo estranho pelo ar.

Não muito longe, no fim da rua principal, ficava a cadeia do lugar. Chicão tomara uma importante decisão.

Aos poucos o sol foi saindo e banhando a rua, as casas e os terreiros. O vilarejo todo se espreguiçava.

Levantara-se das palhas que lhe serviam de cama. Olhara em volta: um puxado exíguo. Era seu quarto, sua sala, seu banheiro, sua casa enfim. Ao lado, um pequeno cômodo com duas janelas que davam para uma das ruas laterais do lugar. No cômodo, três prisioneiros: ladrões de gado.

Dois haviam sido presos por Chicão e alguns moradores de uma fazenda dos arredores. Uma testemunha ocular fora o bastante. Chicão caçara-os .Estavam acampados na Beira do Rio Corrente em meio à mata margeante. Depois do cerco silencioso , veio o tiroteio incessante e rápido.

O terceiro era assassino assalariado. Foi preso seis meses mais tarde.

Dois anos! Chicão tivera que alimentar os presos com dinheiro tirado de seu próprio salário por todo esse tempo. O governo se esquecera deles. E não haviam sido julgados, por falta de juiz, que já havia sido solicitado várias vezes, porém nunca aparecera.

Chicão olhou em volta mais uma vez e num desabafo de desânimo e desesperança gritou:

__ Já tô cheio doceis! Durante dois anos servi de criado proceis! Agora chega de moleza! Chega de levantá cedo prá fazê café prá vagabundo! Chega de enchê bucho de cabra cum dinheiro do meu bolso! Já tô farto de sustentá oceis treis! É hoje que eu acabo com essa mamata!

E assim dizendo, encaminhou-se para o canto do puxado onde estava seu revólver. Carregou-o e dirigiu-se aos prisioneiros que ainda permaneciam deitados, como costumavam fazer - a espera de que ele lhes trouxesse o café da manhã.

Chicão bateu com o cano do revólver nas grades e chamou:

__ Levanta, cambada de vagabundo, que hoje eu preparei um café especiar proceis. Prestem atenção no que eu vou dizê: vô abri essas grade e dá quinze segundo proceis. Aquele que conseguí passá a cerca alí da colina pode se mandá, e nunca mais apareça presses lado qui eu prego fogo! Agora... depois de quinze segundo eu abro fogo prá matá! So ceis não tiverem prá lá da cerca pode encomendá a arma!

E assim dizendo foi abrindo a cela e berrando:

__ Já!

Abriu fogo. Matou um, matou outro e feriu o terceiro, que conseguiu fugir.

Os tiros atraíram o povo da cidade que logo cercava os cadáveres e interrogava Chicão sobre o acontecido.

__ Eles tentaram fugi.

__ Cadê o Sucuri?

__ Eu feri ele, mais ele fugiu assim mesmo.

__ Ele é vingativo, vai vortá quando ocê menos esperá!

__ Que venha, que eu lhe furo a outra perna também.

Quando a “captura”- um grupo de policiais que passava de quando em quando recolhendo presos para levar para a capital ,para a prisão e julgamento- passou, dois meses mais tarde, soube do incidente e trouxe notícias do Sucuri: roubara gado de uma fazenda ao norte do lugar.

Chicão se lamentou por não tê-lo matado. Já andava meio esguio, nervoso, pois sabia que o Sucuri era traiçoeiro e sempre voltava para engolir a vítima.

Poucos meses mais tarde uma notícia voava de boca em boca: Chicão estava morto!

Fora achado no terreiro, a poucos passos de distância donde morreram Zelão e Cotia, com cinco tiros nas costas. O Sucuri havia retornado para engolir sorrateiramente a sua presa.

TEXTO DE RITA VELOSA

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Rita Velosa
Enviado por Rita Velosa em 17/06/2009
Código do texto: T1652766
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